Em certos grupos de jovens, ser aceito implica cumprir rituais. Um deles é beber. Na cabeça de muitos garotos, fazer uso de álcool significa provar a masculinidade. No processo de construção da identidade juvenil, a bebida é encarada como algo capaz de mudar a imagem de um indivíduo perante os amigos. No entanto, essa percepção de benefício que o álcool traz cai por terra quando os conflitos pessoais decorrentes da embriaguez se tornam mais acentuados.
Muitos adolescentes podem entrar em um caminho sem volta. Basta percorrer o DF para flagrar o consumo indiscriminado de álcool por aqueles que nem atingiram a maioridade. Na última sexta-feira, por exemplo, um grupo de estudantes bebia vinho, às 15h, próximo ao colégio onde estudam na Asa Sul. O local escolhido pelos adolescentes, com idade entre 15 e 17 anos, era o pilotis de um prédio na 411 Sul. Lá, os encontros acontecem pelo menos duas vezes na semana.
Não importa se o dinheiro é pouco. O que vale é reunir os amigos e consumir bebidas alcoólicas, que são sempre compradas por alguém maior de idade. ;Já pedimos até para um morador de rua. A gente dá umas moedinhas para ele e fica tudo certo. Os mercados não estão vendendo para adolescentes;, contou um jovem de 17 anos. Os estudantes disseram que a bebida é escolhida conforme a quantia recolhida na ;intera; (valor arrecadado entre eles). ;Hoje, estamos bebendo vinho porque tínhamos pouco dinheiro. Mas gostamos mesmo é de vodca com energético;, disse uma aluna do ensino médio.
Roupas extras
Para evitar problemas com a escola, os estudantes levam roupas extras e tiram o uniforme para ingerir bebida alcoólica livremente. ;Fazemos isso para tirar a responsabilidade do colégio. E quando um dos amigos fica muito bêbado, a gente espera melhorar. Depois, cada um pega o ônibus e vai embora;, explica outro jovem.
Mas a cena não é comum só no Plano Piloto. Em Ceilândia Norte, a reportagem flagrou dois garotos que consumiam cerveja na esquina da QNM 24. Eles admitiram ter comprado as garrafas em um pequeno comércio da quadra, sem que precisassem apresentar documentos. ;Nas festas, a gente compra com muita facilidade e ninguém nunca pede identidade;, contou o mais velho, de 17 anos. Ele afirma que começou a beber aos 14. ;Experimentei e gostei. Hoje, eu bebo de tudo o que tem álcool.;
[SAIBAMAIS]Um deles disse não acompanhar mais os colegas mais experientes nas ;brincadeiras de virar o copo;. Outros jovens, com idade entre 15 e 17 anos, explicaram como encaram a pressão e a dificuldade em serem tachados de caretas entre os amigos. Paulo*, 15 anos, teve a primeira e a última experiência com álcool no começo deste ano. ;Quando comecei a ficar bêbado, lembrei do meu avô, que era alcoólatra e morreu, e decidi que nunca mais iria beber;, garante, acrescentando que é alvo de críticas dos colegas.
(*) nome fictício
Palavra de especialista
;O consumo de álcool entre adolescentes preocupa porque percebemos que as regras feitas para impedir o acesso às bebidas não são respeitadas. As pessoas têm de colocar na cabeça que bebida é uma droga ilícita, sim, para menores de 18 anos. Defendo uma atitude nacional de enfrentamento à venda para crianças e adolescentes e o Estado deveria cumprir o papel que lhe cabe, que é o de fiscalizar. Alguns estudos apontam a facilidade com que os jovens têm de comprar bebida e, mesmo assim, não há um rigor no combate. Se uma atitude enérgica fosse tomada, garanto que 30% dos estabelecimentos comerciais seriam fechados. Mas não há interesse. Para a maior parte da população, álcool é um produto qualquer, como arroz e feijão, e isso é uma temeridade. Os meninos e meninas que bebem contam com a anuência dos pais e esses, por sua vez, terceirizam a responsabilidade à escola, quando, na verdade, a solução seria a associação entre pais, escola e uma forte política de prevenção. O resultado em ignorar essa associação pode ser percebido todos os dias nas ruas: jovens recém-saídos da adolescência dirigem embriagados, atropelam, morrem, matam e a sociedade continua achando que beber precocemente é normal.;
Carlos Salgado, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead)