Luiz Estevão, empresário, ex-senador" />
O Governo do Distrito Federal tem um crédito de R$ 8 bilhões para receber de empresas e contribuintes inadimplentes. É dinheiro suficiente para construir quase 3 mil escolas, 26 hospitais e ainda oito estádios olímpicos com os padrões exigidos para a Copa de 2014. Esse recursos que cobririam todos os gastos com saúde, segurança e educação durante um ano. Mas essa verba dificilmente financiará serviços públicos, porque as leis de cobrança dos devedores são frouxas. E justamente aqueles com maior poder aquisitivo são os piores pagadores.
O Correio teve acesso a uma lista que reúne os maiores devedores do Distrito Federal. A relação inclui mais de 400 pessoas físicas e jurídicas que deram calote de, pelo menos, R$ 500 mil cada uma. São citadas empreiteiras, grandes bancos, empresas de transporte coletivo, fundações e até órgãos do próprio governo, como a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
A Procuradoria-Geral do DF (leia Para saber mais) criou um grupo dedicado a correr atrás do pagamento das dívidas com tributos. O Núcleo de Grandes Devedores (NGD) tem como missão aumentar o índice de recuperação do crédito oficial. Hoje, esse percentual é de 3,5%. Mas já foi pior. Até o ano passado, a procuradoria só conseguia reaver 1,6% dos impostos ignorados pelos contribuintes. A média nacional é ainda mais baixa. De cada R$ 100 desse tipo de cobrança, apenas R$ 1 é resgatado pelas autoridades.
Em seis meses no encalço dos inadimplentes, a Procuradoria-Geral chegou a uma constatação: poucos devem muito. Vinte e seis mil ações de execução fiscal, cujos valores das causas chegam a R$ 130 milhões, foram ajuizadas apenas este ano no Tribunal de Justiça do DF. Enquanto isso, apenas 37 processos de grandes devedores somam a cifra de R$ 180 milhões.
Sobrecarga
Um dos maiores desafios é não perder o direito de executar judicialmente quem não paga imposto. O primeiro passo é incluir os inadimplentes na Dívida Ativa do DF, trabalho a cargo da Secretaria de Fazenda. Essa lista é encaminhada à procuradoria, que toma as providências legais para tentar recuperar o dinheiro. O problema é que, em cinco anos, a dívida prescreve e o credor se livra do pagamento de tributos como Imposto sobre Propriedade Predial Territorial Urbana (IPTU) e Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), obrigatórios a todo cidadão. ;O Estado não produz riqueza, administra os recursos que vêm dos impostos. Os inadimplentes sobrecarregam os contribuintes. É melhor buscar dos devedores do que aumentar o fardo de quem está com seus compromissos em dia;, considera o procurador-geral do DF, Rogério Leite Chaves.
Atualmente, 240 mil ações tramitam na Vara de Execução Fiscal do DF. Segundo a Procuradoria-Geral, um processo desse tipo leva, em média, oito anos e meio para ter um desfecho e consome do Estado o valor médio de R$ 4,5 mil. Ou seja, mesmo que o órgão de defesa do patrimônio do Distrito Federal tenha êxito em todas as ações ; o que é praticamente impossível ;, gastará R$ 1 bilhão apenas na burocracia judicial.
Arnaldo Bernardino, médico, ex-secretário de Saúde" />
Atenção especial
A Procuradoria-Geral do DF selecionou as empresas e pessoas físicas cujos processos de execução fiscal somados chegassem a valores iguais ou superiores a R$ 500 mil. Sobre esses casos, o órgão dedica atenção especial para achar os devedores, citá-los e tentar cumprir o resgate da dívida.
Políticos em destaques
Entre as dívidas apuradas pelo Núcleo de Grandes Devedores, uma chama a atenção pelo volume de dinheiro e quantidade de processos. Trata-se das ações referentes ao Grupo OK, que pertence ao ex-senador Luiz Estevão. Há mais de mil processos cobrando impostos do conglomerado. Em alguns casos, as execuções são milionárias e estão em nome do próprio empresário. Ele é um dos primeiros na lista de 421 inscritos no NGD, da Procuradoria-Geral do DF. Em nome de Estevão, há cobranças, por exemplo, de R$ 2,5 milhões. Algumas delas foram apresentadas no Tribunal de Justiça do DF e Territórios há mais de cinco anos, o que pode eximi-lo de acertar as contas com o erário.
Extinto em 2007, o Instituto Candango de Solidariedade (ICS) deixou rastros de corrupção e, sabe-se agora, um rombo de mais de R$ 340 milhões. Em uma execução fiscal ajuizada em 8 de abril deste ano, a procuradoria exige o pagamento de R$ 51.894.485,24. Esse valor é cobrado de forma solidária com o ex-presidente do ICS Ronan Batista de Souza. Outro ex-dirigente do instituto, Lázaro Severo Rocha é alvo de ação de execução com Ronan e o ICS no valor impressionante de R$ 290.159.365,96.
O ex-secretário de Saúde Arnaldo Bernardino Alves é executado em R$ 560,4 mil numa ação proposta em setembro de 2010 pela Vara de Execução Fiscal. Nem mesmo quem deveria dar o exemplo, obrigação de empresas do GDF, está em dia com os tributos. Juntas, Caesb e Terracap devem mais de R$ 1 milhão em impostos.
Renegociação
De Londres, o ex-senador Luiz Estevão afirmou ao Correio por telefone que todos os processos de execução fiscal a que ele e suas empresas respondem na Justiça foram suspensos em função do parcelamento da dívida negociado com a Secretaria de Fazenda do DF. Ele disse que os valores devidos até 2007 foram recalculados pelo programa Refaz, que as ações de 2008 e 2009 estão sendo quitadas em 180 meses e as cobranças de 2011, sendo regularmente acertadas com o governo.
Estevão informou que vai tentar recuperar os valores que agora renegociou com o GDF, pois, segundo alega, foram cobrados sobre bens indisponibilizados pela Justiça. Ele foi condenado a 31 anos pelos crimes de peculato, estelionato, corrupção ativa, uso de documento falso e formação de quadrilha por suposto envolvimento no desvio de recursos públicos na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. ;Se eu não posso dispor dos meus imóveis, se não tenho usufruto deles, não é justo que sejam tributados. Em momento oportuno, assim que liberarmos os imóveis, vou buscar reaver o dinheiro.;
O ex-secretário de Saúde Arnaldo Bernardino considerou um erro sua inscrição na lista de grandes devedores. Segundo afirma, ele é acionado na Justiça para devolver R$ 3,3 milhões ; que, em valores corrigidos, chegam a R$ 4 milhões ; referentes à compra do Hospital Nossa Senhora Aparecida (hoje Hospital Regional de Samambaia). O Tribunal de Contas do DF considerou que o Estado teve prejuízo por ter pagado valor (R$ 18,3 milhões) acima do que, à época, havia sido avaliado (R$ 15 milhões). ;Como assinei a escritura da transação, estou sendo responsabilizado, processo que contesto por meio de inúmeros recursos. Não tem nada a ver com impostos, pois pago em dia meus tributos;, alegou.
O Correio tentou entrar em contato com os ex-gestores do ICS citados na reportagem, mas não conseguiu localizá-los.