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Cercas avançam na Asa Sul e agridem o tombamento. Iphan notifica prédios

postado em 06/07/2011 08:00
Na 408 Sul, pelo menos três dos 17 edifícios estão fechados com grades. Outros têm isolamento, mas com cercas vivas ou arbustos
Mudanças feitas por moradores da Asa Sul em busca de segurança alteram o tombamento de Brasília. Conhecidos como prédios JK, muitos dos blocos sem pilotis da 408 têm apartamentos no térreo, com janelas no nível da rua. Os furtos e a presença constante de pedintes e usuários de drogas na região são os motivos alegados pelos síndicos dos edifícios para fechar os arredores com grades, de forma parecida com o que ocorre no Cruzeiro Novo. Além de afetar as características originais do Plano Piloto, a iniciativa configura o uso irregular de área pública.

Pelo menos três dos 17 prédios da 408 Sul estão rodeados de barras e portões de ferro. Outros têm o isolamento com arbustos e cercas vivas. Instaladas há seis anos, as grades ficam a pouco mais de 2 metros de distância da fachada da Bloco E. Somente os moradores têm acesso ao vão em que há árvores e bancos de concreto. A síndica, Maria do Socorro Araújo, explica que a decisão foi tomada em assembleia diante da onda de crimes na região. ;A janela é muito exposta. Juntava gente de todo tipo, era ponto de drogas;, relembra.

Grande parte da vizinhança se deparou com o problema. Pela janela da cozinha, ladrões roubaram peças de roupas estendidas nos varais do apartamento da dona de casa Manoela Dornelles, 72 anos. ;Eles ficavam sentados aqui só esperando para assaltar quem passava. Não tem mais como viver aqui do jeito que era antigamente;, observa Manoela. ;Isso não prejudica ninguém. Não é passagem. Deixamos a calçada livre e fizemos rampas e escadas ao lado do bloco. Estamos cuidando e fazendo melhorias para a área;, endossa a síndica Maria do Socorro.

Apesar da polêmica, o fechamento dos acessos a prédios como os do Cruzeiro Novo acabou autorizado pelo governo (leia Memória). Os moradores da 408 Sul esperam uma solução semelhante para o problema. Um dos primeiros a adotar a medida, o Bloco F está cercado há 16 anos. De acordo com a síndica, Ana das Neves, representantes de governos anteriores prometeram à comunidade que as grades não seriam retiradas. Segundo ela, o edifício não recebeu qualquer tipo de notificação, assim como o restante da quadra.

Sem registro
A Administração Regional de Brasília não tem registros das grades da 408 Sul e ainda informa que o cercamento dos prédios JK é proibido. O superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, afirma que a iniciativa não foi prevista na concepção de Brasília, nem mesmo nas casas das 700. ;A prática altera o tombamento. O cercamento não deve continuar, mas tem de haver garantias de segurança para a população;, avalia.

Os ataques às características originais da capital federal estão por toda parte. Dois blocos na 211 Sul e um na 208 Sul foram notificados ontem pelo Iphan por terem fechado com grades os pilotis, que deveriam ter o acesso livre conforme o plano original de Lucio Costa. O problema também ocorre em outros dois edifícios da 408 Sul, que são diferentes dos JK. ;O pilotis é público, não é propriedade dos moradores;, ressalta Gastal.

Como o Iphan tem o efetivo reduzido, o trabalho para coibir as agressões ao tombamento da cidade se concentra na Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). O gerente de Fiscalização de Obras do órgão, Roberto Gonçalves, explicou que, desde fevereiro, as equipes percorrem as quadras 100, 200 e 300 da Asa Sul e estão na metade do serviço. ;Ainda não chegamos às 400 porque tem uma quantidade menor de invasões e os casos são menos graves;, explica.

A síndica Ana das Neves diz que moradores nunca foram notificados

Três pavimentos
Os primeiros blocos das quadras 400 foram projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Têm três pavimentos e não se sustentam em pilotis. Ou seja, os apartamentos do primeiro andar ficam no térreo, no mesmo nível da rua. Depois, passaram a ser chamados de prédios JK. Os sete primeiros edifícios desse tipo da 408 Sul foram construídos pela Novacap entre 1959 e 1961.

O que diz a lei

O GDF publicou, em 14 de outubro de 1987, o Decreto n; 10.829 sobre o tombamento do conjunto urbanístico, arquitetônico e paisagístico da capital, com base no que foi proposto no Plano Piloto por Lucio Costa. Em 7 de dezembro do mesmo ano, a Unesco reconheceu Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. Mais recente, a Portaria n; 314 do Iphan, de 1992, prevê que os prédios das quadras 100, 200, 300 e 400 das asas Sul e Norte devem ser construídos sobre piso térreo em pilotis, livre de construções que impeçam a passagem da pessoas.

Polêmica no Cruzeiro
O uso de grades nos prédios do Cruzeiro Novo provocou polêmica nos últimos anos. Em 16 de outubro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou uma ação movida pelo Iphan e considerou que o fechamento dos edifícios ferem o tombamento de Brasília, sem estipular prazos de retirada das cercas.

Depois de idas e vindas, o então governador José Roberto Arruda sancionou a lei distrital que autorizou o cercamento dos prédios do Cruzeiro Novo. Segundo o atual administrador regional do local, Salin Siddartha, o documento continua valendo. A legislação estipula regras para o uso de grades, como a distância de 1,2m do meio-fio e 2,5m de outras barreiras.

Direitos e deveres
Brasília se orgulha e precisa se esforçar para manter o título concedido pela Unesco em 1987, de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. O tombamento, entre outros pontos, serve para garantir a qualidade de vida aos moradores da capital. O Estado e a própria população devem estar atentos a isso. Mas é função também do Estado garantir a segurança pública, que é, se não o maior, um dos mais preocupantes problemas que atormentam os brasilienses. O mesmo poder público que deve fiscalizar as distorções nas construções da cidade tem o dever de garantir que as pessoas não infrinjam a lei para não correrem o risco de serem assaltadas ou de perder a vida dentro de suas casas. Do contrário, vamos continuar assistindo à descaracterização do Plano Piloto como cidade tombada.

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