Cidades

GDF terá de indenizar mulher que recebeu diagnóstico errado de Aids

postado em 23/07/2011 09:42

Em um corredor do Hospital Regional do Gama (HRG), prestes a dar à luz o seu segundo filho, Jackeline Oliveira da Silva, então com 26 anos de idade, recebeu a notícia de uma enfermeira de que era portadora do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Diante do diagnóstico, o mundo desabou para a confeiteira, moradora do P Sul, em Ceilândia. O resultado saiu após um teste rápido, normalmente feito antes do parto. Era 17 de dezembro de 2006. Essa data jamais saiu da cabeça de Jackeline. O bebê ; um menino de cabelos pretos e pele morena ; nasceu. Ela, porém, ficou isolada em um quarto e não pôde amamentá-lo. As enfermeiras deram à criança o AZT, um bloqueador do vírus da Aids ainda em sua fase inicial. Mal Jackeline sabia que aquele diagnóstico estava errado.
Moradores do P Sul, Jackeline e o marido, Anderson, chegaram a se separar diante do diagnóstico, que estava completamente errado: dano irreparável
A jovem não era soropositiva, mas pensou que estava infectada pela doença por 32 dias, até um novo exame revelar que ela e o marido, o sapateiro Anderson Gonçalves Machado, na época também com 26 anos, não eram portadores do HIV. Em razão do erro e dos danos morais provocados, a 1; Vara de Fazenda Pública do DF condenou, no último dia 18, o Governo do Distrito Federal a pagar R$ 20 mil de indenização ao casal. Mas o advogado deles, João Menezes, vai entrar com recurso de apelação na segunda-feira para aumentar o valor para R$ 2 milhões. O governo, por sua vez, promete também recorrer da decisão.

Segundo Menezes, o Estado não se preocupou em disponibilizar assistência social e psicológica durante o momento de desestrutura familiar. ;É um desprezo com o ser humano. O Estado poderia ter reparado os danos causados pelo erro, mas não o fez;, alega o advogado. A forma como Jackeline recebeu a notícia de que era soropositiva deixou marcas. ;O que me deixou mais em pânico na hora foi que a enfermeira nem me preparou. Ela só perguntou se eu usava drogas e se eu tinha mais de um companheiro e logo disse que tinha Aids;, relembrou a jovem, mãe de quatro filhos ; de 7, 4 e 2 anos e uma menina de três meses.

Pré-natal
A jovem fez todos os exames do pré-natal, mas no cartão não constava o de HIV. Ela estava pronta para fazer parto normal, mas, após o primeiro resultado do teste, os médicos disseram que Jackeline teria de se submeter a uma cesariana. ;Não me deixaram ter contato com ninguém. Me senti muito mal com aquele tratamento. A gente faz planos durante uma gravidez e, de repente, vê tudo ir por água abaixo;, contou ao Correio.

Enquanto acreditava ser portadora do vírus, Jackeline conta que pensou em se matar várias vezes. Ela acreditava em traição por parte do marido, mas Anderson fez o teste e o resultado deu negativo. O rapaz, por sua vez, logo imaginou que a mulher estava tendo caso extraconjugal. O casal passou a brigar e se separou. Os dias seguintes ao nascimento da criança foram de desespero para ambos. Jackeline conta que o filho emagreceu, deixou de se alimentar e apresentou queda de cabelo. ;Acho que foi porque eu não podia amamentá-lo e mais ainda devido ao medicamento que ele tomou no hospital para combater o vírus;, acredita Jackeline.

Deprimido, assim como a mulher, Anderson pediu demissão do emprego em que estava havia três anos. Começou a passar dias e noites em bares da cidade. Eles esconderam o drama da família e dos amigos até o resultado do segundo teste sair. ;Eu tinha vergonha de contar para os outros com medo de sofrer preconceito. Temia chegar na casa de alguém e pedir para beber um copo d;água e essa pessoa ficar receosa. A sensação foi de alívio quando vi que não tinha Aids;, descreveu Jackeline.

Caso é raridade

Segundo o coordenador da Saúde da Mulher da Secretaria de Saúde do DF, o ginecologista e obstetra Avelar de Holanda Barbosa, os exames rápidos são feitos em todos os hospitais do DF. ;Esse teste é de grande credibilidade e normalmente dá certo. Ele serve para proteger a paciente e o bebê. Se der positivo, a mulher é orientada a repetir o exame em laboratórios diferentes e, só a partir da confirmação de que ela tem Aids, é submetida ao tratamento. Por coincidência, outro dia, aconteceu a mesma coisa com uma paciente, mas são casos raros;, explica Avelar. Ele afirma que nos hospitais públicos a probabilidade de ocorrer erros nos testes é maior que em unidades particulares devido à demanda.

AZT
Quanto ao fato de o bebê ter recebido AZT ao nascer, Avelar destaca que uma dose do medicamento não é suficiente para fazer mal à criança. ;O problema é usar por muito tempo;, explica. Em relação ao comportamento da enfermeira de não preparar psicologicamente a paciente, o médico diz que essa não é a determinação da Secretaria de Saúde. ;A médica ou enfermeira têm que conversar com a paciente e orientá-la a pedir teste confirmatório e depois passar toda a medicação. Se ela (a profissional) não fez isso, está errada;, diz.

Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informa que respeita a decisão judicial que condenou o GDF a pagar a indenização a Jackeline, mas que irá recorrer ;uma vez que entende não haver responsabilidade objetiva do Estado, já que agiu dentro dos critérios técnicos, visando resguardar a paciente naquela ocasião;. ;No HRG, trata-se de um caso raro, pois a paciente fez o segundo teste um mês depois, visto que o indicado é a realização do mesmo imediatamente;, encerra a nota oficial.

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