Cidades

Como nasce uma cidade: engenheiros e operários unidos na construção

postado em 13/08/2011 08:00

Construção do CatetinhoNa noite de 20 de junho de 1957, o termômetro do canteiro de obras acusava 3; C, um gelo para os novos candangos que chegavam do Nordeste. Os do Centro-Oeste estavam acostumados às baixas temperaturas das madrugadas de inverno no Planalto Central. Em julho, eram 13 mil as almas que haviam chegado para construir a nova capital. O Plano Piloto de Lucio Costa já estava desenhado no chão: dois eixos em sinal da cruz, um deles arqueado a oeste. Na ponta leste de um dos eixos, já estava desenhado no chão um triângulo equilátero com o bico apontando também para oeste: era a Praça dos Três Poderes.

Oito meses depois do início das obras, já havia longa malha de caminhos de terra ligando os canteiros de obras entre si e dando acesso à Cidade Livre, à Candangolândia, ao aeroporto e à Ermida Dom Bosco. Uma trama onde era fácil se perder, dada a imensidão do Cerrado e a ausência de placas indicativas. Engenheiros e topógrafos mediam a cota mil do futuro Lago Paranoá. O engenheiro Ronaldo de Alcântara Veloso, um dos que demarcaram os dois eixos, relata que a área a ser coberta pelas águas do rio Paranoá e de seus afluentes foi demarcada na cota mil, ou seja, mil metros acima do nível do mar. ;Foram marcando o perímetro até fechar a área. Aí o trator desmatava o contorno e então já se sabia até onde a água iria.;

Enquanto engenheiros e operários erguiam o Palácio Residencial (o Alvorada) e o Hotel de Turismo (Brasília Palace Hotel) e os topógrafos e tratoristas faziam a demarcação e o arruamento da W3 Sul para construção das primeiras 500 casas, Oscar Niemeyer traçava uma de suas mais importantes obras de todo o seu vasto portifólio: o Congresso Nacional. A edição de julho de 1957 da revista Brasília apresenta o croqui e a descrição do novo projeto de Niemeyer para Brasília (àquela altura, ele já havia desenhado a Ermida Dom Bosco, o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel).

O arquiteto explicou sua intenção arquitetônica: ;O objetivo de reunir as duas casas num só edifício visa dar solução mais racional e econômica ao problema, sem prejuízo da independência que lhes é indispensável (...);. Ao mesmo tempo em que, num só bloco, ;Senado e Câmara constituirão um conjunto monumental capaz de dominar, como desejável, as demais construções da cidade;. Mais adiante, conclui a descrição: ;Ao fundo, contrariando a linha horizontal da Esplanada, erguem-se os blocos administrativos, que são os mais altos de Brasília;.

Gastos
Por esse tempo, os brasileiros começavam a acreditar que Brasília era uma oportunidade de trabalho. As estradas de acesso ao canteiro de obras ainda estavam sendo abertas e a nova capital ainda era um ponto incerto na geografia do Brasil, mas os candangos chegavam de carona de caminhão, a pé, de burro e a cavalo. Em junho de 1957, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) estimava em não mais de 12 bilhões de cruzeiros (R$ 3,9 bilhões atualizados) os gastos com a construção de Brasília, dinheiro que a empresa pretendia obter com a ;venda dos lotes da nova capital, sem pesar em nada, absolutamente nada, no Orçamento da União;.

Não foi assim que aconteceu. Os brasileiros que podiam comprar terrenos em Brasília não se dispuseram a arriscar seus investimentos numa cidade tão improvável. Só quem investia aqui é quem não tinha alternativa a não ser a de aplicar a força dos braços em busca de prosperidade. Criaram então as Obrigações Brasília, títulos públicos para estimular a venda dos terrenos. Era uma espécie de financiamento garantido pelo governo.

Não dava para esperar pela fé dos investidores. Em junho de 1957, Juscelino sancionou a Lei n; 3.166, que autorizava a abertura de crédito especial de 400 milhões de cruzeiros destinados à pavimentação dos trechos de duas rodovias ligando Brasília a Santos, passando pelo Triângulo Mineiro até Anápolis. Se, para construir as superquadras a Novacap recorreu aos milionários institutos de previdência, para abrir rodovias, ela precisava de crédito especial (veja quadro).

Vista aérea da construção de Brasilia: Palacio da AlvoradaForam os superpoderosos institutos de aposentadoria e pensão que construíram a primeira leva de blocos das superquadras. Eles não apenas ergueram os prédios sobre pilotis como disputaram quem construiria a primeira cumeeira, quem concluiria o primeiro edifício, quem teria a honra de receber Juscelino para a primeira inauguração de um bloco das SQS.

