Realizar tarefas como buscar o filho na escola, almoçar em casa com a família ou ir ao supermercado tornou-se estressante para os brasilienses. Com uma frota de veículos estimada em 1,2 milhão ; 113% maior do que em 2000;, trajetos antes feitos em 20 ou 30 minutos estão bem mais demorados devido aos grandes congestionamentos formados nas principais vias da capital. Nos horários de pico gasta-se, em média, duas horas para ir e voltar do trabalho, por exemplo. Isso significa que os condutores perdem, ao longo do ano, um mês em engarrafamentos. Para fugir dessa situação, moradores do Distrito Federal começam a mudar os hábitos.
E criatividade não falta. Há quem abdique do horário de almoço para começar e encerrar o expediente mais cedo. Também há aqueles que planejam a saída de casa duas horas antes do necessário. Sem contar os que se matriculam em academias e cursos enquanto esperam o engarrafamento diminuir. Afinal, em alguns pontos de Brasília, sair às 18h ou às 20h não faz muita diferença, pois a chegada ao destino não implicará significativa redução de tempo. Se é possível escolher entre ficar preso no carro e praticar alguma atividade, muitos optam pela segunda opção.
Jonas de Oliveira Bertucci, 31 anos, foi um pouco mais radical na mudança de estilo de vida. Cansado do grande volume de carros no percurso que faz do Grande Colorado até o Setor Bancário Sul, onde trabalha, decidiu mudar de meio de transporte. Trocou o carro pela bicicleta em parte de seu caminho. ;Meus pais moram na Asa Norte. Deixo o carro no estacionamento de lá, pego a bicicleta e vou trabalhar;, contou. Como resultado, ele reduz em pelo menos 30 minutos seu caminho de ida e volta. ;Era nesse percurso que o trânsito era mais intenso, principalmente dentro do estacionamento;, disse.
A reportagem do Correio acompanhou Jonas pela W1, passando pelo Setor de Diversões Norte, depois pela N2, até chegar ao destino do economista, no Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea). Por diversas vezes, o carro da reportagem não conseguiu alcançá-lo. As paradas em balões, cruzamentos e a quantidade excessiva de carros davam uma vantagem grande ao ciclista, às 14h da última quinta-feira.
Mobilidade que dá a ele também a oportunidade de almoçar com a família ou com os amigos, nas duas horas destinadas a esse fim. ;Com a bicicleta, não tem imprevisto. Sei exatamente quanto de tempo gastarei de um lugar para o outro. Da 108 Norte até meu trabalho são 14 minutos todos os dias. Com o carro, já cheguei a demorar 40 minutos só para sair do estacionamento;, relatou. Além disso, ele afirma que passou a observar mais a cidade, conhecer cada ponto e a se irritar menos. ;Me exercito, não poluo e perco menos tempo para me locomover e também para estacionar. Meu trabalho não exige roupas muito formais, então levo uma blusa na mochila para trocar nos dias mais quentes e só;, complementou.
Benefício
De acordo com o especialista em engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques, a mudança de rotina nos horários de pico é a saída que as pessoas encontraram para se adequar a essa nova situação. Embora muitos façam isso pensando em um benefício próprio, estão ajudando a desafogar o sistema viário. ;Eles distribuem melhor as viagens ao longo do dia, economizam e ajudam a não sobrecarregar tanto os pontos nos quais já existe grande retenção;, analisou.
Marques acredita que a solução para o problema não está no alargamento de pistas ou na construção de viadutos, mas, sim, na conscientização da população e no investimento em transporte coletivo. ;Em Brasília, existe uma dependência muito grande do carro. Mas ele não é a melhor maneira de universalizar o direito à mobilidade. Quanto mais vias e mais estacionamentos existirem, maior será a compra de carros e a situação ficará insustentável;, acrescentou.
Usuária assídua do transporte coletivo, a servidora pública Francisca Barcelar, 41 anos, perde horas de sono e ainda precisa contar com um acordo feito com os chefes para cumprir a carga horária exigida no trabalho. Para sair de Ceilândia Norte e chegar à L2 Norte às 8h, ela acorda às 5h e entra no ônibus às 5h50. ;Chego umas 7h30. Se sair depois desse horário, só estarei lá às 9h. Por me adiantar de manhã e reduzir um pouco o horário do almoço, consegui negociar para sair às 17h e não às 18h, como era previsto;, contou. Se a volta para casa começa nesse horário, Francisca chega em casa às 19h, mas, se atrasa poucos minutos, o trajeto terá uma hora de aumento.
Fragilidades
Todo esse processo de transtornos ocasionados pelo trânsito ocorre em um momento em que as pessoas estão muito frágeis: logo ao acordar ou quando desejam relaxar após um dia de trabalho. Isso aumenta ainda mais a probalidade de desenvolver doenças e comportamentos derivados do estresse. De acordo com a especialista em psicologia do trânsito Juliane Nunes Lourenço, que trata pacientes com dificuldades para dirigir, o incremento da frota de carros, de congestionamentos e da poluição do ar são elementos que aumentam também o nível de irritação dos condutores. ;Alguns chegam ao extremo de correr em ziguezague ou xingar o outro motorista. As pessoas ficam menos flexíveis;, ressaltou.
