Encarar o transporte público coletivo na capital da República não é uma tarefa fácil para o brasiliense. Para um estrangeiro, então, o percurso pode se tornar ainda mais caótico. Logo que chegou a Brasília, a americana Vanessa Avila, 23 anos, sentiu na pele as dificuldades em circular de ônibus pelas avenidas da cidade. Além da barreira do idioma, a jovem enfrentou transtornos para compreender o itinerário da viagem. Por várias vezes, acabou perdendo a condução para o trabalho, na Esplanada dos Ministérios, indo parar na Rodoviária do Plano Piloto. A primeira impressão do terminal foi de medo. ;É assustador. Parece que ocorrem muitos crimes por aqui;, expôs a americana, ao percorrer uma das plataformas da Rodoviária na noite da última quarta-feira, a pedido do Correio. ;A diversidade de pessoas é muito grande. Ao mesmo tempo em que há alguns trabalhando, há outros desocupados de quem não sabemos o que esperar;, preocupou-se.
O sistema de transporte também é alvo de críticas da australiana Sonja Basic, 29 anos, na cidade há um mês. Segundo ela, para embarcar nos ônibus de Brasília. foi preciso, primeiro, aprender a correr. Sonja diz ter preferência por andar a pé, mas considera ;impraticável; a cidade. ;Os locais são muito distantes. Eu venho de um lugar desenhado para promover o encontro de pessoas em um determinado ponto. Aqui parece exatamente o contrário;, pontua. Sonja faz mestrado na Inglaterra, onde reside atualmente, e se assusta com o fato da capital do Brasil ser mais cara que Londres. ;Foi uma surpresa para mim. Pensei que, vindo para um país em desenvolvimento, as coisas seriam mais baratas.; Apesar das dificuldades, Sonja afirma estar se adaptando. Desde que chegou, ela faz aula de capoeira e atribui as novas amizades ao calor do povo brasileiro. O Correio visitou um dos treinos de Sonja na noite de ontem, na 712 Norte.
Assim como Vanessa e Sonja, mais de 16 mil estrangeiros residem no Distrito Federal atualmente, segundo um levantamento do Ministério da Justiça, o que faz com que a cidade seja alvo de um olhares diferenciados, que transcendem visões sobre a riqueza arquitetônica e as discussões políticas. Segundo Amália Raquel Peres, psicóloga especialista em consumidores estrangeiros, Brasília está despreparada tanto para atender quem busca de moradia na cidade quanto quem vem visitá-la. Segundo ela, a visão do público externo só irá mudar quando o governo for capaz de transformar a realidade.
Dificuldades
;Uma das maiores queixas deles (estrangeiros) realmente é o transporte. Esse é o primeiro gargalo em Brasília. Algumas pessoas demoram duas horas e meia para chegar em casa, quando isso é impensável em qualquer outro lugar do mundo. Não adianta colocar muita gente no aeroporto ; como acontecerá na Copa do Mundo ; se não tiver como escoar essa demanda;, explica Amália. Outro problema apontado pela especialista diz respeito ao entretenimento na cidade: ;O estrangeiro imagina que irá chegar ao Brasil e se deparar com atividades culturais em toda parte, como por exemplo, rodas de capoeira. Mas isso não acontece, principalmente, em Brasília. Isso choca, de certa forma, esse público. Falta informação;.
O belga Ange Ihirwe, 29 anos, já morou em extremos do planeta. Em Ruanda e Uganda, conheceu dificuldades da pobreza e problemas de países subdesenvolvidos, mas afirma nunca ter lidado com tanta burocracia como na capital do Brasil. ;Para tirar dinheiro, para morar, a pessoa enfrenta muitas dificuldades. Demorei uma semana para achar uma casa. Tive que ficar hospedado em um albergue enquanto isso. Até achar um local que entrasse no meu orçamento e preencher a documentação, demorou muito. Depois de muitos problemas, achei um lugar para morar no Cruzeiro.;
Movimento na capital
Dados do Ministério do Turismo mostram que, em 2010, Brasília recebeu cerca de 22 mil turistas europeus, com destaque para os portugueses, e 6 mil turistas norte-americanos, com predomínio dos originários dos Estados Unidos. Para a Copa do Mundo de 2014, o GDF pretende atrair em torno de 95 mil turistas internacionais.
Centro da política social
As percepções dos estrangeiros acerca da Brasília não se concentram apenas em problemas pontuais. A capital do Brasil também é vista com bons olhos por Vanessa, Sonja e Ange no que diz respeito à promoção de políticas sociais. Os três trabalham no Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), localizado na Esplanada dos Ministérios. A entidade é a única ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), com sede no Brasil, a promover oportunidade de aprendizado sobre o assunto para países em desenvolvimento. Poucas pessoas, entretanto, têm conhecimento sobre o trabalho desenvolvido no local. A partir de experiências bem sucedidas de inclusão social adotadas tanto no Brasil quanto em outros países emergentes, o conhecimento é repassado a outras nações. O IPC-IG já trabalhou com governos de mais de 50 países.
Para Vanessa Avila, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu várias inovações na área social, o que trouxe grande reconhecimento internacional para o país. ;O Banco Mundial olha muito para o Brasil como referência em programas sociais como o Bolsa Família. O país é um ator muito importante no debate sobre o desenvolvimento. Isso foi uma das coisas que me fez vir para cá;, avalia. ;Além disso, o Brasil tem uma das economias mais fortes do mundo e é cada vez mais atuante em fóruns e mecanismos internacionais.;
Nesta época do ano, o IPC-IG recebe pesquisadores e visitantes de diversos países, o que contribui para fazer do órgão o setor mais internacional da Esplanada dos Ministérios. O IPC-IG está diretamente ligado ao Grupo de Pobreza do Escritório de Políticas para o Desenvolvimento (BDP) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), situado em Nova York (EUA), e possui um conselho diretivo composto por representantes das Nações Unidas e do governo brasileiro.