Cidades

Nem só de lojas de grife e restaurantes requintados vive o comércio do DF

postado em 25/09/2011 08:17

Terra do consumo de luxo e dos serviços de alto padrão a preços exorbitantes, Brasília atrai cada vez mais um outro tipo de investimento, feito por empresas e marcas que estão de olho no aumento do poder de compra das classes C, D e E. Enquanto grifes internacionais como Burberry, Tiffany . e Gucci chegam à cidade mirando um público de gosto sofisticado e gorda conta bancária, há várias empresas que miram a renda de famílias que ganham de R$ 1,2 mil a R$ 5,1 mil. São lojas de roupas, de chocolates finos, óticas e restaurantes com pratos de até R$ 30 por pessoa.

O interesse na renda dessa parcela da população se justifica. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Distrito Federal 1,16 milhão de pessoas nesse patamar de renda, o equivalente a 45,8% da população. ;Que lógica há em não trabalhar para a classe C, se ela é maioria?;, define Marco Antônio Vieira, coordenador do curso de design de moda do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb) e consultor na área.

Para ele, a indústria da moda foi uma das primeiras onde a nova classe média fincou bandeira. ;As pessoas têm um acesso muito amplificado às informações e imagens por conta de todo o arcabouço audiovisual e midiático. Os desfiles mais importantes do mundo e do Brasil estão na internet e nas redes sociais;, afirma.

De acordo com Vieira, as empresas vêm se adaptando a esse novo consumidor. ;As grandes lojas de departamento estão contratando designers como Alexandre Hercovitch, Reinaldo Lourenço e Cris Barros, que antes trabalhavam apenas para a classe A. Isso já vem na esteira do que acontece na Europa, onde a rede H trabalhou com Karl Lagerfeld, diretor de produção da Channel. O resultado são roupas com as características de uma marca famosa, mas feitas de materiais mais acessíveis ao bolso da classe média;, explica.

No DF, as mais conhecidas redes de departamento nacionais representam esse fenômeno, e o mercado local tem força para comportar mais investimentos. Que o diga Gustavo Mohmnad, sócio-diretor do grupo carioca Opção Jeans. A marca, com fábrica em Petrópolis (RJ) e lojas em vários pontos do país, deixa claro sua especialidade em peças boas, bonitas e baratas, palavras que compõem a tríade de ouro da classe C. A Opção começou sua ofensiva em terras candangas em 2007. Atualmente tem seis unidades, todas em shoppings centers.

De acordo com Mohamnad, a rede começou com foco principalmente na classe B. No entanto, fatores como a estabilidade econômica, o aumento real da renda e o crédito fácil colocaram a classe C no páreo. ;Houve uma influência e um aumento muito grande da participação. É um público que tinha limitações financeiras e a roupa era praticamente uma commodity. Hoje, essas pessoas não compram de qualquer maneira. Entendem um pouco mais do mercado da moda;, avalia o empresário.

Tendências
Moradora de Taguatinga, a estudante Sandra Cecília Silva, 24 anos, se equilibra em um orçamento apertado com o noivo, que é vendedor. O casal tem renda próxima de R$ 3 mil e parte significativa dela fica comprometida com as despesas fixas do mês. ;Só com o aluguel e o financiamento do carro já vai embora metade;, diz a jovem.

Ainda assim, Sandra não abre mão do estilo na hora de se vestir. ;Gosto de compor um visual ao mesmo tempo moderno e retrô;, conta ela, que, para não extrapolar nos gastos, só compra em lojas de departamento e brechós. ;A moda dessas lojas e das mais chiques segue as mesmas tendências de cor, modelagem e corte. Antigamente, elas não tinham muitas coisas legais. Hoje, sempre se sobressaem, trazem o que está bombando lá fora;, opina.

