Cidades

Motoristas ignoram a Lei Seca e adotam táticas para escapar da punição

Adriana Bernardes
postado em 28/08/2011 08:30
Pedro Henrique mudou seus hábitos:

Três anos após a proibição de dirigir alcoolizado ter entrado em vigor, não há muitos motivos para comemorar. A maioria absoluta dos estados não cobra a obediência à Lei Federal n; 11.705/08, a lei seca (Leia O que diz a lei). E mesmo nos locais em que há fiscalização, ela fica aquém do necessário para desencorajar os infratores. No Distrito Federal, onde a rigidez das blitzes ganhou destaque nacional assim que a norma passou a valer, em 20 de junho de 2008, o sentimento geral é o de que houve afrouxamento na vigilância. A rotina de quem ainda não se sensibilizou com a necessidade de cumprir a regra é encontrar ;jeitinhos; para escapar dos agentes de trânsito. Vale de tudo: pedir ajuda do garçom, buscar mensagem no Twitter, comprar o próprio bafômetro ou esticar a balada até que as barreiras sejam desmontadas.

[SAIBAMAIS]O Departamento de Trânsito (Detran) reconhece a falta de estrutura para cobrir, ao mesmo tempo, todas as regiões administrativas do DF de forma eficaz. Mas nega o arrefecimento da ação coercitiva do órgão. ;Isso é uma falácia e não encontra ressonância em lugar nenhum. A fiscalização continua sendo feita de segunda a segunda;, assegura José Alves Bezerra, diretor-geral do Detran. Desde que a lei seca entrou em vigor, o Detran fez 22 mil flagrantes de condutores alcoolizados, suspendeu 6.683 habilitações e cassou o direito de dirigir de 280 pessoas pegas duas vezes, em menos de um ano, dirigindo sob efeito de álcool.

Apesar do índice alto de autuações, a punição aos motoristas tem sido lenta nos dois últimos anos. Até junho deste ano, o setor responsável pela análise dos processos contava com apenas três funcionários. ;Essa sensação de impunidade pode estar relacionada a um período em que os condutores demoravam a ser penalizados na essência da lei, com a suspensão do direito de dirigir e a obrigatoriedade de passar pelo processo de reciclagem, que é o que nos interessa;, avalia o diretor-geral do Detran.

Mesmo quando o castigo alcança o infrator, não é garantia de mudança de comportamento. O desrespeito recorrente à proibição de guiar alcoolizado, rendeu a um jovem morador do Sudoeste a cassação da carteira de motorista por reincidência ao artigo 165 no período de um ano. Desde então, ele passou a cometer duas e não apenas uma infração ao Código Brasileiro de Trânsito (CTB): continua dirigindo após ingerir bebida alcoólica e, agora, com a habilitação cassada.

O rapaz tem 23 anos e será identificado nesta reportagem como Ricardo*. O primeiro flagrante ocorreu em 2009. Além de estar alcoolizado, ele não usava o cinto de segurança, estava sem os documentos do carro e sem a carteira de habilitação. O segundo registro ocorreu exatamente um mês após o primeiro. Segundo ele, foi ;implicância; do agente de trânsito. Ricardo diz ter bebido apenas um chope, mas se recusou a fazer o bafômetro. Acabou autuado por apresentar sinais de embriaguez e teve a carteira cassada.

Apesar das reincidências, Ricardo garante que a lei seca mudou a rotina dele e dos amigos. ;A gente bebia antes de ir para a festa e, agora, só na balada. Antes, voltava para casa qualquer hora. Agora, só depois das 5h, quando não tem mais blitz. Mas a preocupação ainda é escapar da multa e não com acidentes ou morte no trânsito;, reconhece. Em seis meses, ele vai recuperar o direito de dirigir e ainda não tem certeza se vai cumprir a lei seca. ;Ficar sem carro é muito difícil. Por isso, talvez, eu pare de dirigir alcoolizado quando pegar a minha carteira nova;, cogita.

Respeito
Mas existem exceções. Desde a edição da lei seca, o estudante Pedro Henrique Moura Vieira, 21 anos, nunca mais guiou sob efeito de álcool. No início, a postura dele era motivo de piada entre os amigos. ;Se eu vou beber, pego táxi. No começo, tinha muita propaganda na TV mostrando o quanto é perigoso. Além disso, vi muita gente conhecida perder a carteira e não quero passar por isso;, comenta o morador do Guará.

A rotina da secretária Isabel*, 30 anos, só mudou após uma tragédia em família. O irmão dela, alcoolizado, se envolveu em um acidente fatal na Bahia. A vítima, uma mulher, tinha dois filhos pequenos. ;Ele sempre achava que estava bem para dirigir. Nesse dia, entrou na contramão e bateu na moto. Fiquei pensando: e se fosse eu a vítima ou a minha irmã, que também é mãe de duas crianças? Depois disso, se bebo um gole de cerveja deixo o carro onde estiver e vou de táxi;, relata. O irmão dela, que tem 37 anos e mora em Salvador, responde a processo por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

* Nomes fictícios

O que diz a lei

A Lei Federal n.; 11.705/08 fixou a tolerância zero à mistura álcool e volante. O condutor flagrado com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar recebe punições administrativas: apreensão da Carteira Nacional de Habilitação, suspensão do direito de dirigir por um ano e multa de R$ 957,70. A partir de 0,3mg/l, configura-se crime. O condutor, além das punições administrativas, é levado para a delegacia, precisa pagar fiança de R$ 600 a R$ 2 mil reais e responde a processo pelo crime de dirigir alcoolizado. Todo condutor que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir bêbado, deve ser submetido a testes de bafômetro, alcoolemia e exames clínicos. Em caso de recusa do condutor à realização dos testes, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas admitidas pelo agente de trânsito, como o exame clínico, no qual ele observa se o motorista apresenta sinais de embriaguez.

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