Entre dois palácios
São duas vilas numa só, a dos recém-chegados e a das famílias pioneiras, a de classe média alta e a dos candangos que vivem contando os trocados. Vista de longe, das largas vias de acesso, a Vila Planalto parece ter perdido os rastros de sua história. Do lado de dentro, porém, verifica-se que as marcas dos antigos acampamentos de operários continuam lá e os candangos também. Pesquisa da Codeplan, de 2009, revela que 60% dos moradores chegaram à vila antes de 1980.
Com sua sombrinha feita de folhas de leocena, Maria José Arraes, 66 anos, mora na vila há 48 anos e, ao mesmo tempo em que festeja a urbanização da cidade — “antes era só rato e barata” — , reclama dos altos preços dos alimentos e dos serviços. “O padrão de vida ficou alto e a coisas são aqui muito caras.” Piauiense de Floriano, Maria José, até hoje, ajuda parte da família que continua no Nordeste. Ela sabe que mora num lugar que a cidade não destinou a ela. “Pobre merece morar no subúrbio”, diz, com ironia. Afiada nas palavras, Maria José usa um dito popular para explicar suas conquistas na capital do país: “Boi solto se lambe. Amarrado, só a ponta do nariz”.
A vila nasceu dos primeiros acampamentos montados para acolher operários que vieram construir o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel. Foi a primeira ocupação do Plano Piloto. Surgiu para ser provisória, mas resistiu graças à teimosia de mulheres e filhas de candangos que, na década de 1980, conseguiram o direito de permanecer numa das áreas mais privilegiadas da cidade — entre dois palácios, próxima ao Lago Paranoá, com vista para o Congresso Nacional.
A proximidade com a Esplanada dos Ministérios transformou a Vila Planalto num polo gastronômico e mudou a vida de gente como Tia Zélia. De vendedora de bolo, pão de queijo, cachaça, peixe salgado, mel, carne de sol, Avon e tudo mais que coubesse numa sacola, Zélia é hoje uma microempresária bem-sucedida e célebre. A baiana nascida na Fazenda do Espinho, perto de Barra de São Francisco, ficou famosa depois que os jornalistas descobriram que ela cozinhava para o então presidente Lula. Alertado por um funcionário do Palácio do Planalto de que na Vila havia uma cozinheira que fazia uma rabada da melhor qualidade, o PR encomendou uma marmita e ficou freguês do tempero da baiana.
Tia Zélia é uma entre muitas. Com a chegada da classe média, média alta, e com os restaurantes, a vila consegue misturar o poder e os pioneiros, a burocracia do Estado e o Brasil popular. Mesmo assim, as belas casas das margens da vila podem enganar o observador. A Vila Planalto ainda é muito mais pioneira que estrangeira. As placas de endereço são a prova de que a história de Brasília ainda mora no território dos antigos acampamentos de operários.
DE FAMÍLIA
A Vila Planalto é a região com maior percentual de moradores com mais de 60 anos em todo o Distrito Federal: 11,7% contra a média de 7,8%. Ainda segundo a Codeplan, na Vila os homens se apresentam como chefes de família e é reduzido o número de divórcios, 2%.
50% dos 7 mil habitantes ganham até cinco salários mínimos. Mesmo ainda sendo uma cidade fortemente candanga, 10% de sua população ganha mais de 20 salários mínimos.
COZINHA FELIZ
O restaurante da Tia Zélia serve comida brasileira e uma contagiante força e alegria de viver da baiana que mora na vila há quase 40 anos. Com ela, o cãozinho contente e os alumínios brilhantes.
Arte do cerrado
O artista plástico José Carlos Menezes mora no Lago Norte e tem ateliê na vila. Dedica-se à ilustração científica de plantas do cerrado num prédio moderno que a filha, arquiteta, projetou.