postado em 06/08/2011 08:00
Terça-feira, 19 de julho. Por volta das 20h, no trecho da DF-001 conhecido como curva da morte, dois carros batem de frente e um deles despenca de um barranco. Duas pessoas são levadas para o Hospital Regional de Brazlândia (HRB) pelo Corpo de Bombeiros. Na rodovia, uma Pajero TR4 e um Audi A3 ficaram totalmente danificados. Seria mais um acidente corriqueiro em uma pista perigosa, não fosse uma denúncia anônima, que reforçou a suspeita do delegado adjunto da 18; Delegacia de Polícia, Fernando Cocito, sobre o envolvimento de dois automóveis de luxo em um acidente tão grave.
Por conta da delação, o delegado começou investigar um golpe inusitado na capital federal. A colisão não foi um acidente, mas uma cena bem montada para a liberação do seguro da Pajero TR4 por perda total, estimado em R$ 50 mil. O proprietário do Audi também não ficaria no prejuízo, mesmo sem ter o veículo assegurado. Ele seria ressarcido pelos estragos no carro. O mentor intelectual da fraude lucraria R$ 3 mil com o trabalho. E essa não seria a primeira vez que o funileiro Robster França Pereira, 43 anos, mais conhecido como Neguinho, armava um acidente para lucrar com o pagamento do seguro aos donos do carros.
De acordo com as investigações, Neguinho se envolveu em 18 acidentes no DF e oito em cidades do Entorno. As ocorrências agora serão investigadas. O resultado pode revelar o quanto era lucrativa a prática de acabar os veículos.
Descoberta a trama, os proprietários dos carros tiveram o seguro bloqueado e ficaram com duas latas velhas estacionadas. Não bastasse, ainda terão que responder pelo crime de estelionato, ao lado de Neguinho e Juscelino Ermínio Ambrozio, 43 anos, comparsa do funileiro.
O plano
Segundo o delegado Fernando Cocito, os veículos são difíceis de serem vendidos, então Robster deu a ideia da batida aos donos dos carros. Kevin Alessandro Gonçalves, 19 anos, proprietário do Audi A3, e Luiz Augusto Rodrigues, 38, dono da Pajero, teriam aceitado a proposta. Para não deixar digitais, Neguinho rebocou a Pajero de Taguatinga Norte até Brazlândia, com o auxílio de um Fiat Marea. Próximo à entrada da cidade, ele posicionou a caminhonete às margens da DF-001 e bateu com o Audi na frente no veículo parado, que despencou em um barranco, sem nenhum passageiro. Depois, o suspeito usou o Fiat Marea para ir embora, mas antes fez manobras para deixar marcas de pneus na pista. ;A intenção era passar a ideia de que a Pajero perdeu o controle, invadiu a pista contrária e o Audi bateu de frente. Com isso, a culpa seria da Pajero, que tinha seguro e pagaria o valor de mercado dos dois carros.;
Após o falso acidente, os suspeitos acionaram o Corpo de Bombeiros. De acordo com a polícia, Juscelino Ambrozio e Kevin Alessandro alegaram dores e foram encaminhados ao HRB. ;Lá, eles foram até medicados, mesmo sem terem sofrido nada. Nesse meio tempo, o Kevin recebeu R$ 200 de Robster para voltar para casa de táxi, pois o combinado era que eles só se vissem novamente depois que o dono do Audi recebesse o dinheiro da seguradora;, contou Cocito.
No começo desta semana, no entanto, a farsa acabou. Pressionado pelas investigações, Kevin admitiu e explicou a fraude ao delegado. ;Ele levou o Audi na oficina que o Neguinho trabalha, em Taguatinga Norte. Lá, foi convencido a participar do crime para dar perda total no veículo dele e de um outro conhecido do Robster, que é o dono da Pajero;, disse Fernando Cocito.
Na delegacia, Robster explicou que seu envolvimento em tantas ocorrências (26 no total) era porque não dirigia bem. ;Mas, ao se referir a Pajero, afirmou que quem bateu, o fez muito bem, em tom de deboche;, disse o delegado. Até agora, apenas Robster e Kevin foram ouvidos pelos policiais. Todos os suspeitos devem responder por estelionato, com pena de um a cinco anos de reclusão. A Pajero foi apreendida pelos policiais em uma oficina no Setor de Indústria e Abastecimento. O A3 ainda não foi localizado.
Para o representante do Sindicato das Empresas de Seguros no DF (SINDSEG), Carlos Cavalcante, práticas como essa não são comuns no DF. ;Geralmente, são casos isolados, ou até mesmo quadrilhas que usam laranjas;, disse. Cavalcante informou que não tem registros dos números de golpes.
Mas garantiu que todos os acidentes são investigados. ;Temos até 30 dias para indenizar os assegurados. Nesse tempo, fazemos investigações para saber se os fatos são verdadeiros, mas, infelizmente, sabemos que existem fraudes;, lamenta o representante.
O que diz a lei
O artigo 171 do Código Penal brasileiro define como crime de estelionato todos os atos praticados com o intuito de obter, para si ou para terceiros, vantagens ilícitas em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, enganação ou qualquer forma fraudulenta. Um dos incisos do artigo diz que é considerado um estelionatário quem ;destroi, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro. A pena para este tipo de crime varia de um a cinco anos de reclusão.