postado em 17/09/2011 08:00
Juscelino Kubitschek, durante o exílio, em Paris" />Ao morrer, Juscelino Kubitschek carregava no bolso do paletó o recorte de um artigo publicado em jornal. O título dizia ;Brasília não vê JK chorar;, com assinatura do jornalista Carlos Chagas. O texto era fruto de uma visita silenciosa que o ex-presidente fez à capital, em 1972, a primeira sem supervisão dos militares depois do exílio. Idealizador de Brasília, JK esteve proibido de visitá-la durante um longo tempo. Sentia-se como um pai que não acompanha o crescimento dos filhos. No retorno à capital, emocionou-se.
Amanhã, Brasília ficará um pouco mais íntima de JK, ao ver de perto seu pranto. O triste período vivido pelo ex-presidente fora do Brasil, por imposição da ditadura, vai ganhar a tela de cinema. O lançamento do documentário JK no exílio está marcado para as 19h, no Museu Nacional. Todos os convites já foram distribuídos. Antes da exibição, os organizadores prepararam uma seresta ; estilo musical apreciado por Juscelino ; para animar o público.
A intenção é aproximar os espectadores do homem-mito. Detalhes sobre a vida do político na França, à época em que teve seu mandato cassado, são revelados no filme por pessoas próximas a Juscelino. A principal entre elas é a ex-secretária Maria Alice Gomes Berengas, atualmente com 88 anos, a fiel escudeira de JK durante os tempos em Paris.
O documentário é uma produção franco-brasileira, com 51 minutos. O pré-lançamento ocorreu em 10 de setembro, em Diamantina (MG), terra natal de Juscelino. ;A exibição em Diamantina foi emocionante. Sala cheia, convidados muito especiais, as pessoas bastante comovidas com as revelações que o filme traz. No dia seguinte, na cerimônia de entrega da Medalha JK, com a qual tive a honra de ser agraciado, o documentário era o assunto em Diamantina;, relatou um dos diretores do filme, Charles Cesconetto. Também está prevista exibição do documentário na Câmara dos Deputados, em data a confirmar.
No dia 12 último, JK completaria 109 anos. Na fita, há também depoimentos de Carlos Heitor Cony, do coronel Affonso Heliodoro (um dos melhores amigos de JK e morador de Brasília), e da filha Maria Estela Kubitschek. O documentário começou a ser filmado em 2008. Tem cenas em Paris, no Rio de Janeiro e em Brasília. Ficou pronto no fim do ano passado.
A secretária
Uma das revelações é que, apesar dos boatos espalhados à época da ditadura de que JK era a sétima maior fortuna do mundo, os Kubitschek viviam com simplicidade. Passaram por problemas financeiros. Receberam ajuda de amigos, que dão depoimentos a respeito.
A leitura de cartas enviadas por JK aos familiares durante o exílio na França traz emoção ao filme. ;Não há primavera nessa terra. As árvores estão verdes e as flores coloridas. Mas o sol, que é propriedade comum, se esconde sempre atrás de nuvens carrancudas e hostis. Isso reflete na alma da gente e só convida a pensamentos que trazem o tom das nuvens, cor de spleen;, escreveu, em Paris.
Para a família, a exibição do documentário é a chance de apresentar uma face pouco conhecida de JK. A oportunidade serve também para apresentar ao público de Brasília a figura importante de Maria Alice na história dos Kubitscheck. Ela era secretária de Juscelino, na França, pessoa de inteira confiança a quem o ex-presidente destinou a missão de datilografar suas memórias.
A princípio, o filme queria resgatar a história de vida de Maria Alice. O professor brasileiro Carlos Alberto Antunes Maciel ; dono da ideia original do documentário ; morava na França, onde conheceu a secretária. Foram necessários mais de 15 anos até que Maria Alice permitisse contar sua história. ;Ela abriu seu coração e seus arquivos;, disse Carlos Alberto. Ao ouvir os relatos, o professor decidiu contar os detalhes do exílio, por meio da voz e da memória da dedicada secretária. Convidou o diretor Charles Cesconetto, seu amigo de Florianópolis, e o cineasta francês Bertrand Tesson para dar forma ao projeto.
Encontro
Maria Alice é filha de um diplomata. Ela e JK se conheceram por meio de um amigo em comum, brasileiro e professor universitário, que morava no país. Quando soube que JK havia se mudado para Paris, o acadêmico pediu a Maria Alice, que trabalhava no Centro Internacional de Conferências, para fazer companhia ao político. Do encontro, nasceu, além da afinada sintonia profissional, uma relação de amizade inabalável.
A secretária foi perseguida pela ditadura, por ser próxima a JK. Quando o ex-presidente retornou ao Brasil para prestar esclarecimentos aos militares, em 1965, Maria Alice veio com ele. No momento do embarque de volta para o exterior, ela teve os dois passaportes ; brasileiro e francês ; retidos.
Precisou sair do país de navio. Já na França, Maria Alice foi interrogada várias vezes. São ocasiões das quais ela não gosta de lembrar, como relata no documentário. ;Eles pediam que eu dissesse coisas que, mesmo se soubesse, não ia falar. Queriam saber da vida pessoal do presidente. Para mim, a lealdade era o mais importante;, contou Maria Alice, em depoimento para o filme.
Foi somente no ano passado, quando as filmagens acabaram, que ela teve seus passaportes devolvidos. Esse momento é mostrado pelas câmeras. Maria Alice esperava conhecer Brasília e acompanhar o lançamento do filme, mas problemas de saúde impediram a viagem. ;Ela mandou uma mensagem de solidariedade e agradecimento;, disse Carlos Alberto. Hoje, Maria Alice vive em Lisboa, em um asilo da Cruz Vermelha.
Tom melancólico
O termo é usado em francês para representar tristeza e melancolia. Vem do grego splen, adaptado para o inglês como spleen (baço ou spleno). O órgão, na teoria dos humores ; de acordo com o pensamento grego da Antiguidade ;, era relacionado a esses sentimentos devido à presença da bile negra, acumulada nessa parte do corpo e associada à negatividade. O médico Galeno de Pérgamon acreditava que a melancolia vinha da ocupação do cérebro pela bile negra.