Cidades

Segurança se torna uma neurose para os brasilienses e nem o sagrado escapa

Renato Alves
postado em 25/09/2011 11:30

Frequentadores de academias de ginástica escoltados até o carro, crianças proibidas de brincar embaixo do bloco, porteiros treinados para identificar suspeitos, templos religiosos transformados em fortalezas. A segurança se tornou uma neurose para os brasilienses. O medo cresce com a onda de crimes até então nunca vistos na capital, como o arrombamento de apartamentos e os arrastões em restaurantes. Os cidadãos também tentam se proteger contra ocorrências cada vez mais comuns e graves, como o sequestro relâmpago e o estupro. Muitos se trancam em casa em meio às cracolândias espalhadas pelo Distrito Federal e de onde se originam boa parte desse delitos.

O termômetro da insegurança pode ser medido a partir da violação de locais antes considerados sagrados até pelos bandidos. Igrejas de todos os credos têm sido visitadas por criminosos regularmente. Em função do fenômeno, templos ganham equipamentos estranhos a um espaço destinado à fé e à paz espiritual. Cercas elétricas, câmeras, alarmes, portões eletrônicos e todo tipo de aparelho para afugentar ladrões são instalados dentro e fora dos prédios. O caso mais emblemático talvez seja o do Santuário Santíssimo Sacramento, na 606 Sul, onde os padres estão se acostumando a morar em uma espécie de bunker.

A casa dos sacerdotes ganhou portas e janelas reforçadas, sistema de vigilância e uma passarela suspensa e fechada que leva ao templo. Em breve, terá grades. Será toda cercada. As medidas de segurança, que incluem a contratação de vigilantes e a construção de guarita na entrada do santuário, começaram há dois anos, após dois padres serem feitos reféns por uma dupla de homens armados, dentro da casa paroquial. O padre Adriano Scarpalo, hoje com 63 anos, chegou a levar uma coronhada, que lhe rendeu cinco pontos na testa. Após fazer ameaças de morte, os bandidos levaram R$ 1 mil de doações entregues por fiéis, um relógio e o celular do religioso. A polícia nem sequer identificou os suspeitos.


O templo já havia sido atacado. Um mês antes, criminosos entraram sem ser vistos e levaram o cofre da igreja, onde estava parte do dinheiro arrecadado para construir uma capela. Em 2008, durante a mais importante missa de Corpus Christi, ladrões abriram a Saveiro do padre Adriano, que estava no estacionamento interno, roubaram o toca-cd e um cálice. Nem mesmo o reforço na segurança, com a instalação de quatro câmeras ao redor do santuário, espantou a bandidagem. ;Temos pequenos furtos. Pessoas entram aqui como se fossem rezar e aproveitam a distração de fiéis para furtar objetos dentro do templo;, conta o pároco.

Roubo de hóstias
á na Asa Norte, na Quadra 610, os padres da Paróquia do Verbo Divino decidiram aumentar a segurança após um deles ser surpreendido, há dois anos, por dois jovens que fingiam fazer orações no templo. Eles estavam ajoelhados, de cabeça abaixada. Ao passar perto da dupla, um deles apontou uma arma para o sacerdote. Calmamente, o religioso pegou o bandido pelo braço e o conduzi para fora. O jovem ficou sem reação.

Com medo de perder os bens da igreja, os padres decidiram equipar todos os acessos ao templo com 16 câmeras. Mesma quantidade instalada no Santuário São Francisco de Assis, na 915 Norte, que conta ainda com portões eletrônicos, alarme e vigilantes durante todo o dia.

Mesmo com toda a parafernália, o templo, que fica em um complexo com capela, seminário, salão paroquial, quadra esportiva e várias salas, ainda convive com a presença de assaltantes. Há 20 dias, os responsáveis pelo santuário chamaram a polícia após um usuário de drogas tentar assaltar fiéis. Ele já havia roubado uma pessoa. ;O grande atrativo para eles (os bandidos) são os carros, pois o estacionamento chega a reunir 1,5 mil veículos em grandes eventos. Aqui dentro, nossos seguranças conseguem conter os crimes, mas, lá fora, costuma haver furto nos carros deixados na pista;, comenta Paulo Figueira, 59 anos, presidente do Conselho Econômico do santuário.

A preocupação se justifica também por casos como o roubo do sacrário, que guardava centenas de hóstias. O crime ocorreu em 2003 e gerou um prejuízo de R$ 15 mil. Hoje, para manter o aparato de segurança são gastos R$ 10 mil mensais, cerca de 20% da arrecadação. ;Pesa muito, pois não temos uma renda fixa, dependemos de doações. É uma despesa que a igreja não deveria ter, pois aqui é um espaço de meditação;, observa Paulo. Ele diz ainda que o templo sempre recebeu muitos pedintes, mas, os de hoje, têm perfil diferente. ;Antes, eles vinham sob efeito de álcool, incomodavam, mas não ameaçavam. Hoje, são usuários de crack, mais agressivos.;

Executado no altar
Em alguns casos, a violência em templos religioso chega ao extremo, como na sede da Assembleia de Deus Missão para Cristo, em São Sebastião. Em março de 2009, em pleno culto, um jovem foi executado próximo ao altar onde o pastor orava. O rapaz entrou baleado e, quando as primeiras pessoas se aproximaram para socorrê-lo, um homem encapuzado invadiu o local, ordenou que todos se afastassem e deu dois tiros na vítima. Na mesma época, a Igreja Batista Ebenézer, no P Norte, em Ceilândia, perdeu cerca de R$ 5 mil em instrumentos musicais e aparelhagem de som ao ser roubado por dois homens. Os equipamentos foram repostos após vários dias de campanha de arrecadação na igreja. Com o que sobrou, foi instalado um alarme.
Como os templos católicos do Plano Piloto, no Sudoeste, a igreja evangélica Sara Nossa Terra aplica em segurança parte do dinheiro arrecado entre os fiéis. São 15 homens contratados para cuidar do interior e dos arredores do imponente templo, muito frequentado pelos moradores do bairro de classe média alta. Além da presença física, 30 câmeras e alarme reforçam o esquema de proteção do local, que fica próximo a uma mata e em meio a oficinas que nã funcionam durante a noite.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação