Renato Alves
postado em 22/09/2011 10:20
Toronto ; Brasília protagoniza um filme inglês em exibição na América do Norte que ganha as telas da Europa até o fim do ano. Sem título em português nem previsão de estreia no Brasil, o documentário Urbanized mostra projetos e a realidade de metrópoles modernas. Com destaques, positivos e negativos, para as largas vias e enormes áreas verdes do Plano Piloto de Lucio Costa.O Correio assistiu à estreia mundial de Urbanized, no 36; Festival Internacional de Filmes de Toronto, no Canadá, encerrado no último domingo (leia Para saber mais). A produção recebeu elogios dos críticos de cinema e arquitetura. Terça-feira, a obra estreou nos Estados Unidos, como parte da Semana de Design Urbano de Nova York. Ela integra uma trilogia sobre design dirigida pelo inglês Gary Hustwit.
Com uma linguagem acessível, Urbanized examina projetos de construção de cidades e o desenho urbano, com exemplos de todo o mundo e entrevistas com arquitetos, políticos, artistas e urbanistas. Além de Brasília, somente duas outras metrópoles brasileiras são citadas: Curitiba e Rio de Janeiro. A capital nacional ocupa mais espaço, mas a paranaense aparece como modelo a ser seguido.
Enquanto Curitiba é apresentada como exemplo no transporte público, que inspirou profundas mudanças em Bogotá (Colômbia), especialistas entrevistados no documentário falam de Brasília como uma cidade quase perfeita esteticamente, mas nada funcional. Eles criticam, principalmente, a falta de mobilidade dos moradores, devido às largas avenidas e à falta de calçadas e travessias seguras para pedestres.
Para os arquitetos de Urbanized, Lucio Costa errou ao pensar uma metrópole setorizada com quadras tão longe umas das outras. Distâncias impossíveis de serem percorridas a pé por um cidadão comum, o que contribui para o uso irracional de carros e os consequentes congestionamentos e poluição, segundo os entrevistados.
Em defesa do amigo, o arquiteto Oscar Niemeyer rasga elogios ao projeto urbanístico do Plano Piloto, que ajudou a ocupar com seus prédios-monumentos. Ele diz não ter dúvida que se trata de uma obra-prima da arquitetura mundial e, contrariando os críticos, afirma ter pensado, com Lucio, ;em um cidade voltada para o ser humano;. Ressalta que um projeto urbanístico deve ter o cidadão como prioridade.
Além de Niemeyer, Urbanized traz entrevista com pensadores como Norman Foster, Rem Koolhaas, Amanda Burden e Michael Sorkin. Em entrevista durante o Festival de Toronto, o diretor Gary Hustwit disse que se interessou em explorar o desenho das cidades porque, ;ao contrário de muitos outros campos do design, as cidades normalmente não são criadas por qualquer especialista ou um expert;.
Experiências
Urbanized apresenta ainda novas estratégias para enfrentar os desafios das cidades que experimentam um crescimento explosivo e das que estão encolhendo. De acordo com a película, os desafios da habitação, de equilíbrio, mobilidade, espaço público, engajamento cívico, desenvolvimento econômico e política ambiental estão se tornando preocupações universais. No entanto, grande parte do diálogo sobre essas questões é desconectado do domínio público, na visão do autor do longa-metragem.
Gary Hustwit e sua equipe filmaram mais de 300 horas de imagens em cidades de continentes distintos. Nas locações, capturaram as opiniões de gente como o renomado arquiteto Jan Gehl, para quem ;uma boa cidade é como um bom partido (como em um relacionamento amoroso); e do ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa, que mudou a metrópole priorizando a construção de calçadas.
Peñalosa criou um plano para colocar transporte público à frente dos automóveis particulares. Descrevendo sua missão, ele cita, no filme, a Constituição colombiana: ;Todos os cidadãos são iguais perante a lei. Isso não é apenas poesia;. A declaração arrancou aplausos da plateia.
Em Santiago (Chile), o arquiteto Alejandro Aravena fala de novos modelos para habitação de baixa renda. Na Cidade do Cabo, o urbanista Tarna Klitzner explica como as melhorias no trânsito ajudaram a diminuir em 40% a criminalidade em Khayelitsha, maior favela da metrópole sul-africana. Em Nova Orleans (EUA), o artista Doce Chang chama os moradores para manifestarem o desejo de alguma intervenção pública colocando adesivos nos prédios abandonados onde se lê ;Gostaria que esse fosse...;.
Já em Detroit (EUA), os moradores de um bairro ocupam lotes vagos com hortas comunitárias. Em Stuttgart (Alemanha), os manifestantes lutam contra um plano de derrubar árvores bicentenárias para construção de novos edifícios.
O diretor do filme considera como maior contribuição do documentário justamente a troca de experiências. ;Há muito potencial para a partilha de ideias de cidade para cidade;, comentou. ;O mesmo tipo de soluções que possam ser empregadas nas cidades da África do Sul é, provavelmente, igualmente viável para as ruas de Cleveland (EUA);, completou.
Tema único
Urbanized é o último filme sobre design da trilogia assinada por Gary Hustwit. Os outros são Helvetica, lançado na edição de 2007 do Festival de Toronto, e Objectified, de 2009. O primeiro documentário olha para o mundo da tipografia e do design. Já o segundo mostra nossa complexa relação com os objetos fabricados e, por extensão, com as pessoas que os concebem.
Documentarista
Gary Hustwit não é um designer, mas ganhou notoriedade no mundo do cinema por fazer a trilogia de filmes sobre design. Antes desses longa-metragens ; os únicos da carreira ;, trabalhou como produtor em outros três, de 2002 a 2005. Morando entre Nova York e Londres, ele é ex-vice-presidente da Salon.com e cofundador da empresa cinematográfica independente Plexifilm.
* O repórter viajou a convite da agência de turismo de Toronto