Cidades

Mesmo com plano de enfrentamento às drogas, tráfico corre solto em Brasília

postado em 03/09/2011 08:00
Em um dos flagrantes, feito na hora do almoço no centro da capital, um rapaz repassa a droga para um grupo que está atrás de uma árvore
Dois dias após o lançamento do Plano de Enfrentamento ao Crack e a outras Drogas pelo governo local, o cenário de uso e tráfico de drogas pouco mudou na área central de Brasília. Ontem, em menos de meia hora de observação ; entre as 11h55 e as 12h20 ;, a reportagem do Correio flagrou diversos grupos de jovens negociando a pedra do crack sem serem incomodados pela polícia. Na calçada ao lado do estacionamento do shopping Conjunto Nacional, próximo à Rodoviária do Plano Piloto, três mulheres que aparentavam ter menos de 18 anos faziam o abastecimento. Uma delas segurava um maço com notas de R$ 2 e de R$ 10. Após a venda, as jovens seguiram para o gramado da Torre de TV, onde venderam mais droga para um grupo de pelo menos 12 rapazes. Afoitos, eles se apressavam para consumir a pedra branca que vem destruindo famílias e tirando o sono das autoridades.

Às 12h05, enquanto vendia droga no estacionamento, uma das mulheres vestia casaco cinza, a outra usava calça legging preta e a terceira, blusa rosa regata e short jeans claro. Elas passaram pelo viaduto e caminharam até um grupo de adolescentes, que as esperavam debaixo de uma árvore. Um rapaz também foi flagrado entregando droga a três homens, poucos minutos antes. Depois de distribuir as pedras, as mulheres foram até uma moita e trocaram de roupa, sem se incomodar com quem passava. A garota de casaco cinza, em seguida, aparece com blusa florida e a de calça preta, passou a usar uma blusa branca e short jeans. Já a que inicialmente aparecia de blusa rosa, ficou com uma espécie de top.

A troca de roupa, possivelmente, é uma estratégia para dificultar o trabalho de repressão. No horário do almoço ; quando diminui o número de policiais militares na região ; era possível encontrar homens fumando crack espremidos em pequenos buracos construídos na lateral do viaduto que liga os setores hoteleiros norte e sul. Até o fechamento desta edição, a Polícia Militar não havia se pronunciado sobre a situação.

Estrutural
De quarta-feira até as 18h de ontem, pelo menos 45 pessoas foram presas acusadas de tráfico de drogas no DF, segundo levantamento da Polícia Civil do DF. Adolescentes também acabaram apreendidos. Entre elas, uma jovem de 17 anos, surpreendida por policiais militares no momento em que comercializava pedras de crack, em uma mercearia, na Estrutural. No interior do comércio, foi encontrada uma pedra de crack, uma munição de calibre .38 e R$ 290 em espécie.

A Divisão de Comunicação Social da Polícia Civil do DF informou, por meio de nota, que a Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) tem focado suas investigações nos traficantes que movimentam grande quantidade de entorpecentes, enquanto que as delegacias circunscricionais combatem o tráfico nas regiões de abrangência dessas unidades policiais. A corporação informa, ainda, que o mapeamento e a identificação dos principais pontos de venda e consumo de drogas no DF, bem como a rota utilizada pelos referidos fornecedores, também fazem parte das ações.

Colaborou Saulo Araújo


Abrangência
O programa prevê um trabalho mais efetivo de prevenção, tratamento de usuários e de repressão ao tráfico. No âmbito da saúde, O GDF promete contratar 250 profissionais para atuar nas unidades terapêuticas do DF e nos Centros de Atendimento Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD). Já para identificar os fornecedores de droga, o governo irá investir R$ 700 mil em câmeras de segurança, que serão instaladas na área central de Brasília.

Carência de profissionais
O recém-inaugurado Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD), ao lado da Rodoviária do Plano Piloto, conta com 26 profissionais, mas o número tem se mostrado insuficiente para dar conta da demanda.

Para reforçar o trabalho, segundo a coordenação de Saúde Mental do DF, é preciso contratar mais farmacêuticos, psiquiatras, além de pelo menos um clínico na atual unidade aberta para acolher dependentes químicos e encaminhá-los ao tratamento. Com a carência de médico, o novo Caps está funcionando com a ajuda do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

De quinta-feira até a manhã de ontem, 26 usuários de droga buscaram ajuda para se livrar do vício. Desses, três foram encaminhados a comunidades terapêuticas. Por volta de 11h40 desta sexta-feira, um homem sob efeito de alguma substância química dormia na porta do Caps. Ele, entretanto, recusou o tratamento e foi embora revoltado com a abordagem.

;Têm muitas pessoas que não aceitam o tratamento e isso é natural de encontrarmos. A gente vai precisar de mais profissionais à medida que a demanda for aumentando;, destaca o coordenador da Gerência de Saúde Mental do DF, Augusto César Farias. A gerente do Caps AD, Maria Garrido, informa que está prevista a chegada de mais duas enfermeiras, dois psicólogos e assistentes sociais para a unidade. ;Esse corpo técnico deve chegar em um curto prazo;, garante.

O ambulatório de rua também não funciona até de madrugada. Por enquanto, uma equipe composta por dois agentes comunitários, uma enfermeira, um técnico em enfermagem e um psicólogo trabalha às terças e às quintas-feiras, das 17h às 22h, no Conic, no Setor Comercial Sul e na Rodoviária do Plano Piloto. A previsão é de que, em 15 dias, o ambulatório móvel passe a ser oferecido das 22h às 2h.

Furto

Luciano*, 31 anos, está entre os viciados que cometem crimes para comprar drogas. Ele foi preso na manhã da última quinta-feira, no Itapoã, acusado de tentar furtar objetos do interior de um veículo. O homem confessou ser dependente de crack. Ele já teria furtado outros 10 automóveis na região para manter o vício. Antes de ter a vida devastada pela pedra, Luciano tinha um padrão de vida de classe média e trabalhava como chefe de cozinha. Ele é graduado em dois cursos superiores: gastronomia e telecomunicações. ;Trabalhei nos melhores restaurantes de Brasília;, revelou à polícia.

Luciano garante ter dois apartamentos no Núcleo Bandeirante e um em João Pessoa (PB). O envolvimento com as drogas começou há cerca de um ano, após a morte da mãe. Ele diz que, a partir daí, entrou em depressão e foi internado em uma clínica de recuperação. Lá, teria conhecido pessoas que lhe ofereceram drogas.

(*) Nome fictício

Condenado por assassinato

O Tribunal do Júri de Taguatinga condenou, na última quinta-feira, um homem acusado de matar por conta de uma dívida de drogas. Dyon da Silva Ferreira precisará cumprir 15 anos de prisão em regime inicialmente fechado. Em 21 de janeiro deste ano, segundo a acusação, ele teria assassinado a facadas o morador de rua Dênis Alves de Sousa, no Riacho Fundo. De acordo com o processo, o crime ocorreu porque a vítima não quitou a dívida com Dyon. O réu negou as acusações, mas vai responder por homicídio qualificado (por motivo torpe).

O que diz a lei
A Lei n; 11.343, de 23 de agosto de 2006, prevê punições distintas a usuários e traficantes. Aos primeiros, estabelece três tipos de pena: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade (de cinco a 10 meses) e medida educativa.

Para quem produz ou comercializa drogas, a pena é de cinco a 15 anos de reclusão e pagamento de multa. Cabe ao juiz responsável pelo caso determinar se a finalidade da droga apreendida é para consumo ou comercialização.

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