Cidades

Ensino de ciência para deficientes por meio de libras e braile é limitado

postado em 23/06/2011 11:58
;Todas as matérias são difíceis de entender. Não dá para acompanhar como os outros;, lamenta Marco Aurélio dos Santos Belloti, 17 anos. A dificuldade dele para aprender os conteúdos com os colegas é a deficiência auditiva: totalmente surdo do ouvido direito e com reduzida capacidade no esquerdo. ;Enquanto o ouvinte passa no vestibular direto, ou fica um ou dois anos estudando, a gente tem que estudar muito por quatro, cinco, seis anos.; O problema é só a surdez. Marco Aurélio não tem nenhuma limitação cognitiva que o impeça de compreender as disciplinas do ensino médio. Ainda assim, ele quer dar continuidade aos estudos. ;Quero me formar em sistema de informações, aprender profundamente e depois ajudar outros surdos. Usamos muito o computador para a comunicação, então é uma área que me interessa.;

O obstáculo são as restrições da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para traduzir alguns conceitos científicos. O despreparo dos profissionais da educação também atravanca o desenvolvimento intelectual dos deficientes em geral. Essas questões motivaram o processo de quase oito anos que resultou no livro Educação científica, inclusão social e acessibilidade, lançado na última terça-feira. O trabalho começou com o projeto português como segunda língua para a educação formal, que ocorreu entre 2003 e 2008. O Centro de Ensino Médio Elefante Branco (Cemeb), onde Marco Aurélio estuda, teve alunos que participaram da pesquisa interdisciplinar da Universidade de Brasília (UnB).

Os entraves são tantos que Marco Aurélio defende, inclusive, que sejam criadas turmas exclusivas para surdos. ;Inclusão é muito legal. Mas o ouvinte consegue responder o professor em tempo hábil, assim que ele coloca uma questão. Mas a gente depende do intérprete. Então, a comunicação deles é mais rápida e a gente não consegue acompanhar. Tem conceito que não existe em Libras, aí até que a gente consiga entender do que se trata, o professor já passou pra outro assunto;, explica o estudante com ajuda da intérprete Silvana Marques da Silva. Para ele, história, biologia e filosofia são as disciplinas que apresentam maior dificuldade de tradução de conceitos para Libras.

Turmas exclusivas
Francisca Joyce Costa e Silva, 19 anos, cursa o terceiro ano do ensino médio e sofre com esse problema. ;A dificuldade existe mesmo com intérprete em sala, porque como, às vezes, não tem vocabulário, aí ele tem que soletrar e perdemos muito tempo;, diz, referindo-se à necessidade de ter que soletrar em linguagem de sinais e tentar explicar o que aquela palavra significa. ;Em história, por exemplo, não tem sinal para feudalismo, ditadura, revolução.; Welington Edmundo Gonçalves, 21 anos, também acha que a separação das turmas seja uma saída. ;O desenvolvimento quando em turmas diferentes é muito mais rápido, porque o professor tem que passar pelo intérprete e são ritmos diferentes. A escola tem que ser a mesma, e a inclusão feita em projetos culturais, esportivos;, argumenta.

Quando esses impasses surgem na sala de aula, fica à cargo do intérprete se desdobrar para fazer com que todos os alunos acompanhem o conteúdo programático.

;A gente procura ao máximo os recursos possíveis. Tenta trabalhar com o visual, porque um enunciado de exercício ele não consegue entender, pela dificuldades que tem com o português, mas a Libras também tem vocabulário limitado. É muita coisa para fazer. O o aprendizado deles é mais devagar por conta de todos esses obstáculos. O professor acha que ele sabe ler. Mas, mesmo para ler o que eles escrevem é preciso estar preparado, entender o contexto;, afirma Maria Eunice Borges, professora da sala de recursos do Elefante Branco, local que dá apoio a esses estudantes.

Visual-motora
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) só foi oficializada como meio legal de comunicação do país em 2002. Somente então foi reconhecida como forma de comunicação e expressão, com sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria para surdos. A partir daí, a legislação passou a incluir os surdos, tornando lei a necessidade dar garantias para que os surdos se desenvolvam na rede de ensino com a Libras. Antes disso, eles eram obrigados a se oralizar, ou seja, aprender o português e, mesmo sem referências sonoras para tal, eram forçados a aprender a falar.

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