Roberta Machado
postado em 29/07/2011 07:46
A transformação de uma área verde da 213 Sul em um prédio comercial pode ser a primeira de muitas a provocar a revolta dos moradores da Asa Sul. A mudança no cenário do Plano Piloto deve ser impulsionada pela invalidação do Decreto n; 26.662, de 2006, que desapropriava os terrenos de Restaurantes de Unidade de Vizinhança (RUV) das quadras 200. O documento, que previa a alteração dos terrenos para áreas de utilidade pública, perdeu a validade em 21 de março, ao completar cinco anos. Desde que passem pelo crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), novos prédios nesses lotes serão erguidos nas comerciais.Para que os termos do decreto se concretizassem, o governo teria de indenizar os donos dos lotes pela desapropriação. Como o dinheiro não foi pago antes do término do prazo, o documento perdeu a validade. ;O posicionamento da Procuradoria do Distrito Federal é que esse decreto perdeu a eficácia, então, os lotes retornam à categoria original. Nesse momento, os donos dos terrenos estão autorizados a construir;, explicou Fernanda Guimarães, subsecretária de Planejamento da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Sedhab).
A primeira construção a se beneficiar com a queda do decreto fica na 213 Sul. Ela foi iniciada no início do mês e embargada pelo Iphan no último dia 7, por irregularidades no projeto. Mas, mesmo com o impedimento legal, a obra avança. Relatos de moradores e de comerciantes atestam que operários continuam discretamente a tocar o empreendimento. ;Vi dois homens cavando tubulões ontem. Ali, nunca falta gente. Eles chegam em um Fusca às 7h e trabalham o dia todo;, denunciou o funcionário de uma loja vizinha ao local.
Os responsáveis pelo empreendimento procuraram o Iphan com a documentação necessária para liberar o local, mas o embargo permanece. ;É possível que seja liberado amanhã (hoje), mas o ofício não foi expedido. Se eles retomaram sem esperar pelo tempo certo, é contra a norma;, assegurou a coordenadora técnica do Iphan, Ana Giannecchini. A reportagem do Correio ligou diversas vezes para o dono do lote, Fabrício Sarkis, mas ele não retornou as ligações.
Agressão
Os vizinhos da obra rejeitam a ideia da construção de um imóvel no terreno e temem que a permissão do Iphan estimule os proprietários de outros RUVs a tocar outras. ;Isso é um absurdo total. Ali, tinha uma árvore cheia de pombos e sempre havia crianças brincando. Agora, temos de dar a volta pela rua durante uma caminhada, o que é até perigoso;, reclamou o médico Alexandre Rozenwald, 53 anos, morador da 214 Sul.
A presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul, Heliete Ribeiro Bastos, teme que esse seja o começo de uma onda de construções beneficiadas pela perda de validade do decreto que protegia os RUVs. Para ela, o descaso dos últimos anos representa um prejuízo irreparável para a cidade. ;O governo enganou a comunidade, fez o decreto numa solenidade e não levou a cabo. Tanto o governo quanto a Procuradoria sabiam disso, mas deixaram passar;, reclamou.
Quem brigou em 2005 para barrar construções semelhantes (veja Memória) lamenta a conclusão. ;Fizemos uma campanha grande, chamamos a polícia, o Iphan, a Administração (Regional) de Brasília e o Conselho Comunitário. Fomos ao Parque da Cidade e a bares e coletamos mais de 3 mil assinaturas;, lembrou José Ribamar Martins, morador da 215 Sul. Desta vez, porém, ele acredita que deve ser mais complicado garantir a permanência das áreas verdes nas comerciais. ;Se não houver uma providência do Iphan ou da Administração (Regional) de Brasília, não temos força legal para lutar pela preservação da nossa cidade;, lamentou.
Polêmicas e Processos
Os Restaurantes de Unidade de Vizinhança (RUV), localizados na esquina das comerciais das quadras 100 e 200 da Asa Sul, foram criados por Lucio Costa no plano original do Plano Piloto, mas passaram para a iniciativa privada na década de 1960. Mais tarde, em 1988, dois decretos liberaram a criação de qualquer tipo de comércio nas áreas. Treze dos 16 terrenos disponíveis entre a 102 e a 116 Sul estão ocupados por bares, padarias, mercados e academias. Entre as comerciais das quadras 200, três delas têm obras prontas ou em andamento.
A controvérsia em torno dos RUVs se tornou polêmica em abril de 2005, quando um terreno da 208 Sul foi fechado para obra. A construção levou moradores a fazer protestos e a pedir pelo fim imediato das intervenções na área verde (foto). A discussão ganhou maiores proporções com a tentativa de levante de imóvel na 211 Sul. O corte de árvores também foi motivo para manifestações.
A solução para o impasse pareceu ter surgido quando deputados aprovaram documento que reivindicaria ao GDF a revisão de autorizações para obras nas RUVs. A moção sugeria a permuta de terrenos considerados históricos ou de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural por outros de valor equivalente. Em abril daquele ano, o então governador, Joaquim Roriz, determinou a suspensão das obras por meio de decreto.