Pelo menos do ponto de vista dos salários, há na Câmara Legislativa uma Corte tal qual a de desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Vinte e dois servidores que atuam na Casa ganham como os juízes mais graduados do Judiciário local. Recebem R$ 24.117,62 cada, sem contar o auxílio-creche de R$ 700 e o tíquete-alimentação de R$ 695. Trata-se do valor máximo permitido para o funcionalismo no DF. É mais do que os 24 deputados ganham e chega a 90,25% do subsídio pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que recebem o teto constitucional de R$ 26,7 mil.
Para bancar os salários do grupo que conta com o privilégio de ter o contracheque no teto, é preciso uma bolada que sai dos cofres públicos de R$ 7,6 milhões ao ano. O orçamento total do Legislativo local é de R$ 202,2 milhões, quantia que atende a quase 1,8 mil servidores da Câmara. Os maiores salários da Casa são pagos a chefes de gabinete, de departamentos, assessores especiais e consultores. Dos 22 funcionários, seis foram requisitados de outros órgãos do poder público e 16 pertencem à carreira da própria Câmara Legislativa.
Os contracheques polpudos ; que superam as remunerações dos distritais (R$ 21 mil) ; são, na maioria das vezes, uma sobreposição de salários e gratificações. O acúmulo de funções, muitas vezes, ultrapassa os R$ 24,1 mil permitidos por lei. Mas, nesse caso, há um dispositivo legal que impede o pagamento de cifras superiores a essa quantia. Por isso, esses trabalhadores ficam com os contracheques glosados. Tudo o que ultrapassar o subteto constitucional é automaticamente devolvido aos cofres públicos. É o que ocorre com os abastados da Câmara Legislativa.
Os casos mais comuns de altos salários na Câmara são os de consultores, que já ganham bons salários de partida. O cargo exige nível superior e paga R$ 9,8 mil aos recém-aprovados em concursos públicos. No fim da carreira, esse valor pula para R$ 15,3 mil. Ao longo dos anos, os deputados aprovaram normas que permitiram aos servidores acumular gradativamente parte dos valores percebidos em funções aos salários, circunstância que ajudou a elevar os pagamentos de alguns funcionários. Em outros casos, como é a situação de um perito da Polícia Civil que foi requisitado para o Legislativo, ele já ganhava um alto salário no seu cargo de origem e a função na Casa só deu um empurrãozinho para o salário chegar ao topo do funcionalismo no DF.
Subteto
A legislação atual estabelece que o subteto para o funcionalismo local deve ser o subsídio dos desembargadores do TJDFT. Mas, antigamente, a comparação era feita com a remuneração do governador. Uma mudança na lei em 2005, no entanto, alterou essa regra (veja O que diz a lei), permitindo que a referência, em vez de ser o pagamento feito ao chefe do Executivo, fosse o salário dos desembargadores, que até o início do ano era mais alto que o do governador.
Este ano, no entanto, o governador Agnelo Queiroz (PT) aumentou o próprio salário para R$ 26 mil, bem próximo ao que recebe o ministro do Supremo. A alteração gerou a expectativa de alguns servidores da Câmara que ganham os R$ 24,1 mil de teto sobre a possibilidade de retomar a comparação com os salários do chefe do Executivo. Consultas informais foram feitas à assessoria jurídica, que alertou sobre a necessidade de mais uma alteração da lei, com edição de nova emenda. Uma mudança como essa provocaria um desgaste do tamanho dos salários dos servidores, motivo por que o movimento foi discreto.
Por meio da assessoria de imprensa, a Câmara informou que cumpre a legislação para lidar com os casos em que os salários de servidores somam quantias além do teto constitucional do DF. Nas situações em que os valores dessas remunerações ultrapassam os R$ 24,1 mil, é feito um corte no excedente, conhecido como abaixo teto. Segundo a assessoria, não há nenhum projeto em tramitação no sentido de alterar a lei que fixa o subteto do funcionalismo local com o salário dos desembargadores.
De olho no nepotismo
Terminado o prazo na sexta-feira para que os servidores da Câmara informassem se estão enquadrados em algum caso de nepotismo, a presidência da Casa fez um diagnóstico preliminar. A partir dos primeiros dados, foram detectadas, pelo menos, 50 situações de parentesco entre servidores comissionados. Dos 1.061 funcionários que tinham a obrigação de preencher o questionário sobre nepotismo, 680 responderam ao relatório, o que equivale a 57% do total. Quase a metade, no entanto, ignorou a determinação. Esses servidores, segundo a assessoria de Comunicação da Câmara, terão suas condições investigadas pela direção da Casa, que fará um cruzamento de dados para descobrir se há irregularidade. Nos próximos 30 dias, os cadastros entregues vão passar por uma conferência. Se houver comprovação de que houve má-fé na prestação de informações, os servidores responsáveis podem receber punição administrativa e até financeira.
O que diz a lei
Editada em 2003, a emenda à Constituição Federal n; 41 disciplinou o valor máximo que poderia ser pago ao funcionalismo público no país, questão discutida desde 1988. O teto fixado foi o dos subsídios de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A mesma legislação criou ; por pressão dos governadores à época ; o subteto para os estados. O texto dizia que a remuneração de servidores do Executivo não poderia ultrapassar os salários do governador. Também foi criado um subteto para os poderes Legislativo e Judiciário.
Dois anos depois, no entanto, em 2005, uma nova emenda flexibilizou essa regra para o cálculo do teto local. Na ocasião, passou a ser permitido que se adotasse nos estados um único subsídio como subteto nos estados. Dessa forma, o artigo 19, inciso 10 da Lei Orgânica foi alterado pela emenda n; 46, de 2006, e adotou a remuneração de desembargadores do Tribunal de Justiça do DF e Territórios como teto único para os servidores do Distrito Federal. Também foi editada a Lei Distrital n; 3.894, de 12 de julho de 2006, que reproduz a disposição do artigo 19 da Lei Orgânica.
Essa é a regra que justifica salários de até R$ 24.117,62 para servidores públicos no DF. No início deste ano, quando o governador Agnelo Queiroz (PT) assumiu o mandato, determinou, por meio de um decreto, que o salário do chefe do Executivo passasse a R$ 26.055,05, bem próximo aos R$ 26,7 mil que ganham os ministros do Supremo. Para os demais servidores, no entanto, permanece o subteto limitado aos subsídios dos desembargadores.