Empreiteiras
As obras da nova capital foram responsáveis pelo começo da ascensão de um segmento até hoje fortemente presente na vida política brasileira, as empreiteiras. Como escreveu Samuel Wainer, em Minha razão de viver: ;Só a construção de Brasília já bastaria para assegurar a alegria de dezenas de homens do ramo, mas houve mais;. Em meados de 1957 já estavam em Brasília a Construtora Rabello, a Pacheco Fernandes, a Coenge, a Metropolitana e a ECG (Empresa de Construções Gerais).

Uma operação casada entre o governo brasileiro e o norte-americano permitiu que o Brasil conseguisse um empréstimo de US$ 10 milhões ;pelo prazo de 15 anos e a juros de 5,5% ao ano;. Em princípio, nada mau. Havia uma contrapartida: a Novacap assinaria contrato com a Raymond Concrete Pile Company of the Americas para a construção da Barragem do Paranoá e o fornecimento e montagem das estruturas metálicas de 16 ministérios. O compromisso da Raymond, representada no Brasil pela Companhia Planalto, era de erguer dois edifícios por mês, num total de sete meses.

;O sistema de estrutura metálica; ; explicava a revista Brasília ; ;importa em economia de tempo e de custo, em relação ao sistema de concreto armado;. Àquela altura, os brasileiros ainda não tinham domínio da técnica de estrutura metálica e, ao mesmo tempo, a companha siderúrgica de Volta Redonda não tinha condições de fornecer as peças à nova capital. ;As necessidades de Brasília absorveriam 50% da produção da usina, prejudicando, sobretudo, a linha de fabricação de trilhos e outros materiais de primeira importância e urgência para o desenvolvimento nacional.;

O contrato com a Raymond iria resultar num fracasso que quase pôs a perder os planos de Juscelino de inaugurar Brasília em 21 de abril de 1960, assunto que será tratado em edição posterior.

Para se contrapor às acusações da oposição, a revista Brasília informava que ;a quase totalidade do material de construção para Brasília tem sido transportada por via terrestre;. Esclarecia que ;o transporte aéreo se reduziu a uma carga de 140 toneladas, em aparelhos da FAB, na fase inicial das instalações urgentes e quando as grandes chuvas tornaram as estradas intransitáveis;. Foram feitas, também, informava a mídia oficial da Novacap, ;outras três ou quatro viagens; para transportar mercadorias ;que habitualmente são conduzidas pelo ar;.

Do lado extraoficial da história, a Cidade Livre inchava como uma feira nas primeiras horas da manhã. Em junho de 1957, já havia nela cinco bancos, seis hotéis, vários restaurantes, padarias, armazéns, farmácias, matadouro, lojas de material de construção, empresa de transporte urbano e até uma agência de automóveis. Em 6 de julho, foi inaugurado o Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira, o HJKO, hoje transformado em Museu Vivo da Memória Candanga. O hospital tinha 50 leitos, duas salas de cirurgia, dois apartamentos, aparelhos de raio-X, laboratório, ambulatório, sala de ortopedia, farmácia, maternidade, berçário, gabinete dentário. Ainda segundo a revista Brasília, o HJKO tinha acessórios esterilizadores, incubadora para nascimentos prematuros, ressuscitador e bombas de oxigênio.

Era preciso um pronto-socorro eficiente, dado o acelerado crescimento da população candanga e o ritmo enlouquecido das construções. Em julho de 1957, o esqueleto do Palácio da Alvorada estava pronto. Em pouco mais de três meses de obras, os operários haviam conseguido chegar à cumeeira.

OS INSTITUTOS
IAPC ; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários
IAPI ; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
IAPB ; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários
IAPTEC ; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Estivadores e Transporte de Carga
IAPFESP ; Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários e Empregados do Serviço Público


LEITURAS
; Acervo digital Folha de S. Paulo
; Brasília, memória da construção, volumes 1 e 2, L. Fernando Tamanini, Projecto Editorial
; Brasília, o enigma da esfinge, Luís Carlos Lopes, Editora UFRJ/Editora Unisinos
; De Plano Piloto a Metrópole, a mancha urbana de Brasília, Jusselma Duarte de Brito, Editora Sinduscon
; Diário de Brasília, 1957, Serviço de Documentação da Presidência da República
; Olhares sobre o Lago Paranoá, Fernando Oliveira Fonseca (organizador), GDF/Semarh
; Revista Brasília, números 6 e 7

AGRADECIMENTOS
; D.A Press
; Arquivo Público do Distrito Federal

Acompanhe no mapas, filmes, fotos e textos que vão contar a história das obras de Brasília construídas até a inauguração

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