Cidades

A cada dia, dois homens são presos no DF por não pagar pensão alimentícia

Flávia Maia
postado em 24/07/2011 08:00
A cada dia, dois mandados de prisão são cumpridos no Distrito Federal por falta de pagamento de pensão alimentícia a filhos e ex-cônjuges. De acordo com a Polícia Civil, só nos primeiros 185 dias (seis meses) deste ano, 389 ex-maridos, pais e responsáveis foram parar na cadeia. A média deste ano mantém o índice registrado em 2010, quando ocorreram 756 detenções pelo mesmo motivo.

Segundo o delegado-chefe adjunto da Delegacia de Capturas e Polícias Interestaduais, Gerson de Sales, esse número poderia ser ainda maior. Um grupo formado por sete policiais recebe 40 mandados por semana, mas cumpre de 12 a 14 deles. ;Com uma equipe maior, poderíamos dobrar a quantidade de prisões. Na área criminal, por exemplo, são 17 policiais e eles prendem o dobro do que por pensão alimentícia;, afirma o delegado. Ele ressalta que a polícia tenta cumprir o máximo de mandados possível e responde à Justiça semanalmente.

De acordo com o defensor público do DF João Carneiro Aires, o alto número de prisões por inadimplência de pensão alimentícia reflete a procura maior de ex-cônjuges, pais e responsáveis pela Justiça. A tramitação do processo e a resposta rápida da audiência ; o pai/ex-marido sai do tribunal tendo que pagar valores provisórios até o juiz decidir o definitivo ; encorajam mulheres a procurarem os seus direitos e os dos filhos. A primeira audiência geralmente ocorre de 10 a 15 dias depois do início da ação. Nela, os alimentos provisórios são decididos. Quanto aos definitivos, também podem ser definidos, caso haja negociação.

Sem acordo na primeira audiência, o processo pode levar até dois meses para ser finalizado, desde que as duas partes sejam localizadas nos endereços fornecidos à Justiça. ;Eu trabalho há quatro anos nessa área e percebo que a procura tem crescido, principalmente no Distrito Federal, onde as mulheres estão bem informadas;, analisa o defensor público João Carneiro. Para ele, a má-fé dos pais em não pagarem a pensão também contribui para o aumento das prisões.

A advogada Eliene Bastos, especialista em direito da família, concorda com o defensor. Para ela, a prisão visa desestimular o mau pagador. ;Quando o pai não tem condições reais de pagar, ele pode provar isso em juízo e não é preso. Os que são detidos tanto têm condições que, geralmente, arrumam dinheiro na hora para sair da cadeia;, explica.

Sustento
A assistente odontológica Elci Aparecida de Souza, 29 anos, tem quatro filhos ; Gabriel, 12; Rafael, 8; Pedro, 4; e Bianca, 2. Por enquanto, apenas o pai da caçula paga R$ 300 de pensão e permite que ela more em uma casa de madeira no Varjão. Como Elci está desempregada, é esse dinheiro que sustenta a família. Ela também faz bicos para aumentar a renda. Até o ano passado, Elci nunca tinha recebido ajuda dos pais das crianças e não pensava em entrar na Justiça. Porém o filho mais velho alertou a mãe sobre os seus direitos e os dos irmãos. ;Alguém da escola falou para ele. Aí ele me incentivou a correr atrás das pensões;, contou Elci.

A ação da pensão de Gabriel corre no Judiciário porque os pais não entram em acordo. ;Ele quer me dar R$ 30 mensais e não aceito. Está empregado em um bom shopping de Brasília;, conta Elci. O pai de Rafael passou quatro anos sumido e, em janeiro deste ano, apareceu querendo levar o filho para passear. ;Se ele quer passear, também tem que arcar com as despesas;, disse a mãe.

Ela acionou a Justiça, o valor da pensão foi acertado, mas até hoje o homem não pagou nem a primeira parcela. O pai de Pedro também não cumpriu o acordo judicial. Está com a prisão decretada e foragido. ;Passo dificuldade para criar todos sozinha. O problema é que eles precisam de roupa, calçados, livros, cursos, e nem sempre eu dou conta de dar isso a eles;, conta Elci.

