postado em 08/07/2011 08:00
Uma extensa área verde deu lugar a um canteiro de obras na Quadra 213 Sul, para espanto de moradores de um dos bairros nobres de Brasília. No último fim de semana, a mudança na paisagem mexeu com os ânimos da população, gerando mais de 50 reclamações no Conselho Comunitário da Asa Sul.No período de três dias, o terreno ; localizado na extremidade da comercial, próximo à 413 ; foi cercado com tapumes e um buraco de aproximadamente três metros de profundidade, escavado.
O solo estava preparado para a edificação de mais um prédio comercial na área, mas, ontem, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) embargou a obra por ausência de análise do projeto.
A nova construção ressuscita uma antiga polêmica envolvendo edificações em lotes definidos como RUVs (Restaurantes de Unidade de Vizinhança). Eles foram previstos por Lucio Costa no plano original do Plano Piloto e ainda na década de 60 passaram para a iniciativa privada. Um decreto assinado há seis anos, no entanto, transformou as porções vazias em áreas de utilidade pública, protegendo os espaços (veja Memória). O problema é que eles nunca foram trocados ou comprados pelo governo local ; o que vem gerando confusão quanto à legalidade das edificações.
Moradora do Bloco A da 213 Sul há sete anos, a aposentada Ana Zélia Machado Leite, 71, achou estranha a movimentação de tratores e caminhões embaixo de sua janela em pleno fim de semana. ;Imaginei ser invasão de área pública, por isso fiquei assustada de início;, conta. ;Mas depois de reclamar, me informaram que estava tudo licenciado;, acrescenta.
O superintendente do Iphan, Alfredo Gastal, garante que a construção ficará parada enquanto o projeto não for analisado. ;Qualquer obra em Brasília nessas regiões especiais precisa passar pela nossa equipe. Assim, verificamos se ela fere algum aspecto do tombamento da cidade;, esclarece. ;Alguém aprovou o projeto sem nos consultar. Nesse caso, além de ter a obra embargada, o proprietário pode até pagar multa;, reitera. Segundo Gastal, casos como o da 213 Sul são recorrentes no Plano Piloto. A cada ano, são registradas, em média, 10 ocorrências de construções em andamento sem licenciamento do órgão.
Documentação em dia
O Conselho Comunitário da Asa Sul vai entrar na Justiça para impedir que a obra seja retomada, mas representantes da Administração de Brasília sugerem que a tentativa será em vão, pois o terreno particular está com toda documentação em dia. Além de licenciamento, ele possui alvará de construção emitido pelo órgão. Ainda segundo a Administração, há uma decisão judicial sobre o assunto dizendo não haver impedimentos para a construção do prédio. O documento não afasta, contudo, o risco de desapropriação do terreno pelo governo ; em observância ao decreto que resguarda os RUVs. Nesse caso, o proprietário receberia em troca apenas o valor da terra.
Barulho, obstrução de passagem para pedestres, agressão ambiental e falta de vagas. Esses são alguns problemas levantados por moradores contrários à edificação de mais um estabelecimento comercial na 213 Sul. ;Hoje em dia já é complicado achar estacionamento. Algumas pessoas param no meio fio, usam pontos de táxis ou estacionam em fila dupla. Imagine com mais gente disputando espaço? O transtorno vai aumentar;, prevê a decoradora Maria Lima, 45 anos, moradora da 214 Sul.
Canteiro de obras
A reportagem do Correio esteve na 213 Sul na manhã de terça-feira ; antes do embargo ;, onde três pessoas trabalhavam. Na ocasião, não localizou placa com informações sobre a obra e a construtura responsável pelo empreendimento. Um dos funcionários confirmou tratar-se de um prédio comercial de responsabilidade da Construtora Águia, empresa com sede em Taguatinga. ;Começamos a preparar o terreno no sábado. Queriam dar início no feriado para evitar problemas no trânsito, mas acabaram adiando para o fim de semana;, esclareceu o encarregado pela construção, Everson José. Segundo ele, moradores da vizinhança visitaram o local inconformados com a nova construção.
O proprietário do lote, Fabrício Sarkis, foi procurado pelo Correio nesse mesmo dia e confirmou as informações de José. Segundo ele, todos os critérios legais para o início das obras foram cumpridos. ;Todo ano pago o IPTU dessa área e estou com toda documentação correta. A principio, penso em alugar o prédio para a instalação de um restaurante, mas isso não está definido; contou.
Ocupação
Os RUVs ficariam na esquina das comerciais das quadras 100 e 200. Um decreto de 1988, entretanto, mudou a destinação das terras e liberou a criação de qualquer tipo de comércio. Dos 16 terrenos disponíveis entre a 102 e a 116 Sul, pelo menos 13 estão ocupados por mercados, academias, bares, padarias e lojas. As 16 comerciais das 200 também têm lotes reservados para os RUVs, e rês deles têm obras construídas ou em construção.
Desmatamento
Quatro árvores foram derrubadas para a preparação do terreno: uma de seis metros e três de 10 metros de altura. Segundo o proprietário, a retirada foi autorizada pela Novacap. A Administração de Brasília informou que os tapumes também foram instalados dentro dos critérios exigidos por lei. O Conselho Comunitário irá investigar se houve crime ambiental na área.