Cidades

Baiano reúne em 884 verbetes o modo brasiliense de se expressar

postado em 15/06/2011 07:47
Demorou, mas chegou o dicionário de que Brasília precisava. E veio todo prosa (ou seria todo crônica?), bem-humorado, com as antenas ligadas na galáxia brasiliense, de uma ponta a outra. O bê-á-bá de Brasília nasceu do estranhamento inicial de um baiano recém-chegado ao Cerrado, o ex-caixa de banco, ex-juiz de futebol e ex-professor de ensino médio Marcelo Torres. Seus nove primeiros anos na cidade renderam 884 verbetes, recolhidos por um ouvido hiperatento a tudo o que se diz nesta Brasília profusa de sentidos.

Inspirado no Dicionário de Baianês, um best-seller baiano, o jornalista e servidor público Marcelo Torres teve de lidar com terreno mais pedregoso que a Bahia tão culturalmente nítida e bem delimitada. Como escreveu na apresentação o professor Luiz Carlos Assis Iasbeck, da Universidade Católica de Brasília, enquadrar em verbetes o vocabulário tipicamente brasiliense é um desafio dos grandes ;num lugar cosmopolita cercado de regionalidades, provincianismo e estrangeirismos;.

Como cercar um território difuso, sem fronteiras demarcadas, onde todo o Brasil se mistura, onde o modernismo das formas geométricas dança com o traço caipira da linguagem coloquial goiana? Marcelo Torres convida para o bar a formalidade acadêmica da arquitetura moderna. Ensina que há uma Brasília que vai se reinventando atabalhoadamente, a despeito dos propósitos bem-intencionados de quem a idealizou e de quem continua a idealizá-la.

É assim que o brasiliense chama de ;a ceguinha; a escultura da Justiça, obra de Alfredo Chesciatti; que deu ao Palácio da Justiça o codinome de ;cascata;; que se refere ao anexo I do Congresso Nacional como o H, Torres Gêmeas ou Vinte e Oito; e trata os ministérios como Dominó da Esplanada. A cidade traçada com régua e compasso se libertou da geometria e inventa uma nomenclatura toda sua para designar a geografia urbana. Como exemplifica o autor, na orelha do livro: em Brasília ;rotatória é balão. Bairro é setor. Avenida é via (ou eixo). Rua é quadra. Edifício (prédio) é bloco. Bloco é prumada. E ponto de ônibus chamam de parada;.

Apesar de ser fortemente marcado pelo léxico arquitetônico e urbanístico, o vocabulário brasiliense não se prende às pranchetas. Ele se desenvolve no meio da rua, mesmo que aqui rua seja quadra. Está na boca do adolescente, do policial, do bebum, do político, do marginal, das minorias; É um repertório vocabular usado pelo brasiliense, mas não apenas por ele. Como explica Marcelo Torres: ;Palavras como tio, véi, tipo, tipassim, refri e carai não são criações brasilienses, mas são muito faladas, muito usadas, especialmente pelos jovens. Portanto, são típicas, são simbólicas daqui;. É brasiliense e é brasileiro, tudo misturado.

O bê-á-bá de Brasília tem suas imperfeições. No verbete Honestino, o autor se esqueceu de dizer, numa frase que fosse, quem é o líder estudantil brasiliense desaparecido no tempo da ditadura. Quando designa Velhacap não se refere à Candangolândia. A região onde foi construído o primeiro galpão e as primeiras moradias dos funcionários da Novacap que até hoje é conhecida pelos moradores como Velhacap. Nada porém que retire da obra suas bem-vindas qualidades.

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