A exemplo da estratégia adotada pelas lojas de departamento de aliar as novas tendências da moda a preços baixos, os sócios Daniel Feitosa e Diego Moreira de Carvalho, proprietários da marca brasiliense de óculos Aloha Eyewear, mantêm um olho no design dos modelos e o outro no preço final. Em média, o valor pelo qual o produto é vendido ao consumidor final deve ser pelo menos 20% mais baixo do que o das empresas do mesmo ramo que atendem as classes A e B.

A empresa tem como garotas-propaganda as Panicats, dançarinas de um popular programa de televisão. Abriu sua primeira loja em 2007, em um shopping no Sudoeste, e já alcançou mercados para além do DF. Possui unidades em Goiás, São Paulo, Manaus (AM), Uberlândia (MG), Curitiba (PR) e Aracaju (SE).

Diego de Carvalho ressalta que os clientes da classe C são criteriosos. ;São consumidores bem exigentes com relação à qualidade do produto. Você tem que dar bastante informação, provar que o artigo é bom. É um cliente que não compra tantas vezes ao ano quanto o da classe A. Então, ele quer gastar bem o dinheiro;, relata. Feitosa comemora a opção acertada por focar na nova classe média. ;Quando abrimos, estava começando o boom do poder de compras deles. A visibilidade maior é agora, mas o crescimento e as facilidades de crédito começaram há cinco anos. Isso pesou para investirmos;, diz o empresário.

E EU COM ISSO

Em Brasília, centro do poder público e das representações internacionais, a renda elevada de uma parcela da população abre caminho para que o setor privado adote preços acima da média de mercado. O custo de vida é em geral muito alto. Um artigo ou serviço não precisa ser de luxo para ter preço elevado. Em um lugar com essas características, empresas dispostas a brigar por espaço usando como arma valores atraentes são muito bem-vindas. A competição, imprescindível em qualquer mercado consumidor saudável, é necessária no DF. Trata-se de uma dinâmica que traz benefícios em todos os sentidos. A economia se expande em número de empregos e qualidade daquilo que é ofertado. As empresas conquistam nova praça e novos clientes. E o cidadão, na ponta do processo, tem acesso a opções cada vez mais variadas em termos de produtos e, o mais importante, de preços.

Glossário

O fenômeno da preocupação da classe média com o valor agregado de marcas e serviços faz com que estudiosos da área inaugurem
conceitos para explicar as novas dinâmicas de mercado que surgiram a partir da situação. Confira alguns deles:

Masstige
; A palavra apareceu pela primeira vez em 2003, em um artigo da revista Harvard Businesse Review. Foi criada pelos consultores americanos Michael Silverstein e Neil Fiske para descrever o comportamento de consumidores da classe média dos Estados Unidos, ou seja, aqueles com renda mensal média de até US$ 4,2 mil (R$ 7,7 mil) por família. Foi constatado que essas pessoas estavam dispostas a gastar mais com um produto que agregasse mais qualidade frente aos concorrentes, especialmente se ele tivesse inspiração em artigos de luxo. O termo é uma junção de duas palavras em inglês: mass (massa) e prestige (prestígio).

Fast fashion
; É o termo utilizado por grandes magazines para designar a produção rápida e contínua de novidades. Para dar certo, o sistema requer coleções compactas, modelos novos e a retirada das vitrines dos produtos encalhados. A estratégia baseia-se na presunção de que o consumidor quer, cada vez mais rápido, abastecer seu guarda-roupa com as peças que acabou de ver sendo desfiladas e que ainda vão ser tendência. Porque essas peças são baratas nas lojas de departamento, dá pra comprar mais, e com mais frequência.

Hi-Lo
; É uma abreviatura para high and low (alto e baixo). Tem como principal característica a mistura de peças sofisticadas e outras mais básicas, ou seja, itens de luxo com elementos mais baratos, que podem ser encontrados em brechós e lojas populares. A ideia por trás do conceito é que a moda agora é mais democrática e deixou de ser um padrão representativo de classe social. O que importa é o estilo de quem usa, e não o preço das peças.

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