Toda quarta-feira, uma pequena sala da Biblioteca Demonstrativa de Brasília (BDB), na 506/507 Sul, se transforma em um amplo espaço para a propagação de conhecimento. Pouco antes das 14h, mulheres, a maioria acima dos 50 anos, apressam-se para ocupar seus lugares. Todas elegantes, arrumadas, cabelos penteados e com rostos maquiados. Elas têm tanto cuidado com a aparência quanto vontade de aprender. Por essa razão, fazem parte do Grupo de Atualização da Mulher, em funcionamento há 26 anos na BDB. Atualmente, há 55 inscritas.
Há mais de duas décadas, essas senhoras reservam uma tarde por semana para discutir temas que vão da vida familiar ao direito, passando pelas artes. A cada encontro, um palestrante voluntário faz exposição sobre assunto no qual é especialista. Na semana passada, a tarde foi de lições sobre direito do consumidor.
Depois disso, as compras no supermercado e a aquisição de serviços como telefonia, por exemplo, nunca mais serão iguais para elas. O advogado José Walter Queiroz Galvão ; chamado por elas de professor ; instruiu-as a ficarem atentas a respeito de seus direitos. ;Vocês não devem se deixar enganar quando assinam um contrato de adesão;, disse ele, prosseguindo com uma longa explicação sobre o tema.
Em seguida, trocaram relatos a respeito das experiências que já viveram, como comprar produtos estragados e o que fizeram para ter o dinheiro de volta nessa situação. As mulheres atualizadas escutam, com os mesmos ouvidos atentos, cada uma das palestras. Depois, há o momento do lanche e do bate-papo. Entre um conversa e outra, surgem grandes amizades.
O grupo começou por iniciativa da diretora da BDB, Maria da Conceição Moreira Sales, 63 anos. ;Uma tia minha questionava muito o meu comportamento por eu não ser uma dona de casa tradicional, porque meus interesses iam além dos afazeres domésticos. Decidi, então, inaugurar essas reuniões para as senhoras ficarem por dentro de outros assuntos;, explicou Maria da Conceição.
Há vagas
Desde então, os encontros nunca pararam. É cobrada um taxa semestral de R$ 200 de cada participante. O dinheiro é para o lanche, cobre custos de material e o restante vai para a Associação dos Amigos da Biblioteca Demonstrativa (responsável pela compra de acervo). Os palestrantes não são pagos. Há 10 vagas abertas para novas interessadas. ;Este é um espaço de difusão cultural e de conhecimento, uma forma de as pessoas se manterem em contato com o mundo;, esclareceu a diretora.
As atividades do grupo, além de muita leitura, incluem pesquisas e anotações do material divulgado pelos palestrantes, todos voluntários. Informação é o que importa
As atividades do grupo, além de muita leitura, incluem pesquisas e anotações do material divulgado pelos palestrantes, todos voluntários. Informação é o que importa
A opção de montar uma turma exclusivamente feminina tem justificativa. ;Sempre me perguntam se eu tenho algum problema com os homens. Não é nada disso. Tentei promover encontros entre eles, mas os homens não aparecem. A mulher tem mais interesse em se atualizar, em discutir os temas. Elas estão mais dispostas a crescer;, afirmou Maria da Conceição.
As mulheres são fiéis ao grupo. A maioria está nele desde o início, como Mirtes Guimarães, 65 anos, moradora da Asa Sul. ;A dona de casa, às vezes, não tem acesso a certas discussões. Aqui, falamos de livros, música, direito, turismo, psicologia, saúde e família. Só não vale falar de religião e política;, destacou Mirtes.
A dona de casa Mary Suzana Oliveira, 68 anos, também é uma das pioneiras da atualização da mulher. Todas as quartas-feiras, quando sai de casa, na Asa Sul, para ir ao encontro das amigas, o marido e o filho brincam com o assunto. ;Lá vai ela para o clube da Luluzinha;, provocam. Ao que Mary responde: ;Estou indo em busca do conhecimento;.
Cultura
Brincadeiras à parte, todas frequentam o ;clube; com entusiasmo. ;Há, basicamente, três motivos para estar aqui: as palestras são interessantes, o convívio com os amigos é ótimo e eu desenvolvi o hábito de leitura;, disse Mary. A diretoria da biblioteca, além de dar dicas de leitura, promove o lançamento de livros.
As mulheres também podem se oferecer para ministrar palestras sobre assuntos de seu domínio. ;A gente não tem mais filho pequeno, não trabalha, não há obrigações. O tempo passa e, se a gente não correr atrás dele, fica para trás;, afirmou a moradora da Asa Norte Lúcia Andrade, 83 anos. Elas também se encontram fora do ambiente da biblioteca. ;Temos um grupo que se vê em confeitarias, cinemas, shoppings. É muito divertido;, contou.
Clarita de Paula, 70 anos, moradora do Sudoeste, vai às reuniões há 15 anos. ;Nós vamos envelhecendo juntas. Falamos de saúde, dos filhos. O grupo é muito unido.; Rosa Maria Ricardo, 77, foi convidada a fazer parte da turma por Clarita. Nunca mais deixou de aparecer. ;É uma chance de sair da rotina da casa, de ter com quem conversar. Aqui sempre tem uma novidade;, afirmou. Um das mais experientes do grupo é Maria Rosa Pacheco, 91. Há dois anos, ela vai toda quarta-feira à BDB para se atualizar. ;A tarde aqui é muito alegre;, resumiu. Na Biblioteca Demonstrativa, o saber se multiplica. Ali, sempre é hora de aprender.
A gente não tem mais filho pequeno, não trabalha, não há obrigações. O tempo passa e, se a gente não correr atrás dele, fica para trás;
Lúcia Andrade, 83 anos
41 anos de saber
A Biblioteca Demonstrativa de Brasília tem mais de 128 mil livros no acervo. Conta com quase de 54 mil usuários cadastrados. Atende 1,5 mil leitores por dia. É vinculada à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura. Foi inaugurada oficialmente em 20 de novembro de 1970, no endereço em
que funciona até hoje.
55 mulheres
Total de participantes do grupo de atualização