O Nota Legal tem 300 mil consumidores e 64 mil empresas cadastradas. Mas, prestes a completar três anos de existência, nem um nem outro cumpre fielmente as regras do programa de distribuição de créditos de ICMS, que podem ser usados pelo brasiliense para abater no valor do IPVA e do IPTU. A principal queixa do consumidor é que mais da metade das compras não são lançadas pelos estabelecimentos comerciais. No entanto, muita gente ignora a existência do programa ou, mesmo exigindo a nota fiscal, não fiscaliza se o comerciante declarou a venda nem tampouco comparece à Fazenda para apresentar os comprovantes das compras quando é solicitado.
Desde o início do programa até agora, foram aplicadas 10 mil multas ; média de 280 por mês ; contra empresas que sonegaram a venda. Mas o próprio governo deixa claro que esse número poderia ser muito maior. ;A multa não é a principal ação da secretaria e, por isso, é aplicada em último caso. O Nota Legal é acima de tudo um programa educativo. Quando ocorre um problema, desenvolvemos ações de conscientização;, explicou Francisco Otávio Moreira, subsecretário de Receita do DF. A punição, no valor fixo de R$ 55,25, incide sobre cada cupom ou nota fiscal não declarados. Assim que entrou em vigor, em 2008, o valor da multa era de R$ 55. De acordo com a Secretaria de Fazenda, em 2010, o governo aumentou a arrecadação em R$ 150 milhões em comparação com 2009, descontada a inflação do período.
Paciência
Com organização e paciência o funcionário público Marcelo Caetano, 41 anos, conseguiu R$ 1,3 mil de créditos do Programa Nota Legal. Usou R$ 300 para abater no IPVA e o restante, no pagamento do IPTU deste ano. Como? Exige o CPF nos documentos fiscais e fiscaliza, pelo site da Secretaria da Fazenda, se o comerciante informou a compra ao governo. Quando isso não acontece, ele registra a reclamação pela internet. Se o estabelecimento comercial não reconhece a compra, ele tira cópia da nota fiscal, preenche o formulário e leva ao posto de atendimento da Fazenda.
Marcelo admite que é trabalhoso e, até um pouco burocrático. Mas diz que vale a pena dedicar algum tempo para garantir o benefício. ;Devo gastar uma hora por mês para resolver isso. Para facilitar, criei uma pasta onde guardo as notas fiscais por data de emissão (da mais nova para a mais antiga). Por volta do dia 10 de cada mês, entro no site para conferir. Quando não está lançado, registro a reclamação e aguardo. Em alguns casos, a situação se resolve aí. Em outros, tenho que ir à Fazenda.; Em 2009, Marcelo não fez o controle e recebeu apenas cerca de R$ 50 de créditos. ;Percebi que vale muito a pena fazer o controle.;
Morador daq Cidade Ocidental, o motorista Francílio Lobão Lima, 24 anos, admite que somente pede nota quando o valor da compra é alto e, quase nunca confere se o comerciante cumpriu com a obrigação de informar a aquisição dele à Fazenda. ;Quando entro no site e vejo que a empresa não lançou, fico indignado. Mas nunca reclamei.;
Sem informar quantas empresas reiteradamente deixam de informar a venda ao governo, o subsecretário Francisco Otávio assegura que tem diminuído o número de empresas que sonega a aquisição do consumidor. Sobre a lista dos 10 infratores contumazes, disse que a Fazenda não divulga esse tipo de informação, mas estuda a possibilidade de tornar pública a lista dos estabelecimentos exemplares.
Em SP, crédito na conta
O Nota Legal foi criado em junho de 2008, inspirado pelo Nota Fiscal Paulista. No DF, o programa deslanchou após a primeira campanha de divulgação, no segundo semestre de 2009. Até março deste ano, 1.742.506 consumidores foram beneficiados com um total de R$ 125.839.221,87.
De acordo com o cronograma do GDF, a partir do próximo mês as empresas de seguro-saúde, previdência complementar e planos de saúde, entre outros, serão obrigadas a emitir a Nota Legal. No site da Fazenda tem a lista de todos os segmentos e o cronograma de inclusão no programa. Se a empresa se recusar a emitir o documento fiscal com o CPF ou o CNPJ, o cidadão deve ligar na Central de Atendimento 156, opção 3.
Assim como os brasilienses, os paulistas precisam se cadastrar no site, acompanhar a inclusão dos créditos e reclamar se o empresário não informar ao governo. Diferentemente do ocorre no Distrito Federal, em São Paulo, os créditos podem ser depositados na conta do consumidor ou usados para abater no IPVA. No último dia 1;, o governo lançou o Programa Nota Fiscal Paulistana, que vale somente para capital. Nesse, os créditos são conseguidos com o Imposto Sobre Serviço (ISS) e não por meio do Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS).
Prazos da burocracia
Para a secretária Maria Aparecida Soares, 37, o mais difícil é não perder o tempo para reclamar. ;Se eu fiz a compra em julho e a empresa não lançou, só posso fazer a queixa em setembro. Acho um absurdo ter que esperar dois meses da data da compra para reclamar. Já perdi o prazo várias vezes;, relatou. Pelas regras do programa, as empresas cadastradas são obrigadas a informar a venda ao governo 30 dias, após a emissão documento fiscal. No mês seguinte, as informações são analisadas e os créditos lançados. O consumidor tem que esperar dois meses, a partir da data da compra, para cobrar, por meio da internet, os cupons não lançados. Nessa fase, ele tem 30 dias de prazo.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do DF, Geraldo Araújo, diz não ter conhecimento de empresas que sonegam a venda ao governo. Mas garantiu que a entidade mandará um comunicado aos filiados instruindo os lojistas a redobrarem os cuidados.;
Morador de Planaltina, o técnico em radiologia Reginaldo Gomes Silva, 32 anos, se inscreveu no programa no começo deste ano, após a insistência de uma amiga. Desde então, pede nota de tudo que compra, mas está decepcionado. ;Até agora, tenho somente R$ 3 de crédito. Minha amiga disse que é para ficar tranquilo que no fim do ano eles lançam tudo de uma só vez;, diz.
Na avaliação de Milton Marques, membro do Conselho Federal de Economia e professor da Universidade de Brasília, o programa é bom para o governo e para o cidadão, mas falta esclarecimento. ;O governo conseguiu fiscais que vão reduzir a evasão fiscal oferecendo em troca um desconto para o IPVA e o IPTU. O consumidor precisa entender que, quanto menor a sonegação, mais justo se torna o pagamento dos impostos. Se os grandes não pagam, sobra para o trabalhador pagar;, ressalta.