Roberta Machado
postado em 30/07/2011 12:45
Mais de dois meses após o atropelamento da menina Maria Ester de Holanda, 9 anos, na BR-040, os moradores de Valparaíso (GO) ainda sofrem por viverem numa cidade dividida por uma rodovia federal. Somente este ano, 189 pessoas foram atingidas na via, uma média de quase um atropelamento por dia. Em 2010, os registros chegaram a 272, número quatro vezes superior aos acidentes ocorridos na BR-020, a segunda colocada no ranking de atropelamentos (veja quadro). O alto índice é alimentado pela ausência de semáforos e faixas de pedestres na pista, que, por ser uma rodovia, não pode receber esse tipo de sinalização.
Os últimos acidentes resultaram numa série de protestos (leia memória) em que parte da população do município goiano bloqueou a via para pedir mais segurança. Depois das manifestações, a comunidade recebeu como resposta a instalação de oito quebra-molas no trecho de 10km que corta a cidade, além do fechamento de um retorno. As medidas são, no entanto, soluções paliativas até a reforma geral da rodovia. As lombadas eletrônicas, prometidas à época da morte de Maria Ester, não foram providenciadas. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão responsável pela manutenção da pista, as barreiras devem chegar até o fim do ano. O departamento informou, por meio da assessoria de imprensa, que um projeto que promoverá outras adaptações ainda está sendo elaborado, e um edital de licitação para a execução das melhorias será lançado em breve.
Segunda a população, os quebra-molas não resolveram o problema. Os pedestres alegam que os carros continuam passando pela BR-040 em alta velocidade, enquanto os motoristas reclamam dos engarrafamentos causados pela nova sinalização. O zootecnista Stefan D;rr, 49 anos, usava a pista com frequência para visitar Cristalina (GO) e Paracatu (MG), mas, atualmente, evita o percurso para fugir do trânsito pesado. ;Em véspera de feriado, fica quase impossível não se estressar. Antes, eu gastava 15 minutos do DF até Luziânia. Hoje, levo cerca de 40 minutos;, conta.
A professora Lásara Landim de Lima, 50 anos, mora às margens da rodovia e precisa atravessá-la diariamente ao voltar do trabalho, no Gama, por volta das 18h. ;Quando eu me mudei para cá, há 11 anos, era muito mais tranquilo. Agora, tenho de passar correndo, com medo de ser atropelada;, diz a moradora de Valparaíso. Ela conta que chega a esperar por até 30 minutos antes de cruzar a pista, e, muita vezes, faz sinais com as mãos pedindo aos motoristas que reduzam a velocidade para que ela consiga atravessar. ;Uma vez, um carro parou e comecei a travessia, mas o outro veio pela outra faixa e quase me pegou;, lembra.
Soluções
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) afirma que a BR-040 é uma das vias mais perigosas do DF, devido à grande ocupação desordenada do leito da estrada. A pista é percorrida diariamente por crianças a caminho da escola ou trabalhadores que seguem em direção às paradas de ônibus, como uma via urbana comum. Os veículos, por sua vez, chegam à entrada de Valparaíso, a caminho de outros estados, em alta velocidade, atingindo até 150km/h. ;Houve um crescimento muito grande e, ali, o Estado não fez uma estruturação para se preparar e proteger a cidade;, critica Daniel Rezende Bomfim, inspetor da PRF.
Bomfim afirma que a polícia monitora os condutores e realiza, com frequência, ações educativas voltadas à conscientização dos pedestres. Ele ressalta, no entanto, que o problema exige medidas mais drásticas. A solução seria uma obra de isolamento da rodovia, cortada por passagens suspensas e túneis, para impedir a travessia dos moradores.
Até o início da semana, a BR-040 contava com apenas uma passarela, coberta de ferrugem e remendos. A estrutura foi atingida por um caminhão em fevereiro, e, por várias semanas, permaneceu sustentada apenas por vigas de madeira. O Dnit reformou a passagem, mas a estrutura continua precária. ;É um caos. Como passam muitos caminhões, quem atravessa a passarela, sente tudo balançar. Os mais velhos nem sobem porque a perna não aguenta a força do movimento;, conta a assistente de serviços gerais Maria Lúcia da Silva, 52 anos.
Na última quinta-feira, a cidade ganhou a segunda passarela. Mas o investimento de R$ 1.025.866,97, anunciado na placa da construção, não foi pago pelo governo federal. Segundo a prefeitura da cidade, o montante foi custeado pela JC Gontijo Engenharia e pela Valparaizo Empreendimentos e Participações. As empresas são as responsáveis, respectivamente, pelos três condomínios e pelo shopping ligados, hoje, pela passarela. Segundo o Dnit, a reforma definitiva da antiga passagem está sendo licitada, assim como a construção de mais uma estrutura suspensa. A passagem paga pela iniciativa privada ficou pronta em apenas dois meses.
Tragédias recorrentes
9 de maio de 2011
A menina Maria Ester de Holanda, 9 anos, morreu ao ser atingida por um Santana quando atravessava a BR-040. Ela saiu de casa para fazer compras e era a primeira vez que cruzava a rodovia sem o acompanhamento de um adulto. O acidente ocorreu por volta de 12h, no Km 7 da via. O motorista fugiu sem prestar socorro e ela morreu na hora. A passarela mais próxima ficava a cerca de dois quilômetros do local. O acidente mobilizou moradores da região, que interditaram a pista com galhos e tocaram fogo em pneus.
22 de fevereiro de 2011
Uma carreta atingiu mãe e filha numa parada de ônibus localizada às margens da BR-040. Luana Albuquerque Moraes, 26 anos, não resistiu e morreu no local. A criança, Marina, 9 anos, foi levada para o hospital com vida. O motorista alegou que tentava desviar de um carro. Depois da colisão, cerca de 300 pessoas fecharam uma das faixas da via, causando um engarrafamento de 7km. Elas cobravam a instalação de mais passarelas.
20 de fevereiro de 2011
Um homem morreu após ser atropelado no Km 10 da BR-040. O acidente ocorreu por volta das 21h próximo ao Jardim Ingá, no sentido Luziânia-Brasília.
8 de fevereiro de 2011
Ao tentar atravessar a rodovia, no sentido Luziânia-Brasília, uma mulher foi atingida por um carro. A vítima recebeu atendimento no pronto-socorro do Hospital Regional de Luziânia. No trecho onde ocorreu o acidente, não há passarelas para pedestres.
29 de janeiro de 2011
Iraci de Carvalho Sousa, 35 anos, morreu após ser atingida por um Gol na BR-040. Segundo a polícia, ela havia calculado mal a distância do veículo que se aproximava e se arriscou a atravessar a pista.
28 de janeiro de 2011
Um homem foi atropelado, por volta das 15h, enquanto atravessava a pista, a menos de 100 metros da passarela, no km 2 da BR-040. A vítima teve apenas ferimentos leves.
24 de outubro de 2010
Um zootecnista foi preso após atingir a dona de casa Sheila Climaco Marsole no Km 12 da BR-040. A mulher morreu na hora. O motorista abandonou o carro e se recusou a usar o bafômetro.