As empregadas domésticas vêm seguindo caminho inverso ao da crescente formalização do mercado de trabalho do Brasil. Nos últimos 10 anos, seis regiões metropolitanas registraram queda no número de funcionárias mensalistas, tipo de vínculo onde a carteira assinada é mais comum, e cresceu o de diaristas, que atuam à margem do amparo das leis. O Distrito Federal registrou o maior incremento de profissionais informais. Em 2000, 14,5% trabalhavam no esquema de diárias. No ano passado, a proporção saltou para 26,3%, um aumento de 12,2 pontos percentuais. Os dados são um recorte feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir da Pesquisa Emprego e Desemprego (PED).
O perfil das domésticas traçado pelo Dieese revela elementos que ajudam a explicar o porquê da precarização do vínculo. Por exemplo, as diaristas recebem mais do que as trabalhadoras mensais. No DF, o rendimento médio real por hora delas chega a ser 25,4% superior ao das mensalistas com registro em Carteira de Trabalho. Em Porto Alegre, outra região pesquisada, a diferença atinge 34,5%. A menor diferença, verificada em São Paulo, é 19,2%.
Outro ponto importante é que a carga horária de quem faz diárias é bem menor do que a das mensalistas. Em Brasília e região, uma profissional com carteira assinada realiza 45 horas de atividades semanais. Já uma diarista trabalha de 24 a 26 horas por semana. Assim, elas ganham entre 73% e 87,5% mais do que as domésticas formalizadas.
O sociólogo Marcel Bursztyn, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em socioeconomia e políticas públicas, explica que, embora o mercado esteja favorável ao emprego formal fora das casas, no interior dos lares impera uma lógica diferente. ;O aumento do salário mínimo começa a tornar as mensalistas caras para as famílias de classe média. Já não há condições de arcar com essa despesa;, avalia.
Bursztyn acredita, entretanto, que uma nova era pode estar nascendo para as domésticas graças a iniciativas como a da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que defende igualdade de direitos entre as funcionárias do lar e as demais categorias de profissionais. ;Aos poucos, nas últimas décadas, foi-se fechando o cerco contra o trabalho precário no Brasil. A atividade doméstica talvez seja a última etapa;, diz.
Futuro incerto
A diarista Maria do Socorro Almeida, 49 anos, é empregada doméstica há 28 e somente no início dos anos 1980 teve a carteira assinada. Ela faz quatro diárias por semana a R$ 75 cada. No mês, sua renda chega a R$ 1,2 mil. ;Se fosse para eu trabalhar fichada, ganharia o salário mínimo. Não teria como pagar minhas contas;, comenta e se diz orgulhosa de ter criado sozinha quatro filhos. Mas Maria do Socorro se preocupa com o futuro. ;Pensando pelo lado de que não vou ter aposentadoria, complica um pouco;, reconhece.
De acordo com ela, que mora em Samambaia e trabalha no Plano Piloto, o debate sobre a ampliação dos direitos das domésticas é visto com preocupação por algumas de suas colegas, principalmente as que têm carteira assinada. ;O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), por exemplo, elas acham que, se passar a ser obrigatório, o patrão não vai querer pagar e o emprego estará ameaçado;, conta.
Daniel Biagioni, sociólogo e analista do Dieese, vê na alta do emprego no Brasil outra possível explicação para o aumento no número de diaristas, além da incapacidade das famílias de arcar com gastos de uma mensalistas e dos ganhos maiores das trabalhadoras informais. ;Em 2003 e 2004, o desemprego diminuiu. Houve um aumento na taxa de ocupação e as mulheres que não se consideravam economicamente ativas passaram a se ver diferente;, destaca.
Acordo com a OIT
Em junho deste ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é membro, concluiu negociações e criou uma convenção internacional que garante direitos às trabalhadoras domésticas. A intenção é que elas tenham os mesmos direitos que os demais trabalhadores do mundo. Para ser válido no país, o acordo tem que ser ratificado pelo Congresso Nacional, o que ainda não ocorreu. Em caso de aprovação, terão que ser feitas alterações na Constituição Federal.
Para saber mais
Interpretação definitiva
Em abril do ano passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei 160/2009, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT). A proposta determina se a frequência do serviço doméstico for de três vezes por semana na mesma casa, o empregador é obrigado a assinar a carteira de trabalho da profissional. Antes da proposição da senadora, já havia o entendimento de que a diarista é aquela que presta serviços em um mesmo local no máximo duas vezes por semana. Isso porque a Lei n; 5.859/1972, que regulamenta o serviço doméstico no país, especifica como uma de suas características fundamentais a continuidade. Com a aprovação do projeto de Serys Slhessarenko, a interpretação torna-se oficial. Mas a proposta ainda precisa ser analisada pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Colaborou Ana Pompeu