Jornal Correio Braziliense

Cidades

Indústria da morte em Brasília ainda trata os mortos com descaso

A indústria da morte em Brasília ainda trata com descaso quem precisa enterrar seus entes queridos. Há três anos, os moradores da capital assistiram horrorizados às denúncias envolvendo cemitérios e funerárias da cidade. Má conservação das unidades, cobrança abusiva de taxas, exumações clandestinas e até caixões reaproveitados culminaram na criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ossos, sepultada cinco meses após o início dos trabalhos dos deputados (Leia Memória). Pouca coisa mudou até o cenário atual. Basta uma volta pelos seis cemitérios do Distrito Federal para ter uma noção dos desmandos. Túmulos quebrados, mato alto e insegurança são apenas alguns dos problemas identificados pelos frequentadores.

Não é difícil encontrar pessoas ; principalmente as mais humildes ; que ainda pagam parcelas referentes à manutenção dos jazigos. A taxa é facultativa, mas funcionários da Campo da Esperança Serviços Ltda., concessionária que detém o controle de todos os cemitérios do DF, não deixam isso claro ao contratante do serviço. A servidora pública Rita Maria Oliveira, 53 anos, ficou surpresa ao receber em casa um boleto da empresa na semana passada. Desconfiada, decidiu procurar o cemitério de Brazlândia, onde sua irmã está enterrada, para contestar a cobrança. Pela equipe de reportagem do Correio, descobriu que não era obrigada a quitar a dívida. Uma funcionária da Campo da Esperança informou que Rita deveria pagar a primeira parcela para, então, cancelar toda a cobrança, e que tal procedimento só poderia ser validado na sede da empresa, que funciona no cemitério da Asa Sul. ;Se eu não tivesse visto nos jornais, provavelmente estaria pagando porque, em momento algum, eles informam que essa taxa é opcional;, disse.

Manoel Tavares de Souza, 55 anos, perdeu a esposa em maio de 2008. Desde então, ele coleciona carnês. Já pagou
R$ 1.209, valor mais que duas vezes superior ao salário que recebe, de R$ 545. ;Falaram que era obrigatório, que se eu não pagar podem enterrar outra pessoa no lugar. Não quero correr o risco de chegar aqui e encontrar o túmulo da minha mulher mexido;, afirmou o aposentado, enquanto aparava a grama em volta da lápide onde estão os restos mortais da companheira, no cemitério de Sobradinho.

Não bastasse a cobrança indevida, cerca de 250 pessoas tiveram o nome incluído em cadastros de proteção ao crédito por inadimplência relativa aos serviços de manutenção de sepulturas. O Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Distrito Federal ajuizou ação civil pública contra a Campo da Esperança contestando a medida. No fim de agosto, a concessionária foi condenada a pagar multa de R$ 500 mil por danos morais coletivos pela prática. Ainda cabe recurso. O defensor público Alexandre Gianni explica que taxas atrasadas não precisam ser quitadas para cancelar o serviço. ;O consumidor não pode ser impedido de suspender o serviço porque existem débitos. A recomendação para aqueles que não tinham ciência disso é procurar logo os cemitérios, fazer um requerimento por escrito e pedir a interrupção do envio de boletos;, afirmou Gianni.

Por meio de nota, a assessoria de comunicação da Campo da Esperança negou as irregularidades e informou que todos os funcionários são orientados a explicar quais serviços são obrigatórios e opcionais. ;O serviço de manutenção é adquirido mediante contrato diferente do acordo de cessão de uso de jazigo, constando, em ambos os documentos, de maneira destacada, que o serviço é opcional e pode ser cancelado a qualquer momento. Os contratos foram revisados e aprovados pelo Ministério Público do DF e Territórios. Os funcionários da empresa são treinados a explicar a não obrigatoriedade da manutenção;, diz o texto.

Para denunciar
Reclamações referentes aos cemitérios do DF podem ser feitas por meio dos telefones da Ouvidoria da Sejus: 3355-8304 ou 3355-8305