Há cinco anos, Aparecida Conceição Pereira, 55 anos, conheceu as lixeiras coloridas da coleta seletiva em um hipermercado e resolveu fazer parte da iniciativa. As lixeiras da casa da funcionária autônoma se multiplicaram e começou a luta solitária para manter o lixo em ordem, à revelia da família. ;É difícil. Eles jogam no lixo e eu recolho. Eu ainda brigo com eles, mas eles estão se acostumando;, contou. O quintal e a casa exibem pilhas e sacos organizados de garrafas, jornais e embalagens. As latas e as bandejas de isopor são vendidas na feira; as caixas de leite vão para a Casa da Sopa, na Estrutural; as jarras seguem para o banco de leite do Hospital das Forças Armadas; e as garrafas pet são entregues aos catadores do Cruzeiro.
Os resíduos são separados, lavados e guardados até que encontrem um destino apropriado. Até mesmo os vizinhos confiam à Aparecida alguns de seus restos. ;Muita coisa eu acabo misturando depois, porque acabo não tendo onde colocar. Seria bom se tivesse um lugar para levar tudo.
Em julho, moradores do Cruzeiro como Aparecida contarão com a ajuda do projeto Ecobairros, iniciativa que planeja dar um destino sustentável para o lixo reciclável da cidade. A partir do próximo dia 10, contentores divididos em seis cores (leia quadro) começam a ser instalados em diversos pontos da região. Ao todo, 100 conjuntos de lixeiras coloridas devem ser distribuídos pelo Cruzeiro até agosto. O plano prevê a criação de 20 ecopontos, locais onde a população poderá vender os resíduos como papel e latas para agentes que farão a revenda para empresas de reciclagem.
Redução
O projeto espera reduzir a produção de lixo do Cruzeiro em 9 toneladas por ano e dar às famílias a oportunidade de ganhar até R$ 100 com a venda dos resíduos. Os condomínios e as residências que acolherem os ecopontos receberão R$ 600 para ajudar na coleta. O lixo depositado nos contentores de rua será repassado a cooperativas escolhidas, que se encarregarão da reciclagem do material. A ONG escolhida pela Administração Regional do Cruzeiro para tocar o projeto, Verde Horizonte, ainda estuda um convênio para repassar o lixo não reciclável a uma usina termoelétrica.
A partir do próximo dia 10, os moradores devem receber a visita de 50 agentes comunitários, que irão explicar às famílias como separar o lixo em casa e as vantagens de colaborar com o projeto. ;Acreditamos que a interação humana deve fixar a informação nas pessoas. A ideia vai empolgar no primeiro momento, mas ainda faremos a manutenção dessa educação ao mostrar os resultados;, explicou o coordenador da Rede Ecobairros, Hélio Rosa. A população irá receber ecobags e sacolas biodegradáveis para ajudar com a coleta seletiva. Toda a estrutura e os funcionários do Ecobairros devem ser pagos por meio de patrocínio e com o lucro da venda do lixo.
Os estudos para a Ecobairros começaram em fevereiro, com o objetivo de diminuir a quantidade de resíduos produzida no Cruzeiro. A cidade foi adotada como ponto pioneiro para a implantação do projeto devido à grande densidade demográfica da cidade: são 80 habitantes por quilômetro quadrado, a maior concentração do DF. Essa estrutura é a ideal para testar o sistema antes de levá-lo a outras cidades. ;É impossível pensar em gestão pública no século 21 sem pensar em meio ambiente e responsabilidade. Esse modelo não tem nenhum custo para a administração, só um lucro social muito grande;, explicou o administrador regional do Cruzeiro, Salin Siddartha. O modelo também deve ser adotado no Núcleo Bandeirante, no Guará, em Sobradinho, Planaltina, Taguatinga e Brazlândia.
Moradores mobilizados
A iniciativa inspirou Iranilce Costa Gomes, 58 anos, síndica de um bloco do Cruzeiro Novo. O prédio onde mora a funcionária pública aposentada ainda descarta o lixo sem qualquer tipo de separação e todos os resíduos do condomínio são levados misturados pela coleta. O tema nunca foi discutido entre os moradores, mas agora ela pretende mudar esse quadro. ;Agora que eu entendi o que acontece com o lixo e como é feita a coleta, pretendo colocar as lixeiras separadas no prédio. Estamos discutindo em assembleia se vamos separar o lixo seco do orgânico ou se usaremos o sistema das cores;, explicou Iranilce, que frequenta o curso da Ecobairros para entender o processo da coleta seletiva.
Além do cunho educacional, o sistema deve suprir uma necessidade que os moradores do DF têm desde o fracasso da última tentativa de implantação da separação do lixo. A população de Brasília desistiu de colaborar com a coleta seletiva implantada há anos, pois os resíduos recicláveis e orgânicos eram misturados antes de serem levados ao depósito. Em vez da tentativa de construir Ecopontos há dois anos (veja memória), o Sistema de Limpeza Urbano (SLU) estuda voltar com a coleta seletiva depois de estabelecer parcerias com as cooperativas e montar a estrutura necessária para o recolhimento correto do lixo.
Projeto
O órgão ainda não definiu quando poderá se responsabilizar pela reciclagem do lixo no DF. ;Por enquanto temos um projeto piloto a ser instalado em Brazlândia nesta semana. Nossa esperança é implantar o sistema nos próximos 60 dias em pelo menos seis núcleos;, adiantou Francisco Palhares, diretor técnico do SLU. Para ele, iniciativas como o Ecobairros não têm a mesma eficácia que a mudança de hábitos. ;É preciso pensar em mais coisas, não é tão simples. Cooperativas não têm estrutura, e o custo de buscar o lixo é elevado;, advertiu.
Frustração em 2009
Em 2009, o Sistema de Limpeza Urbano (SLU) tentou resolver o problema do lixo no DF com a construção de ecopontos, centros de triagem e áreas de transbordo. Na época, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) liberou a construção de seis deles: os espaços teriam lugar para depósito de entulho e de lixeiras para a coleta seletiva. A iniciativa tinha o objetivo de fazer parcerias com empresários de descarte de restos de construção civil, que poderiam, por exemplo, fazer planos de recuperação ambiental das áreas escolhidas para receber os ecopontos. Eles seriam instalados em Ceilândia, Planaltina, no Gama e em Sobradinho.