Cidades

Crianças e adolescentes sem opções de diversão na Estrutural

Antonio Temóteo
postado em 04/09/2011 08:10

Natan (de amarelo) dribla o amigo numa quadra improvisada na terra que toma conta da Estrutural:

José Roberto de Souza Sales, 12 anos, divide o dia entre as tarefas domésticas e os estudos. Pela manhã, ajuda a mãe, Celma de Souza, 34, a cuidar dos quatro irmãos mais novos, limpar a casa, preparar a comida, lavar a louça e dar banho nas crianças. À tarde, cursa o quinto ano no Centro de Ensino Fundamental do Guará e faz um curso de desenho. O garoto tem pouco tempo para brincar ou se divertir. Mas, mesmo que tivesse de sobra, faltam opções de lazer na cidade em que vive. Morador da Estrutural, José Roberto faz parte das estatísticas que apontam que 35,2% dos 25.732 habitantes da região administrativa têm até 14 anos, proporção acima da média de todo o Distrito Federal (25,5%).

;Não me divirto com quase nada e, às vezes, preciso matar aula porque minha mãe tem que trabalhar. Faltam quadras para jogar futebol e parquinhos para brincar;, lamenta. Para Celma, o primogênito é o ;braço direito;. Mas ela também desabafa e diz que sofre porque dois dos cinco filhos não estão matriculados na escola. Antônio José de Souza, 5 anos, e Maylah Cristine Souza, 2, nunca entraram em uma sala de aula. ;Procurei vagas aqui na Estrutural e em outras cidades, mas não consegui. O André só tem cinco meses e daqui a pouco vou tentar uma creche;, conta. Antônio sonha ser músico, mas passa a maior parte do tempo jogando bolas de gude com o irmão José Juliano de Souza, 9 anos. ;Quero aprender a ler;, diz Antônio.

José Roberto (E) precisa ajudar a mãe a cuidar dos irmãos mais novos: sem tempo nem opções para se divertir

Abandono
Os amigos Rafael Leite Cavalcante, 14 anos, e Natan Pinheiro Sousa, 12, reclamam que só podem jogar bola ou soltar pipa na rua, pois as quadras estão quebradas e não existem parques. E lamentam não haver escolas na Estrutural. Rafael estuda no Cruzeiro e Natan, no Guará. ;Seria melhor ter uma escola mais perto de casa. Chego atrasado com frequência porque o ponto em que pego o ônibus é longe;, lamenta Rafael.

Para Natan, a inauguração da Vila Olímpica da cidade seria uma alternativa para suprir a necessidade de espaços para esporte e diversão: ;Quando a gente joga bola na rua, os vizinhos reclamam que a bola bate no portão ou nos fios de energia. Seria excelente jogar no campo da vila. Está tudo pronto e não sei por que continua fechada;. A obra ainda não foi entregue porque falta o vestiário. A unidade é a mais cara das vilas olímpicas. Custou mais do dobro do previsto inicialmente, que era R$ 7,5 milhões. Até agora, R$ 16,72 milhões foram gastos na construção inacabada.

Desafio
A administradora da Estrutural, Maria do Socorro Torquato, admitiu que faltam opções de lazer na cidade, mas disse que a situação mais grave está relacionada à educação. De acordo com ela, 2,3 mil crianças de zero a 6 anos estão fora da escola e também não existe colégio público que atenda alunos de ensino médio. ;Com as escolas, é possível direcionar uma atividade de socialização. A cidade está totalmente desorganizada em termos de acesso a áreas de lazer. Hoje temos três quadras de esporte, das quais duas estão em processo de licitação para reforma. Queremos construir parquinhos próximo a essas áreas. A Vila Olímpica também precisa de um sistema de águas pluviais;, detalhou.

Segundo Maria do Socorro, existe um projeto para construção de mais duas escolas e três creches com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas esse processo ainda está em fase de licitação. ;Precisamos de pelo menos 4 mil vagas para atender crianças da Estrutural, sem levar em consideração os alunos de creche. É um desafio enorme, mas as possibilidades são grandes. A Estrutural parecia ser uma cidade abandonada e, agora, é uma questão de vontade política para tirar os programas do papel.;

Educação Integral
Na avaliação de Célio da Cunha, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), a equação falta de escolas mais crianças nas ruas implica em uma preocupação de toda a sociedade. Ele avalia que a solução para esse problema passa pelo êxito do projeto do GDF de modificar o conceito da educação integral na cidade.

;Lugar de criança é na escola e não na rua. Acredito que a política anunciada pelo governo deva ser implantada de forma urgente porque jovens desprotegidos, mal alimentados, sem a educação apenas se prejudicam. Os primeiros anos de vida são decisivos para a formação do indivíduo. É quando todo desenvolvimento físico, emocional e afetivo ocorre. Daí a importância de
mudar esse cenário para beneficiar os jovens carentes;, explicou.

Cunha também defende que as atividades educativas do governo devem ser integradas entre todas as secretarias. ;Todo governo precisa olhar em uma única direção e, dessa forma, é possível viabilizar um planejamento racional que enfrenta vários fatores;, completou.

A Secretaria de Educação espera entregar, no primeiro semestre de 2012, 13 escolas na Estrutural, no Itapoã e no Sol Nascente com uma nova metodologia de ensino integral. Para isso serão feitas reformas nos espaços, treinamento para o corpo docente e reformulação do currículo escolar.

A Estrutural em números

9.057 - Crianças com até 14 anos

4 - Escolas na cidade

2.300 - Crianças com até 6 anos fora da escola

556 - Analfabetos

13.535 - Pessoas com ensino fundamental incompleto

3.216 - Com ensino médio completo

128 - Com curso superior completo

4 mil - Deficit de vagas no ensino público da Estrutural

Fonte: PED-DF e Administração da Estrutural

Para saber mais

De aterro a cidade

Localizada às margens da DF-095, a Estrutural surgiu ainda na década de 1960 e teve como destinação inicial o estabelecimento de um aterro sanitário de todos os dejetos produzidos por Brasília. Entretanto, a coleta e o despejo do lixo de Brasília na região atraiu pessoas que buscavam uma fonte de renda. Com moradias precárias, nenhuma infraestrutura nem planejamento de desenvolvimento urbano, os imigrantes deram início à ocupação dessa área. O Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA) foi criado em 1989 e a Administração Regional, apenas em 2004.

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