Quatro dias depois de entrar em vigor, a Lei Federal n; 12.403 já produz efeitos no Distrito Federal. Até ontem, 10 detentos ganharam a liberdade amparados pela nova legislação que torna a prisão preventiva praticamente um exceção (Leia Entenda o caso). A previsão é que outros 334 deixem as celas ao longo do ano. Todos aguardam julgamento no Centro de Detenção Provisória (CDP), na Papuda. As regras atuais mudaram também a rotina nas delegacias. Apenas em casos especiais, a autoridade policial pode se recusar a liberar o autor de crime mediante o pagamento de fiança. Levantamento feito pelo Correio em 26 das 29 delegacias circunscricionais do DF aponta que, desde a última segunda-feira, pelo menos 17 suspeitos de praticar infrações penais saíram das delegacias pela porta da frente após pagarem a garantia estabelecida por lei.
Enquanto a maioria dos juristas e magistrados considera a nova lei positiva, a avaliação é bem diferente entre os que trabalham diretamente no combate à violência. Dos 26 chefes de unidades policiais consultados pela reportagem, apenas três se posicionaram favoravelmente à norma; quatro afirmaram ainda não ter opinião formada e os outros 19 destacaram ser radicalmente contra a medida.
Agora, criminosos que cometerem delitos puníveis com até quatro anos de reclusão, como furto, receptação e ameaça, só poderão ser levados à cadeia se não pagarem a fiança arbitrada pelo delegado responsável pela sua prisão.
Debate
No primeiro dia de vigência da lei, agentes da 9; DP (Lago Norte) prenderam um casal acusado de furtar três lojas no Shopping Iguatemi. O segurança de um dos estabelecimentos percebeu a ação e acionou a Polícia Militar, que deteve o homem e a mulher em flagrante. No carro da dupla, foram encontradas roupas de grife, perfumes importados e outros produtos de luxo. Por se tratar de furto simples ; com pena que varia entre um a quatro anos ;, o responsável pela abertura do inquérito estipulou fiança de R$ 2 mil para cada um dos acusados. Menos de seis horas depois, a dupla que confessou o crime deixou a delegacia. ;Tem aspectos na lei que são benéficos, como a criação do cadastro nacional, que agiliza a prisão de pessoas procuradas em outros estados. Mas, por outro lado, em muitos casos, a população vai ter uma sensação de impunidade. O bandido pensa, ;se eu cair (for preso), pago e não vou para a cadeia;;, afirmou Vicente Paranaíba, delegado-chefe adjunto da 9; DP.
O chefe da 5; DP (Setor Bancário Norte), Laércio Rosseto, também se mirou num caso prático para condenar a aplicação da nova lei. Seus agentes investigam um homem, considerado de alta periculosidade, que ameaça reiteradamente uma mulher. Ele é suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas. ;A testemunha está sendo coagida no curso do processo e esse crime tem pena prevista de apenas quatro anos. Mesmo que prendamos esse rapaz, o Judiciário praticamente nos impede de decretar a prisão preventiva dele. É uma legislação que caminha para o retrocesso. Os defensores alegam que há superpopulação carcerária, mas a população não tem nada a ver com isso. Que o Executivo invista em construção de presídios, porque dinheiro existe para isso;, acredita Rosseto.
Já o responsável pela 3; DP (Cruzeiro), delegado Onofre de Moraes, discorda dos colegas. Para ele, pessoas acusadas da prática de crimes menos graves, como furto, não podem receber o mesmo tratamento dado a homicidas e estupradores. ;Já acompanhei o caso de um universitário que furtou um objeto numa brincadeira e foi preso. Em outro, uma mulher foi detida por furtar calcinhas no supermercado. Acho que casos assim deveriam ter apenas a assinatura de um TC (Termo Circunstanciado). Hoje, uma pessoa vai para cadeia por ter cometido um furto e sai traficante da prisão porque o sistema carcerário não recupera ninguém;, disse Onofre. (Colaborou Mara Puljiz)
Alternativas
Antes de decretar a prisão preventiva, os magistrados poderão tomar as seguintes medidas cautelares:
; Determinar o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
; Proibir o acesso a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
; Vetar que seja estabelecido contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
; Promover o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tiver residência e trabalho fixos;
; Suspender o exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização, pelo acusado, para a prática de infrações penais;
; Proibir o indiciado de se ausentar da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
; Estabelecer a internação provisória nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser o acusado inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
; Determinar o pagamento de fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; e
; Ordenar a monitoração eletrônica.
Alterações legais
A Lei Federal n; 12.403, que entrou em vigor na última segunda-feira, trouxe importantes alterações no texto do Código Processual Penal sobre os critérios para a decretação da prisão preventiva no Brasil. A nova legislação tornou esse tipo de detenção uma exceção, a ser aplicada em casos bem mais restritos do que permitia a norma anterior, de 1941. A prisão processual não pode mais ser aplicada a autores de crimes dolosos puníveis com reclusão inferior a quatro anos. Por trás da aprovação está o esforço do Estado em diminuir a superlotação dos presídios. Dados do Ministério da Justiça apontam que, em 2010, 37% da população carcerária de todo o país ; que hoje é de 496.251 pessoas ; eram mantidos nas celas por conta da prisão provisória. A nova lei determina que os juízes recorram à preventiva em último caso. Antes disso, nove medidas cautelares devem ser determinadas para monitorar o acusado ao longo dos trâmites jurídicos até o julgamento. A detenção poderá ser aplicada em casos de acusados que já tenham condenação por outros delitos dolosos, que cometerem crimes cuja pena é superior a quatro anos de prisão ou tenham praticado violência doméstica familiar.
Regras para conceder a liberdade
O novo texto determina que os juízes, antes de optarem pela prisão preventiva, apliquem nove medidas cautelares (veja quadro). Entre elas estão o recolhimento noturno, o comparecimento ao Judiciário em dias estipulados e a proibição de se ausentar do estado onde cometeu o crime. O magistrado poderá punir o suspeito quando ele for reincidente em crimes dolosos caso as penas sejam maiores do que quatro anos. Para o criminalista Antônio Gonçalves, as modificações no Código Processual Penal não implicam em menos segurança nas ruas. Na opinião do especialista, a Lei Federal n; 12.403 vai, inclusive, tornar mais justa a situação dos presos em situação provisória. ;O fato é que essas modificações não fomentam a impunidade, tampouco incentivam a criminalidade como alguns doutrinadores propalam. Elas otimizam um sistema que não funcionava direito, acumulando presos com pena cumprida, presos indevidamente em um sistema carcerário que notadamente já não funciona bem;, destacou. ;Seria leviano afirmar que a questão prisional está resolvida com a nova lei, contudo, um bom primeiro passo foi dado para uma nova realidade processual penal;, complementou.
Avaliação criteriosa
De acordo com o diretor-geral do Sistema Penitenciário do DF, Hélio de Oliveira, além dos 10 beneficiados com a liberdade desde a última segunda-feira ;quando a lei começou a vigorar; outros 334 presos provisórios já podem requerer o benefício. Hoje, os alvarás de soltura chegam aos presídios por meio de oficiais de Justiça. O sistema já iniciou a busca para que isso seja feito eletronicamente, por meio da internet. ;A mídia criou uma expectativa de que iria haver uma avalanche de presos saindo ao mesmo tempo, mas observamos, nestes primeiros dias, que não está ocorrendo dessa maneira. Os casos estão sendo avaliados de forma criteriosa;, afirmou Hélio.
Atualmente, a população carcerária do Distrito Federal é estimada em 9,7 mil detentos, 3,2 mil a mais do que a capacidade.