Para a professora de direito civil e constitucional da Universidade Católica de Brasília Ivonete Granjero, histórias como a de Elci e o número de duas prisões por dia são assustadores. ;A cultura patriarcal do Brasil faz com que o homem que se separa se sinta desobrigado em relação à família. Eles se afastam e começa a batalha judicial;, explica.


Fique atento

A pensão alimentícia é um direito garantido pela Lei n; 5.478, de 1968, e pelo Código de Processo Civil. Entre os benefícios garantidos estão:

; O valor deve ser fixado na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada a pagá-lo.

; É obrigatório o pagamento de pensão quando quem apresenta o pedido não tem bens suficientes para manter-se, desde que o pagador possa fornecê-la sem comprometer as necessidades de seu sustento.

; A maioridade não implica suspensão imediata da pensão paga aos filhos. É preciso entrar com um pedido de exoneração. Ainda assim, o juiz pode determinar o pagamento dos alimentos até os 24 anos, caso o filho use esses recursos para estudar.

; A legislação não determina um percentual fixo da renda para quem paga pensão. Normalmente, esse valor fica em torno de 20% para um filho. Dificilmente, o percentual ultrapassa 40% ou 50% quando há vários filhos,
mas as decisões são tomadas levando em conta cada caso.

; O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos.

; Se depois da fixação da pensão alimentícia ocorrer mudança na situação financeira de quem paga ou na de quem recebe, o interessado poderá pedir ao juiz exoneração, redução ou aumento do encargo.

; Grávidas podem solicitar pensão ainda durante a gestação. Para isso, basta apresentar provas ou indícios sobre a paternidade.

; O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença do divórcio.

; Com o casamento ou a união estável de quem recebe a pensão, o pagador fica desobrigado de desembolsar os valores.

Amplo benefício
A dívida da pensão alimentícia é a única que pode levar o indivíduo à cadeia. Estipula-se o valor levando-se em conta o salário, as necessidades do filho e o número de dependentes. Caso o pai não pague, ele pode ser preso por até dois meses, de acordo com a sentença do juiz. Se ele não desembolsar nesse tempo, é liberado. Porém se o pai continuar sem pagar, pode ser preso de novo, mas não pela dívida antiga, e sim pela nova cobrança dos meses seguintes não quitados. ;A lei entende que se o indivíduo for preso pelo mesmo débito, vai perpetuar a situação;, explica o defensor público João Carneiro Aires.

As cobranças mais antigas são pagas por meio de penhora, que pode ser de bens e do salário ; apenas nesse caso, é permitido fazer o arresto dos vencimentos. Em relação à captura on-line da conta do pai ou ex-cônjuge, o Judiciário tem um convênio com o Banco Central do Brasil pelo qual o órgão pode rastrear todas as contas bancárias do indiciado para retirar o dinheiro.

A dívida tem que ser cobrada por um tempo determinado. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), são até 90 dias retroativos ao início da ação judicial. Elci, por exemplo, pediu a pensão de Gabriel quando tinha 11 anos, portanto, ela não pode cobrar por todos os anos passados, mas, sim, no máximo pelos três meses anteriores. ;A Justiça parte do pressuposto de que a criança ou a ex-esposa sobreviveram até então;, explica a professora Ivonete Granjero.

Gravidez
A pensão visa garantir os elementos naturais e civis da criança e adolescente. Mesmo grávidas, as mulheres podem pedir a pensão alimentícia ao pai da criança. As decisões mais modernas acrescentam ainda os alimentos compensatórios, que têm como objetivo reparar o desequilíbrio financeiro provocado pela separação. Um exemplo: quando o pai é a principal fonte de renda da casa. Se ele sai, mesmo com a pensão, a qualidade de vida do ex-cônjuge e do filho pode diminuir, por isso, o advogado pode pedir alimentos compensatórios.

Se o pai desaparecer, a mãe pode pedir na Justiça a solidariedade complementar no dever familiar. Dessa forma, a cobrança passa para os avós. ;A primeira obrigação é dos pais, mas se eles não cumprirem com ela, ou não tiverem condições, a dívida passa para os avós. A lei sempre privilegia as crianças;, explica o defensor público João Carneiro Aires. Geralmente, a pensão para os filhos é paga até os 18 anos ou o término dos estudos. Para o ex-cônjuge, a pensão pode ser por toda a vida ou até novo casamento ou união estável da parte que recebe o dinheiro.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação