Ele é pequeno, cinza e vive em matas bastante densas. Confunde-se com a vegetação e fica quase imperceptível aos olhos dos observadores. Mas não é só por causa do tamanho que o tapaculo-de-brasília, ave típica do Cerrado, está desaparecendo. A constatação é da pesquisadora Luane Reis dos Santos, 29 anos. A aluna de doutorado em ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB procura a espécie de nome científico Scytalopus novacapitalis em todo o Distrito Federal e no Entorno, mas, até agora, encontrou apenas dois exemplares. Ela teme, ao fim do trabalho, constatar que a ave está praticamente extinta.
Desde o início dos estudos, Luane percorreu 15 pontos próximos à capital federal. Um dos pássaros foi encontrado na área próxima ao Parque Nacional e outro, na Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisadora pretende percorrer, pelo menos, 30 locais no DF, em Minas Gerais, em Goiás e na Bahia. A ave foi vista pela primeira vez durante a construção de Brasília, em maio de 1957. Quase 25 anos depois, pesquisadores encontraram mais 68 exemplares da espécie e, desde então, não há mais relatos. ;É uma espécie rara e merece um esforço de conservação. Ela está se extinguindo e, assim, não sabemos quase nada;, alerta a bióloga.
Luane decidiu trabalhar o tema no doutorado a partir de um mapa elaborado por seu orientador, o chefe do Departamento de Zoologia do IB, Miguel Ângelo Marini. Durante a pesquisa, ele identificou áreas no DF e no Entorno onde poderiam existir espécies endêmicas do Cerrado. ;Queríamos nos certificar de que podíamos confiar nesse mapa, por isso vamos a campo procurar esses animais;, explica a estudante. A pesquisadora decidiu concentrar os esforços na procura do tapaculo-de-brasília pela história e pela ameaça iminente de extinção.
O binóculo torna-se indispensável quando Luane sai em busca das espécies típicas do Cerrado. Para detectar a presença do tapaculo-de-brasília no ponto escolhido, a pesquisadora usa um gravador com o som produzido pelo animal. ;Ele é bastante territorialista e, quando toco o canto, espero que algum indivíduo venha defender o território;, explica. Luane percorre entre 1km e 25km e, a cada 50m, liga o equipamento em busca de pelo menos um exemplar. Essa rotina é bastante cansativa. A aluna do doutorado da UnB acorda ainda de madrugada, antes das 5h, e fica até as 11h na mata.
Uma das causas para o sumiço da espécie é o homem, sugere ela. A pesquisadora aponta a falta de preservação ambiental como o principal fator para o desaparecimento do tapaculo-de-brasília. ;Durante o trabalho de campo, observamos que as áreas ao redor das matas onde poderia haver espécies nativas estão bastante degradadas;, lamenta. Como o estudo do orientador da estudante é mais teórico, levou em conta características ambientais e climáticas e deixou de lado os impactos da ação humana. ;Dentro das unidades de conservação, nós sabemos que tem (tapaculo-de-brasília), mas fora dessas não encontramos mais.; Além do Distrito Federal, há registros de um indivíduo da espécie em Minas Gerais e outro em São Paulo.
Importância
Para Ângelo Marini, o trabalho de Luane pode ajudar os pesquisadores a entenderem o estado de conservação das espécies, se estão muitos ameaçadas ou não. ;Só o trabalho de campo atual pode nos dar essa noção, se os animais estão numa situação boa ou geram preocupação. Também pode nos fornecer dados para gerar modelos matemáticos e fazer uma previsão para o futuro das espécies;, pondera. Segundo ele, o estudo servirá como indicativo e mostrará a situação de outras espécies, além de trazer para a discussão a forma como o desenvolvimento humano afeta esses animais. ;Estamos desmatando muito e causando impactos ambientais;, conclui o orientador.
O coordenador-geral de Espécies Ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ugo Vercillo, explica que cada espécie tem uma função ecológica e que o grande desafio dos conservacionistas é medir a importância dos animais. ;Podemos pensar em termos econômicos, nos casos das plantações, apesar de não ser uma tarefa fácil, porque os efeitos não são diretos e sim indiretos sobre cada população;, comenta. De acordo com ele, as aves podem agir no controle de pragas e na polinização e dispersão de sementes, sendo importantes, portanto, para a manutenção do meio ambiente. Luane vai além da questão econômica. ;Precisamos de medidas urgentes para a preservação das espécies ameaçadas. Perder um animal raro que mal conhecemos é uma perda irreparável;, conclui a pesquisadora.
Características
Nome científico: Scytalopus novacapitalis
Tamanho: em média, 11cm
Peso: aproximadamente 18,9g
Coloração: parte superior cor cinza-escura, peito de cor cinza-clara e bico escuro
Vive em matas de galerias bastante específicas e com vegetação densa