Cidades

Vítimas do padre acusado de pedofilia vivem com medo e reclusas

Renato Alves
postado em 02/10/2011 08:47

Nenhum dos quatro coroinhas que denunciaram o padre Edson Alves dos Santos nem sequer voltou a Alexânia. As vítimas fazem de tudo para ninguém saber do passado delas. O único localizado pelo Correio é o do caso que levou o sacerdote à cadeia. Aos 17 anos, o adolescente mora com os pais e os avós em uma chácara no Entorno. Largou os estudos no sexto ano do ensino fundamental porque temia ter a vida investigada pelos colegas. Não arruma namorada pelo mesmo motivo. Não recebe apoio psicológico ou pensão. Só sai de casa para acompanhar o padrasto, com quem trabalha como servente de pedreiro.

Os avós e a mãe do garoto são os únicos da família a visitar a cidade que tiveram de deixar para trás e a conversar com o Correio. Mas só vão a Alexânia em ocasiões especiais, como o aniversário, o casamento, o velório ou a formatura de algum parente distante. A avó carrega uma culpa sem fim. ;Fiz de tudo para ele (o neto) virar coroinha. Era daquelas que acreditava apenas no padre. Vivia para ele e a Igreja;, lamentou. ;Ele (o padre) condenava o jeito das pessoas se vestirem, a prostituta, a mãe solteira, a mulher desquitada. E era o pior de todos os homens. Hoje, para mim, ele é um monstro.;

Aos 71 anos, a avó disse não acreditar na superação do trauma. ;Acabaram com a nossa família. Meu neto está revoltado, perdeu a alegria de viver. E parece que nós somos os bandidos. Não ganhamos nada com isso. O que queríamos era só Justiça, só que o padre pagasse pelo mal que fez;, comentou, em um misto de indignação e vergonha, sob o olhar triste do marido. ;Expulsaram a gente da cidade. Gostava tanto de morar lá, era onde queria morrer. Levei 20 anos para construir a nossa casinha e aconteceu isso tudo com a minha família;, observou o aposentado de 73 anos.

Fé mantida
A mãe da vítima do padre Edson, ele, dois irmãos e o padrasto vivem em um barracão sem laje e sem reboco, nos fundos do terreno onde os avós moram em outra casa, também sem acabamento. E, sobre móveis antigos e quebrados, eles conservam imagens e Bíblias. Todos continuam católicos, inclusive o rapaz abusado sexualmente em uma igreja e em uma casa paroquial. ;A diferença é que hoje não vamos à missa. Não acreditamos mais em padre, mas também não perdemos a fé. Acreditamos na palavra de Deus, não de alguém que diz representar alguém, alguém como nós, humano, que também erra;, explica a mãe.

Indenização
A família costuma rezar unida ao redor de um altar montado na sala da casa dos patriarcas. Ninguém fala em uma punição ao padre maior do que a prevista em lei. Mas eles se incomodam com o fato de o pároco não estar em uma cela como os demais detentos de Alexânia. ;Era para ele ficar preso, mas a gente soube que nem roupa de preso ele usa. A gente não entende isso;, desabafou a mãe do ex-coroinha, a ex-diarista que virou dona de casa para sempre estar perto do filho traumatizado. Ela nem sequer fala em reparação por danos morais. ;Não sei desse negócio de lei, moço.;

[SAIBAMAIS]Entre as poucas pessoas que auxiliaram a família da vítima e ainda a ajuda está o advogado Douglas Rios, 36 anos. Morador de Goiânia, ele cuida do caso desde o início, sem nunca ter cobrado um centavo. ;A história do menino e da família me tocou muito. Virou minha causa social e pessoal;, afirma. O defensor diz ter sofrido pressões de todos os lados. ;Pessoas influentes, da cidade e da Igreja fizeram de tudo para o caso nem ser investigado;, conta. Durante o processo, ele pediu (e conseguiu) que uma promotora se afastasse do caso. ;Ela deixou a causa sob suspeição. Era amiga do padre, quem tinha celebrado o casamento dela.;

Agora, Rios busca uma pensão para toda a família da vítima. ;Mantenho conversas constantes com representantes da Igreja em Goiás. Primeiro, tento um acordo administrativo. Se não conseguir, apelarei à ação indenizatória para cada um dos integrantes dessa família;, contou, sem falar em prazos e valores.


Para saber mais
Resposta à omissão
O Vaticano divulgou, em 12 de abril de 2010, que os casos de padres pedófilos devem ser denunciados ;sempre; à autoridade civil e que, nos casos mais graves, o papa pode rebaixar diretamente ao Estado laico os religiosos sem a necessidade de um julgamento canônico. As informações estão em guia do Vaticano para os casos de abusos de menores. Constam no site da Santa Sé. O documento, que não traz novidades ao que o próprio papa Bento 16 já havia pedido em carta aos fiéis da Irlanda, é a maior cartada do Vaticano até agora para responder às críticas de que a Igreja Católica se calou diante de centenas de casos semelhantes aos de Alexânia.

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