postado em 23/09/2011 07:58
Ocupado irregularmente nos anos 1970, o Varjão foi legalmente reconhecido pelo governo em 1991, mas os problemas com invasões não terminaram. A despeito das políticas de remoção e remanejamento dos últimos anos, a cidade tem hoje 54% dos moradores vivendo em áreas não regularizadas. O dado está na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad), divulgada ontem pela Companhia de Desenvolvimento do Distrito Federal (Codeplan). São habitantes precariamente alojados em barracos de madeirite, sem acesso a água encanada e que obtêm energia elétrica por meio de gambiarras. O desafio do poder público para os próximos anos será o de resolver o problema e ainda lidar com questões como a baixas escolaridade e de renda, já que 46% dos moradores não concluíram o ensino fundamental e 16,5% ganham menos de um salário mínimo. Hoje, a maior parte das moradias irregulares do Varjão está concentrada na Quadra 11. Famílias que moravam em outras áreas foram enviadas para o Itapoã e para um conjunto de apartamentos construído para abrigá-las. A Codeplan acredita que os movimentos de transferência influenciaram a taxa de crescimento da cidade, que de 2004 a 2011 foi negativa, de -1,4%. ;Isso significa que, no período, cerca de 500 pessoas deixaram a região administrativa;, informa Júlio Miragaya, diretor de Gestão de Informações do órgão. A população da cidade é de pouco mais de 5,3 mil habitantes.
Mas não são todos os moradores que se resignam a ir embora. A proximidade do Varjão com o Lago Norte e o Plano Piloto, que, juntos, garantem 53,2% dos empregos locais, é um forte estímulos para ficar. O autônomo Wenis de Oliveira Alves, 27 anos, mora na Quadra 11 há seis anos com a companheira e dois filhos, e não deseja sair da cidade onde nasceu. ;Saí da casa da minha mãe e montei meu barraco. Estou esperando minha vez. Dizem que o governo vai construir um predinho;, comenta, esperançoso.
Anderson Luís Alves, 29 anos, também mora na Quadra 11 e vive de bicos de marcenaria e carpintaria como Wenis. Sua história é parecida com a do amigo. ;Minha família já morava no Varjão quando eu nasci. Apesar de estar difícil arranjar trabalho, aqui a gente já conhece o lugar e se vira;, diz. Anderson, que cursou até a 6; série do ensino fundamental, queixa-se da dificuldade de conseguir um emprego formal. ;Hoje, você tem que ter o ensino médio completo até para varrer a rua;, afirma. Os filhos de Anderson e Wenis estudam na única escola da região administrativa, que oferece formação até a 4; série do ensino fundamental.
Segundo o administrador do Varjão, José Maria Martins dos Santos, a Quadra 11 é uma área de transição. De acordo com ele, um novo prédio com apartamentos de dois quartos será construído para receber parte das famílias. A alternativa para as demais é ir para o Itapoã ou de Samambaia.
Recorrente
Para o sociólogo Marcel Bursztyn, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em socioeconomia e políticas públicas, enquanto as medidas adotadas para resolver questões habitacionais como a do Varjão forem pontuais, o problema será recorrente.
;Apenas se dá início à regularização de uma área e o processo de ocupação começa outra vez. Vale lembrar que não acontece somente com as populações de baixa renda. É comum a todos os estratos sociais, dos mais pobres aos mais ricos. Criou-se uma cultura de que Brasília é o lugar em que você vai ganhar terras do Estado;, analisa.
Bursztyn acredita que a estabilização do crescimento vegetativo da população tanto do país quanto do DF amenizará o problema da demanda por moradia. No entanto, ele chama a atenção para o fato de Brasília ser ainda um forte polo de atração para pessoas em busca de trabalho.
A auxiliar de serviços gerais Adriana Araújo dos Santos, 27 anos, é prova viva disso. Baiana da cidade de Valença, ela mudou-se para o Varjão há um mês com o marido e a filha de três anos, com o objetivo de conseguir um emprego. ;A diferença não é tanto o salário. É que aqui tem mais oportunidades;, conta ela, que foi contratada por um restaurante. ;Meu marido ainda não conseguiu nada;, lamenta.
Independência
Antes da construção de Brasília, no fim da década de 1950, as terras do Varjão pertenciam à Fazenda Brejo ou Torto, no município de Planaltina. Elas foram desapropriadas em favor da Terracap. Os primeiros loteamentos irregulares surgiram nos 1970 e 1980. O Varjão era considerado parte do Lago Norte até 2003, quando se tornou região administrativa independente.