O Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV) realizou, na manhã de ontem, o 4; Torneio Aberto de Xadrez, que contou com a participação de 18 alunos. A competição faz parte do Projeto Xadrez para Deficientes Visuais iniciado há seis anos. O programa atende gratuitamente cerca de 30 alunos, que ganham na escola a oportunidade de aprender a superar suas limitações e até mesmo tornarem-se profissionais no esporte. Entre os alunos do projeto estão quatro dos 20 melhores enxadristas deficientes visuais do Brasil, além da campeã nacional na categoria.
O ritmo do torneio do CEEDV não segue o passo acelerado típico dos profissionais do esporte. As partidas têm um tempo máximo de uma hora, guiado pelo relógio de mesa usado pelos participantes ; uma partida tradicional dura cerca de 25 minutos. Dessa forma, embora a competição fosse de pequeno porte, o evento teve de ser prolongado para o período da tarde. As regras também não são as mesmas do jogo original. Os competidores têm a permissão para tocar as peças,inclusive as dos adversários, e o tabuleiro antes de fazer as jogadas.
O material usado no campeonato e nas aulas também é feito especialmente para cegos. Os tabuleiros são em alto relevo, que difere as casas pretas das brancas. As peças são encaixadas às casas por um sistema de pinos, que impede a perda do jogo quando os jogadores passam as mãos pelo tabuleiro. Para separar as peças pretas das brancas, as escuras ganham ponteiras de metal sensíveis ao toque.
Um dos destaques da competição foi a enxadrista Tatiane Elen Aparecida Marçal, 24 anos. A estudante tornou-se conhecida entre os colegas de jogo depois de vencer o campeonato nacional de xadrez feminino para deficientes visuais, no ano passado. Depois de disputar com oponentes com mais de 15 anos de experiência, a novata ganhou as seletivas do Rio de Janeiro e de São Paulo, antes de vencer a final em Brasília. A vitória foi uma surpresa para a estudante, que começou a jogar xadrez para ir melhor nos estudos. ;Eu fazia direito e tinha dificuldade para me concentrar nas aulas. Falaram que o xadrez abria a mente, então eu resolvi tentar. No início, eu achava bem difícil, mas realmente o raciocínio ficou bem melhor para estudar;, contou a Tatiane.
Nas aulas de xadrez, a estudante se aproximou de seu atual marido, Alex Barros, 30 anos. O funcionário público também é um dos destaques do projeto de xadrez do CEEDV. Ele ficou em terceiro lugar num campeonato voltado para jogadores com perfeita visão. ;Jogar contra pessoas que enxergam é completamente diferente, pois eles veem o que queremos fazer quando passamos as mãos nas peças. Achei que foi uma grande vitória;, ressalta o enxadrista. Toda a habilidade de Alex deve-se à paixão pelo jogo: ele pratica o xadrez desde os oito anos de idade, e fez questão de ser o primeiro aluno do projeto da escola.
Especial
A ideia para o projeto surgiu logo após a implementação do ciclismo para os alunos do CEEDV. O programa de exercícios consistia em bicicletas de dois lugares, que possibilitavam um passeio seguro para deficientes visuais. Apesar do sucesso da iniciativa, que até hoje é praticada na escola, os professores notavam que nem todos os alunos tinham aptidão para atividades físicas, mas ainda tinham a necessidade de participar de alguma prática esportiva. ;Como eu já gostava de xadrez, comecei a jogar com os alunos e logo veio mais gente para jogar. Tivemos o auxílio de um árbitro internacional, e ele passou a orientação de como ensinar o jogo;, explicou o idealizador do projeto, Marcelino Brandão Filho, professor voluntário do CEEDV.
O sucesso do programa foi alcançado, apesar de inúmeras dificuldades encontradas pelo caminho. Os tabuleiros especiais, feitos de forma artesanal, só podem ser encomendados de Belo Horizonte, onde está o único fabricante nacional. O equipamento custa em torno de R$ 110, sem contar os relógios usados para competições oficiais. Os cronômetros usados atualmente pelo projeto foram ganhados numa premiação institucional. ;Aqui o esquema é patrocínio mesmo. Sempre que tem competição, começa a loucura de encontrar parceiros que possam custear as viagens;, lamentou Marcelino.
Os professores do projeto contam que os alunos do CEEDV são capazes de vencer enxadristas tradicionais, mas que esse nível de conhecimento só é atingido com mais esforço que o necessário para alunos comuns. ;Repetimos muito. Fazemos tudo cinco, dez ou mais vezes se necessário;, explicou o professor Davi Nascimento. O enxadrista profissional nunca havia interagido com jogadores cegos antes de entrar no programa, há dois anos, mas garante que o esforço extra vale a pena. ;Trabalhar com deficientes visuais é uma experiência maravilhosa. Sentimos o prazer de ver eles felizes por praticar um esporte de alto nível social;, avaliou.
Participe
O Projeto Xadrez para Deficientes Visuais oferece três aulas semanais no CEEDV e a matrícula é gratuita. Os interessados em participar podem procurar a escola, localizada na 612 Sul, ou ligar no telefone 3901-7607. A escola ainda recebe doações para a compra dos tabuleiros
e outros materiais. Também é possível conhecer o trabalho do programa no site www.xadrezparadv.com.br. A página disponibiliza artigos, fotos e vídeos das aulas e campeonatos, além de oferecer ferramentas que possibilitam o jogo virtual para deficientes visuais.