postado em 29/09/2011 09:53
Marcado por fugas, superlotação e ambientes insalubres, o sistema prisional do Entorno pede socorro. Apesar do anúncio do Governo do Estado de Goiás sobre a construção de mais unidades na região, nada saiu, efetivamente, do papel. As cidades de Águas Lindas de Goiás, Formosa e Novo Gama aguardam o início das obras dos novos prédios, que terão capacidade para 300 vagas cada e podem ser uma alternativa para desafogar o excedente de detentos. Enquanto isso, as cadeias públicas e os presídios em operação continuam servindo de ambiente para a qualificação dos criminosos. Relatório do último mutirão carcerário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtido com exclusividade pelo Correio, aponta situações escandalosas dentro das unidades. Além de irregularidades na rotina de vigilância e da superlotação, foram encontrados nas celas celulares, armas, drogas e até videogames.
Das 32 unidades do estado, foram vistoriadas 10, justamente as que estão instaladas em cidades que circundam o DF. Em sete, foi constatado excedente de presos. A situação mais crítica foi encontrada em Planaltina de Goiás ; a 80 km da capital federal. Na cadeia pública da cidade, 188 detentos dividem o espaço com capacidade para 60. O CNJ recomendou a interdição do espaço. O estado de uma das alas é tão caótico que, no relatório assinado pelo então coordenador do mutirão carcerário, juiz Alberto Fraga, o espaço foi descrito como uma ;verdadeira masmorra;. ;Além das celas serem escuras e pouco ventiladas, as precárias instalações elétricas se misturam a pedaços de madeira no teto. Uma combinação perigosa para provocar um incêndio;, pontuou. ;Lá, estão os abrigos de proteção. O lugar mais parece um labirinto. Isso inviabiliza qualquer vigilância e até a evacuação de presos. No caso de rebeliões ou fogo, podem ocorrer mortes;, acrescentou.
Em Planaltina, como na maioria das penitenciárias visitadas, não há separação entre presos provisórios e condenados, tampouco entre primários e reincidentes. As irregularidades são tantas que não é feito qualquer controle dos detentos que trabalham fora da prisão. ;As regras do regime semiaberto são ignoradas em Goiás. O preso não precisa apresentar documento que comprove a atividade laborativa fora da cadeia. Ele simplesmente sai. Muitas vezes, eles não trabalham. São como presos em regime aberto, que só precisam dormir na cadeia;, revela Fraga. ;Isso quando não há determinação do próprio presídio para que eles pernoitem em casa;, completa. A fiscalização pouco eficiente foi evidenciada diante das apreensões feitas nas celas. Durante o mutirão do Conselho Nacional de Justiça, os presos da unidade foram flagrados com armas brancas, entorpecentes, aparelhos de DVD e videogames.
Para a pesquisadora da Universidade de Brasília e professora de direito penal e direitos fundamentais da Universidade Católica de Brasília (UCB) Soraia da Rosa Mendes, o sistema que visa reeducar e ressocializar o indivíduo a partir do encarceramento está falido. Segundo ela, é necessário repensar as formas punitivas. ;Não podemos simplesmente eliminar esses homens e mulheres que cumprem pena e também não podemos inseri-los em um contexto animalesco. O encarceramento provoca exatamente isso: a animalização do indivíduo;, argumenta. ;Continuaremos tendo mais condenados que estabelecimentos prisionais, não adianta construir mais unidades. Essa lógica é irracional. É preciso racionalizar o sistema;, salienta.
;Panelas de pressão;
Ainda de acordo com Soraia, com as novas obras, o Estado está criando ;novas panelas de pressão, prontas para explodirem;. ;O mínimo que deveria ser feito é o cumprimento da Lei de Execuções Penais (LEP), com a utilização de medidas como a separação dos presos por faixa etária e de réus primários dos reincidentes, além da limitação de detentos por cela. A partir daí, poderíamos começar a pensar na recuperação dessas pessoas;, pondera. A própria localização da Cadeia Pública de Planaltina de Goiás é uma afronta à LEP. A unidade fica a 700 metros do centro da cidade, o que contraria o artigo 90 da legislação. Isso facilita a entrada de vários objetos na prisão, como constatado na vistoria do CNJ. Celulares, facas e drogas são jogados pelo muro que separa a unidade da rua.
Na Casa de Prisão Provisória de Formosa, a situação não é muito diferente da observada em Planaltina. Somente durante a vistoria do Conselho Nacional de Justiça, foram encontrados aparelhos telefônicos e de MP4, carregadores de celular, fones de ouvido, além de lâminas de barbear e facas. A falta de regras vai além. Durante o banho de sol, os detentos chegam a estender colchões no chão e montar cabanas com lençóis para repasse dos materiais proibidos.
Enquanto não são iniciadas as obras da nova penitenciária em Formosa, a cadeia pública da cidade também amarga situação de abandono. Segundo o relatório, os internos estão ;totalmente desamparados;, pois não contam com qualquer tipo de assistência. Não há médicos, enfermeiros, serviços jurídicos e educacionais na unidade. Valparaíso segue a mesma linha. Lá, os presos sofrem de problemas respiratórios e dermatológicos em razão das más condições das celas, que são abafadas e pouco iluminadas. A reforma para ampliação de vagas foi interrompida após constatação de irregularidades pelo Ministério Público local.
Resultados
O Mutirão Carcerário 2011 do CNJ foi realizado entre 8 de agosto e 9 de setembro, quando foram vistoriadas as unidades prisionais em Goiás. A partir dele, foram expedidas quase 50 recomendações ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário do estado, além do Ministério Público.
Acima do limite
Unidades vistoriadas - Capacidade - Número de presos encontrados
Cadeia Pública de Valparaíso de Goiás - 121 - 147
Casa de Prisão Provisória de Formosa - 66 - 152
Cadeia Pública de Formosa - 42 - 82
Cadeia Pública de Planaltina de Goiás - 188 - 60
Centro de Inserção Social de Luziânia - 138 - 191
Centro de Prisão Provisória de Luziânia - 108 - 184
Presídio Feminino de Luziânia - 87 - 39
Casa do Albergado de Luziânia - 46 - 39
Unidade Prisional de Águas Lindas - 50 - 127
* Cadeia Pública de Alexânia - 70 - 46
* Até junho, quando houve uma rebelião, 81 detentos ocupavam o espaço.