Cidades

Embrapa trabalha para retomar clonagem de animais. Desafio é reduzir custos

Marco Prates
postado em 30/06/2011 08:00
A vaca Lenda, com seu filhote, diferentemente de Vitória, foi clonada a partir de células ovarianas de um animal mortoA morte do primeiro animal clonado da América Latina, a vaca Vitória, deixa um forte legado à ciência genética da capital federal. A partir da experiência realizada em Brasília, existem hoje em todo o país cerca de 100 animais copiados em idade reprodutiva, segundo estimativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A produção desses animais vem sendo desevolvida por três laboratórios particulares com o conhecimento obtido pela empresa pública, cujo maior símbolo de sucesso é Vitória, nascida em 2001. Em Brasília, duas vacas clonadas com técnica ainda mais delicada permanecem na fazenda de pesquisas Sucupira, no Riacho Fundo 2. O número, porém, pode aumentar num futuro próximo. A Embrapa recomeçou a realizar o processo completo há um ano.

Na capital, as vacas Lenda e Porã são responsáveis por manter o legado de Vitória. Todas foram obtidas pelo mesmo processo de transferência nuclear (veja Arte). O ineditismo da última, no entanto, ofuscou todas as demais. ;A Lenda foi o nosso maior sucesso, porque veio da célula de um animal adulto, e não embrionária. Tecnicamente, era mais dicícil. Mas quem ficou mesmo com a fama foi a Vitória;, conta Maurício Franco, que coordena as pesquisas de reprodução animal na Embrapa. Lenda nasceu em 2003. Outra novidade é que ela foi obtida a partir de células ovarianas de uma vaca já morta, abrindo novos precedentes para a ciência nacional, como a recuperação de animais de alto valor reprodutivo ; a exemplo de vacas que valem milhões de reais.

O processo também se aplica para a preservação de animais em extinção. É esse o caso de Porã, que nasceu em 2005, dois anos depois da Lenda. O animal é clone da raça Junqueira, que conta com menos de 100 exemplares em todo o país. Tanto Lenda quanto Porã e Vitória geraram descendentes, a maior prova do sucesso da clonagem brasileira. Para o pesquisador Franco, o programa hoje produz animais absolutamente iguais aos obtidos por reprodução. ;Os clones que têm problemas se perdem durante a gestação ou logo depois do nascimento. A natureza se encarrega de fazer essa seleção;, afirma ele.

Evolução
Desde o nascimento de Vitória, há 10 anos, houve evolução na técnica de clonagem brasileira. A partir da produção de Porã, a Embrapa parou de realizar todo o processo e se concentrou apenas na fase de maturação do embrião, uma técnica muito delicada. Assim, não ocorreram novos nascimentos. Há cerca de um ano, porém, a empresa recomeçou todo o trabalho. Segundo a Embrapa, é possível que mais animais surjam em breve, mas não há nada ainda confirmado.


Técnica é muito cara
Mesmo com avanços e os inúmeros benefícios, a clonagem ainda está longe de se tornar popular no mercado. Hoje, esse é um dos grandes desafios da Embrapa: melhorar o processo de maneira a torná-lo mais barato. A reduzida taxa de sucesso se coloca como um dos entraves. A cada 100 óvulos colocados para nascer, apenas de dois a cinco ganham vida, no caso das fêmeas. Para os machos, a taxa é de 5% a 10%. ;Depois do nascimento, ainda podemos ter problemas;, afirma o pesquisador da Embrapa Maurício Franco.

Dessa forma, os preços são quase proibitivos, mesmo com três laboratórios nacionais ; dois no estado de São Paulo e um em Minas Gerais ; dominando a tecnologia desenvolvida pela empresa. Um fazendeiro que desejar clonar um excelente boi reprodutor terá que desembolsar R$ 50 mil, valor que pode compensar quando o animal representar um retorno bem superior ao investimento. Essa alternativa é válida se o animal original sofrer um acidente ou morrer, em condições que permitam recolher matéria-prima necessária à clonagem.

Para a Embrapa, mais do que um fim, a clonagem é um meio. O maior sonho dos pesquisadores é produzir animais transgênicos, ou seja, geneticamente modificados. Com base no mesmo princípio da clonagem ; a transferência nuclear ;, o futuro aponta para a geração de animais mais fortes e que produzem mais, a verdadeira finalidade das atuais pesquisas.

Atração da ciência e dos curiosos
;Era uma vaca normal;. São essas as palavras que vêm à cabeça das pessoas que conviveram com Vitória, o bovino mais famoso de Brasília. Requisitado para exposições e alvo de curiosidade geral, o primeiro animal clonado da América Latina morreu no último dia 17, exatamente 10 anos e três meses depois de ter nascido da barriga de uma mãe de aluguel. Pesando 980kg, porte considerado bom para a idade e raça, Vitória morreu no Hospital Veterinário da Universidade de Brasília, onde passou 10 dias lutando contra uma pneumonia bacteriana grave. Ela deixou duas crias, Glória e Galante, que geraram mais dois animais.

Antes de morrer, criadores estranharam a falta de apetite do animal. Dois dias após chegar ao hospital, deitou-se não levantou mais. O peso e a posição estática agravaram a doença e Vitória não resistiu. Depois de recolhido material genético, o animal foi incinerado na UnB.

Vitória se tornava uma ;senhora;quando adoeceu. O cálculo do especialista Maurício Franco é que, em idade humana, ela tivesse entre 50 e 60 anos. No setor produtivo, a vaca, da raça Simental ; boa para leite e corte ; estaria em idade de se aposentar. Essa espécie vive, em média, 15 anos, embora seja abatida antes por fazendeiros.

Vitória não foi um sucesso apenas para os pesquisadores da Embrapa. Ela era uma atração entre estudantes levados à Fazenda Sucupira, no Riacho Fundo 2. ;É aqui tem uma vaca clonada?; A pergunta se tornou quase um clichê entre os curiosos que também iam ao local, lembra o auxiliar de operações da fazenda, Arlindo Ferreira de Oliveira, 46 anos, 17 deles dentro da área de pesquisa. Segundo ele, a vaca foi criada pouco tempo antes de a novela O clone ganhar a telinha, o que reforçou a popularidade do trabalho dos pesquisadores.

Pesquisadores e cuidadores de animais repetem que Vitória vivia com os outros animais, sem regalias ; afirmação parcialmente verdadeira. Por ser muito requisitada, ficava sempre próxima ao núcleo da fazenda, aos olhos de todos, sem caminhar para as áreas mais distantes. Mas pastava e comia o mesmo que todos os outros 160 bovinos.

;Ela nunca teve privilégios. Sofreu todos os desafios que qualquer animal enfrentaria;, afirma um dos criadores de Vitória, o pesquisador Rodolfo Rumpf. O tratamento normal servia para provar a viabilidade dos clones. Para o coordenador da pesquisa de reprodução animal da Embrapa Maurício Franco, foi essa a principal conquista dela. ;Ela era fértil e provou isso.; Os dois filhos, hoje com seis e cinco anos, não aparentam nenhum problema de saúde. ;Ela foi o coroamento de um processo que começamos efetivamente em 98 e foi importante para mostrar que, como no exterior, tínhamos condições de fazer isso também no Brasil;, avalia Rodolfo.

A ovelha
A ovelha escocesa Dolly, nascida em 23 de fevereiro de 1997, foi o primeiro mamífero no mundo a ser clonado com sucesso a partir de uma célula adulta. Mas a clonagem a partir de células embrionárias, considerada mais simples, já havia sido iniciada em ratos desde 1981.

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