Outro fenômeno que tem se tornado comum, segundo a especialista, é a fobia de trânsito. Juliana atende vários pacientes com essa doença. São cidadãos que possuem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mas não conseguem dirigir por medo. ;Elas associam o trânsito a coisas ruins e criam um bloqueio. Nesse caso, é necessário terapia para chegar à cura;, analisou.
Facilidade para comprar
Desde 1986, quando o Plano Cruzado foi lançado, o poder de compra do brasileiro começou a aumentar. Depois vieram as facilidades de parcelamento e, hoje, um carro pode ser adquirido em até 80 meses. Os incentivos contribuem para o crescimento da frota de veículos das cidades. No DF, a população cresce 2,6% por ano, e o número de veículos aumenta 7,6% no mesmo período, segundo pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
Novas rotinas
Fabíola Sousa Barros, 46 anos
A diarista Fabíola Sousa Barros, 46 anos, trabalha em residências no Plano Piloto e no Lago Sul. Para estar no endereço dos patrões no horário combinado, ela precisa sair de casa, no Jardim Ingá, às 5h. ;Tenho que estar no trabalho às 8h, porém, se sair somente com duas horas de antecedência, vou me atrasar. Se saio às 6h, só chego no Plano às 9h;, conta. Por isso, acordar com o dia escuro virou rotina. ;De carro, sem trânsito, seriam 50 minutos de percurso, mas todo dia tem engarrafamento e não dá para contar com a sorte;, disse. Saindo às 5h de casa, Fabíola chega ao Plano por volta das 6h40. E fica esperando na parada de ônibus até dar o horário de serviço. ;Fico com medo de alguém me assaltar na parada enquanto espero, mas não tem outro jeito. É melhor do que ficar no engarrafamento três horas;, lamenta.
Allan Piloto, 23 anos
Na casa do técnico de ginástica artística Allan Piloto, 23 anos, há um carro, que é usado pela família. Mas ele prefere deixá-lo em casa ao enfrentar o trânsito em todas as suas rotinas. Para não repetir o estresse que já sentiu por algumas vezes em engarrafamentos, Allan opta por andar de ônibus e metrô. ;Às 8h saio de casa, às 8h40 estou na Rodoviária, pego o ônibus para a Asbac (onde trabalha) e às 10h chego no meu destino. Saio às 17h, pego o ônibus para a Rodoviária, depois vou para a M Norte, às 18h, onde faço faculdade de educação física. Chego às 19h30 ou 20h, assisto aula e pego outro ônibus para minha casa em Taguatinga Sul;, contou. Allan prefere o transporte coletivo porque pode aproveitar as longas viagens para dormir um pouco ou estudar. ;É uma forma de aproveitar o tempo. No carro, tenho que ficar atento a tudo ao meu redor, não dá para relaxar;, disse. Porém, o rapaz vai se formar e terá que ceder. ;Minha profissão vai exigir que me locomova para diversos lugares. Terei que comprar um carro e enfrentar esse trânsito caótico em breve;, lamenta.
Murilo Mussi, 26 anos
O auxiliar administrativo Murilo Mussi, 26 anos, abriu mão dos horários de almoço para não enfrentar um trânsito tão intenso. Morador do Guará 2, poucos minutos de diferença ditam se ele vai ficar parado no engarrafamento ou não. Por isso, decidiu mudar a rotina. ;Fiz um acordo com minha chefe de não tirar o horário de almoço para entrar mais tarde e sair mais cedo. Tenho muito serviço para fazer nesse horário e é possível conciliar bem. Trabalho na Esplanada dos Ministérios e, se saio às 7h, demoro cerca de uma hora para chegar. Se saio às 8h20, faço o percurso em 25 minutos;, contou. Para almoçar, ele desce no restaurante do local de trabalho e faz uma refeição rápida para voltar logo e não perder tempo. ;Assim, consigo evitar os dois picos de engarrafamento. Mesmo não almoçando em casa, posso tomar café da manhã com minha esposa e filho, e melhorei meu convívio familiar;, ressaltou. Depois do trabalho, se a demanda é mais intensa em algum dia e ele não consegue sair antes das 18h, a rotina também muda. ;Prefiro adiantar o serviço e só ir embora depois, pois nesse horário o trânsito é impraticável.;
Daniel Rocha, 31 anos
A malhação foi a alternativa que o publicitário Daniel Rocha, 31 anos, encontrou para fugir do trânsito das 18h. Morador de Águas Claras, ele afirma que prefere aproveitar o tempo que perderia no engarrafamento com algo produtivo. ;Fiz uma cirurgia no joelho e escolhi o horário do engarrafamento para fazer fisioterapia na academia. Faço todos os exercícios e, quando termino, já não tem mais trânsito. Se eu tentar ir para casa às 18h ou às 20h, chegarei no mesmo horário, então prefiro aproveitar.; Quando não vai se exercitar, ele combina com a esposa um jantar ou um cinema. ;Já tentei algumas vezes voltar no horário de pico e não dá certo.; Na ida para o trabalho, na Asa Norte, a rotina também é fruto de experiência. ;Faço um percurso alternativo. Desvio cerca de cinco quilômetros do meu caminho usual para não pegar tanto trânsito. Entro às 9h, mas saio de casa às 7h40 para dar tempo de chegar.;