Cidades

Filha de candango que escreveu mensagem há 51 anos se emociona com o texto

postado em 23/08/2011 08:00
Acompanhada de Getúlio, um dos operários que encontrou os escritos, Francisca se emocionou ao ver de perto a frase grafada pelo pai: %u201DLugar sagrado%u201D
A enfermeira Francisca Alrileide Mesquita Guerra, 41 anos, demorou para acreditar no que viu pela tevê. Os olhos mostravam a ela frases escritas em uma parede secreta do Congresso Nacional. Uma das mensagens deixadas por um candango, à época da construção do parlamento brasileiro, chamou a atenção de Francisca pela assinatura familiar. ;Que os homens de amanhã que aqui viverem tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra. Duraleques ce de lequis;, José Silva Guerra 22/4/59. O operário Guerra tentou escrever em latim a expressão ;Dura lex, sed lex;. Algo como ;a lei é dura, mas é a lei;.

José Silva Guerra é pai de Francisca. Ele veio do Ceará a Brasília, em 1959, para transportar conterrâneos que queriam trabalhar nas obras da futura capital. Depois de fazer o serviço de motorista, ele também resolveu enfrentar a vida de operário. ;Eu sabia que ele tinha trabalhado na construção de Brasília, mas ele nunca havia falado sobre essas frases. Fiquei muito emocionada. Minha mãe logo reconheceu a letra dele, a forma de assinar;, explicou Francisca. O registro do emprego na cidade também ficou registrada na Carteira de Trabalho de José Guerra, guardada pela família.

Essa e outras mensagens grafadas por colegas de Guerra foram encontradas no início do mês, quando uma equipe procurava vazamento no Salão Verde da Câmara dos Deputados. Funcionários não conseguiam identificar de onde vinha a água. Depois de muito buscar, descobriram que a razão do vazamento estava em um cubículo de três metros quadrados, abaixo da cúpula onde está a Câmara. O Correio acompanhou a descoberta e publicou reportagem sobre o caso no último dia 12.
José Silva Guerra trabalhou em Brasília durante o ano de 1959
Ontem, Francisca esteve em Brasília ; ela vive em Joinville, município de Santa Catarina ; para ver de perto a lembrança deixada pelo pai em um dos monumentos mais importantes do país. Guerra morreu em 16 de setembro de 2010, por complicações decorrentes do mal de Alzheimer e da diabetes. Ao longo de seus 81 anos, ele sempre falava à esposa, a dona de casa Maria Mesquita Guerra, hoje com 73, do orgulho de ter ajudado a erguer a capital da República. ;Ele via imagens de Brasília e sempre contava histórias dos candangos;.

A filha se emocionou ao ler o recado. ;O maior legado do meu pai foi a honestidade. A frase, escrita há 52 anos, vai ao encontro do homem que ele era. Sinto como se eu estivesse entrando em um lugar sagrado;, afirmou Francisca, ao visitar o espaço que abriga as escrituras acompanhada de Getúlio Dias Ferreira, um dos operários que encontrou os escritos. Hoje, ela será recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, para uma breve homenagem.

Vida sofrida
Com a visita de Francisca, foi possível conhecer o rosto de Guerra. Ela mostrou fotos do pai, da época na qual ele trabalhou por aqui. Naquele tempo, o operário enviava cartas apaixonadas e cheias de saudade à mulher. ;Eu queria ter ido para Brasília com ele, mas Zezinho (apelido de José Guerra) não deixou. Ele dizia que a vida em Brasília era sofrida demais;, relatou Maria, em entrevista por telefone ao Correio. A viúva de José mora no Maranhão e preferiu não visitar a capital por medo de se emocionar e passar mal.

José Guerra era filho de trabalhadores rurais cearenses. Estudou somente até ser alfabetizado, porque precisava trabalhar e ajudar no sustento de seus 12 irmãos. O candango viveu no Distrito Federal durante todo o ano de 1959. Depois, voltou para o Ceará, sua terra natal. Em 1971, mudou-se com a mulher e 8 filhos para o Maranhão, onde ficou até o último dia de vida. ;Ele tinha vontade de voltar a Brasília. Sentia saudade dessa terra. Mas tinha muito medo de não termos um lugar para ficar;, lembrou Maria.

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