Cidades

Nova lei sobre prisão preventiva entra em vigor nesta segunda-feira

Luiz Calcagno
postado em 03/07/2011 08:00

Paulo*, morador de rua, furtou um pedaço de carne em um hipermercado no Plano Piloto e foi flagrado na saída. A peça não chegava a R$ 15. Para levar o alimento, ele não ameaçou ninguém e na delegacia disse que passava fome. Foi preso preventivamente, mas o advogado conseguiu a soltura dias depois. Em outro caso, em 2010, Romeo* foi detido por roubo à mão armada. O juiz decretou sua prisão cautelar, que tem duração máxima de 81 dias. No entanto, após 150 dias, a mãe do rapaz acionou a Defensoria Pública do Distrito Federal para tentar um relaxamento da prisão. Conseguiu. Posteriormente julgado, o jovem, réu primário, foi declarado inocente. A partir de amanhã, suspeitos em situação semelhante não serão mais sequer detidos até a condenação. A garantia será dada pela Lei Federal n; 12.403/11, que muda os critérios para o recolhimento de acusados ao cárcere no Brasil.

A nova lei, sancionada em maio pela presidente Dilma Rouseff, determina que o juiz decida sobre a liberação dos acusados de crimes dolosos (cometidos intencionalmente) com pena máxima de até quatro anos sem a necessidade de um pedido formal de advogados ou defensores. Em vez do cárcere, a Justiça deve antes determinar nove outras medidas cautelares (veja Opções), como o monitoramento eletrônico do acusado, o impedimento de frequentar um determinado lugar ou a proibição de sair de casa após anoitecer. Suspeitos de furto simples, porte ilegal de arma de fogo, homicídio culposo no trânsito, cárcere privado e corrupção de menores, por exemplo, só terão prisão preventiva decretada se já forem condenados por outro crime ou se descumprirem a medida cautelar definida pelo magistrado.

Até hoje, nos crimes com pena máxima de até quatro anos, só cabia ao juiz decidir se o acusado seria preso ou solto. As novas medidas cautelares garantem que o suspeito irá para a cadeia apenas se condenado e pretendem desafogar o sistema penitenciário do DF. Para crimes graves, com punição acima de quatro anos de detenção, se o réu for primário ou não apresentar risco à sociedade, por exemplo, o juiz terá 48 horas para decidir se decretará a prisão preventiva. O magistrado pode determinar também o pagamento de fiança, que pode chegar a
R$ 180 mil (veja O que diz a lei).

A capital federal tem uma população de presos de 9,7 mil, mas capacidade para 6,5 mil, o que representa um deficit de 3,2 mil vagas. Desse total, 1,8 mil estão detidos em caráter provisório e 344 se enquadram nas garantias da nova lei. A expectativa do subsecretário do sistema, André Victor do Espírito Santo, é que, nas próximas semanas, pelo menos 200 encarcerados voltem às ruas. ;De imediato, teremos um desafogamento. Recebemos semanalmente duas levas de presos. Na última terça-feira, foram 160. Isso também deve diminuir;, disse o subsecretário.

Medo
A liberação dos acusados que estão em prisão preventiva vai depender de decisão judicial. O temor de especialistas contrários à medida é que, com a lei federal que altera o Código Processual Penal (CPP), criminosos vão voltar às ruas, o que aumentaria a sensação de insegurança da população e de impunidade dos infratores. Além disso, com dificuldade para prender bandidos presos em flagrante, as polícias Civil e Militar também se sentiriam desestimuladas a agir em casos de crimes leves. Questionado, Espírito Santo disse que é cedo para prever. ;O sistema prisional terá reflexos positivos, mas a sensação de insegurança tende a crescer no início. Com o passar do tempo, os efeitos serão conhecidos e saberemos se a lei realmente trouxe algum agravamento;, ponderou.

Na visão do vice-presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do DF (Sindepo), Rafael de Sá Sampaio, a alteração do CPP reflete a ;impunidade da Justiça;. Segundo Sampaio, os tribunais brasileiros criam jurisprudências desconsiderando o caráter do criminoso. Para ele, isso engessa o sistema e favorece a liberdade. ;Para resolver um problema carcerário, eles colocam criminosos nas ruas. A prisão preventiva foi posta como último recurso e dificilmente será aplicada. A lei gerou desestímulo. Os policiais verão o trabalho desqualificado por solturas imediatas. Os criminosos vão ficar menos tempo encarcerados, a população ficará à mercê, e o Estado ficará sem instrumentos para cessar a desordem;, disparou.


; Nomes fictícios para preservar
a identidade dos personagens

Opções

Antes de decretar a prisão preventiva,
juízes podem definir as seguintes medidas cautelares:

; Determinar o comparecimento periódico do acusado em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo magistrado, para informar e justificar atividades;
; Proibir o acesso ou a frequência do acusado a determinados lugares relacionados ao crime cometido, para evitar que ele execute novas infrações;
; Proibir contato com a vítima ou testemunha de um crime, por exemplo, para evitar que o infrator atrapalhe as investigações ou cometa novo ato infracional;
; Proibir ausentar-se da cidade ou do país quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
; Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
; Suspender o exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
; Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração;
; Pagamento de fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
; Monitoração eletrônica do criminoso.
Fonte: Lei Federal n; 12.403/2011

O que diz a lei

A Lei Federal n; 12.403/2011 alterou 33 artigos do Código de Processo Penal e reformulou os critérios para decretação da prisão preventiva. Agora, um acusado de crimes como furto simples, porte ilegal de arma de fogo, homicídio culposo no trânsito e cárcere privado, que tem pena prevista de até quatro anos de reclusão, por exemplo, aguardará o julgamento em liberdade. Além disso, resgatou a figura da fiança como uma das nove medidas cautelares que devem ter prioridade sobre a prisão. O valor do pagamento varia entre um e 200 salários mínimos (R$ 545 a R$ 109 mil). Entre as sanções que poderão ser aplicadas pelos juízes estão ainda o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, quando o investigado ou acusado tiver residência e trabalhos fixos, e a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais.

Temporários

Presos provisórios no DF

Dezembro de 2005
1.337

Dezembro de 2010
1.846

Variação
35%

Presos provisórios no Brasil

Dezembro de 2005
91.317

Dezembro de 2010
164.683

Variação
80,6%

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação