Cidades

Moradores do Lago Sul reagem ao comércio em áreas residenciais

postado em 20/07/2011 07:45
Kits e comércio para alugar, em área residencial, no Setor de Mansões Dom Bosco do Lago Sul.É cada vez mais raro encontrar um conjunto do Lago Sul que seja ocupado exclusivamente por residências. Aos poucos, empresas e representações comerciais alugam ou constroem sedes no bairro mais nobre de Brasília. Apesar de alguns estabelecimentos funcionarem há anos em meio à área residencial sem suscitar polêmica entre os moradores, em outros casos a comunidade recorre à Justiça para impedir a atividade comercial. Agora, com o crescimento do assédio por parte da iniciativa privada, a Prefeitura Comunitária do Lago Sul pretende recolher milhares de assinaturas para pressionar o governador Agnelo Queiroz a revogar a norma que autoriza a expedição de licenças de funcionamento de empresas na região.

No ano passado, o então governador, Rogério Rosso, atendeu a um pedido de vários empresários que tinham negócios há anos no Lago Sul e ratificou o Decreto n; 31.951. O documento em questão fez uma alteração no Decreto n; 31.482, que regulamenta a Lei Distrital n; 4.457. A mudança retirou o Lago Sul da lista de cidades onde é vedado alvará para firmas se instalarem em bairros residenciais. Brasília, Lago Norte, Candangolândia e Núcleo Bandeirante permanecem protegidas. Para a prefeita comunitária do Lago Sul, Edilamar Batista Pereira, a medida serviu para beneficiar o empresariado. ;Esse decreto é uma afronta. Desrespeita o caráter residencial do bairro. Nós, moradores, não somos ouvidos. Se continuar nesse ritmo, em 10 anos o Lago Sul será completamente diferente.;

O Correio circulou em diversas quadras e não encontrou dificuldades em descobrir exemplos de escritórios e prestadores de serviço, apesar da falta de identificação na maioria dos casos. Uma mansão serve de salão de beleza no primeiro conjunto da QI 1. Está no rol das poucas casas não comerciais que têm o negócio identificado explicitamente.

Na maioria das vezes, apesar de os moradores garantirem se tratar de um espaço comercial, a informação é desmentida por porteiros ou seguranças. ;Aqui é uma casa, uma residência;, disse um vigia da casa 2 do Conjunto 2, na QL 6, apontada pelos vizinhos como escritório de uma construtora. Na casa em frente, funciona uma editora de livros. ;Pedimos autorização e não temos trânsito de clientes. Nosso negócio é todo feito por telefone. Os funcionários estacionam aqui dentro;, explicou Paulo Henrique Pereira, um dos diretores.

Na QI 19, uma construção monumental levantou suspeitas entre os moradores do Conjunto 13. A informação dada à comunidade local que questionaram o uso do espaço é de que ali morará uma família. É para uma residência que a obra tem alvará de construção. Mas, de acordo com uma vizinha que preferiu não se identificar, a casa tem seis suítes e um subsolo, com capacidade para 25 carros. A escavação foi tão intensa que a casa ao lado sofreu rachaduras. A reportagem esteve no local na última quinta-feira e pediu para conversar com o responsável pela obra, mas ninguém apareceu.

No Conjunto 12 da mesma quadra, a casa na entrada da rua é vigiada 24 horas por pelo menos dois seguranças e tem alta rotatividade de carros. Circula na rua a informação de que ali é a filial da financeira de um banco. Ao Correio, um dos funcionários da vigilância se limitou a dizer que na casa funciona um escritório, mas não especificou o ramo de atuação.

Propaganda
Ao contrário do Lago Norte, o Lago Sul não tem um setor destinado ao levantamento de prédios de apartamentos. Mas, na prática, é possível flagrar a conversão de lojas comerciais em quitinetes. Em alguns edifícios do Setor de Mansões Dom Bosco (SMDB), na Quadra 12, nota-se a utilização das salas para moradia. Em dois blocos, há anúncios de aluguel de apartamentos de um cômodo. No Bloco D, a propaganda não é explícita, mas a atendente da imobiliária garantiu que, apesar de a sala ser comercial, nada impede tornar os 34m; em residência, por R$ 750 mensais.

Em junho, a Agência de Fiscalização (Agefis) derrubou o terceiro andar de uma obra na QI 15, uma vez que as normas de gabarito do terreno não permitem a construção de imóveis de dois andares. O local também carrega a desconfiança de que, quando pronto, tenha fins comerciais, o que não é permitido no lote. A destinação é para templos e associações.

Polêmica
Moradores do Centro de Atividades 6 também protestam contra obras suspeitas. Uma construção de dois andares foi aprovada na administração como residência unifamiliar, mas a comunidade suspeita que se trata de um prédio de quitinetes, o que é proibido no local.

Briga antinga
A discussão sobre a instalação de comércios em áreas residenciais existe há mais de uma década. Para regulamentar a questão, muitas leis foram publicadas. Em 1996, veio a Lei n; 1.171. O texto possibilitava a criação de comércio e a prestação de serviços em área residencial. Era necessário ter a anuência de mais de 50% da vizinhança afetada diretamente pelo negócio. No ano seguinte, a Lei n; 1.686 foi publicada. A norma autorizava a prestação de serviços de natureza social ou cultural em área residencial. Os debates foram intensificados com a Conferência das Cidades, em 2001. Ficou acertado que os governos estaduais e municipais deveriam, em parceria com a população e com órgãos técnicos, elaborar os planos diretores locais (PDLs) e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) de cada cidade. Os documentos deveriam ordenar a ocupação do solo. O PDL do Lago Sul não está consolidado.

Norma Sem Aplicação
;Há uma questão gigantesca pairando sobre Brasília, que é o Estatuto das Cidades. E, se tem uma lei que é muito brasiliense, elaborada por cabeças e técnicos brasilienses, é o Estatuto das Cidades. O que espanta a todos é que ele não é aplicado na própria gestão urbana de Brasília. Muito do que se fala é o estudo de impacto de vizinhança, que poderia resolver 99,99% dos problemas que estão sendo criados pelo próprio governo. O problema de Brasília é esse: qualquer empresário que procure o governo será atendido em detrimento de uma comunidade. Existe uma espécie de recusa por parte do governo em ouvir a comunidade. O que nós temos é um padrão de concessão. O governo concede coisas à comunidade, ao empresário. Jamais ouve, jamais negocia, jamais pondera. Quando a comunidade quer defender algo, é acusado de engessamento. Essa é a palavra que mais associo à corrupção urbana. É a palavra do malandro urbano.;
Frederico Flósculo, arquiteto e urbanista, professor da Universidade de Brasília (UnB)

Alvarás suspensos
A Administração Regional do Lago Sul não tem um levantamento de quantas casas são usadas para fins não residenciais ou quantos alvarás expediu para empresas. Entretanto, o administrador da cidade, Abdon Henrique de Araújo, afirma que não concederá a renovação de licenças de funcionamento para empresas novas ou para quem estiver com o documento vencido. ;Os escritórios que, porventura, existem nas áreas residenciais não terão os alvarás renovados. A atual gestão não liberou nenhum.;

Para o secretário executivo da Associação de Empresários do Lago, Leonardo Avaloni, revogar o decreto é retroceder ao tempo em que não havia jeito de empresas administrações regionais se entenderem. ;Acho que devemos, sim, preservar o bairro, mas há empresas que estão aqui há anos e têm a permissão da comunidade. Eu mesmo coletei 122 assinaturas de vizinhos que autorizaram a permanência da minha casa de eventos;, explica. A Lei Distrital n; 3.285, de 2004, estipula que o prestador de serviço deve ter, no mínimo, anuência de 75% da vizinhança para se instalar.

Autorização
Segundo Avaloni, a associação deu conta de mais de 600 empresas funcionando em casas, mas diz que apenas 23 são filiadas à entidade. ;Nós já estamos consolidados, muitos desde o século passado. E entramos na mira da polêmica sendo que há mil empresas que funcionam sem nem sequer pedir autorização. O governo concede o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e a pessoa abre o negócio sem se preocupar com alvará;, reclama.

Avaloni é dono do Recanto dos Buritis, uma casa de eventos localizada num terreno de 30 mil m;, na QI 25. Por sete anos, ele manteve o negócio aberto por força de liminar.

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