Cidades

Advogados usam estratégia de ataque à reputação de vítimas de agressão

Ana Maria Campos, Adriana Bernardes
postado em 09/10/2011 08:00
Quando começar o julgamento do ex-professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues, 35 anos, no Tribunal do Júri de Brasília, a estudante Suênia Sousa de Farias, 24, assassinada com três tiros no último dia 30 ; dois na cabeça e um no tórax ;, também estará no banco dos réus. Esse é o desfecho de casos de vítimas de violência provocada pela fúria de quem não aceita a rejeição. Na tentativa de comover os jurados, advogados de defesa usam uma estratégia moral. A discussão passa a ser o comportamento de quem morreu, seu passado, hábitos, interesses e antigos relacionamentos. Quanto mais perto ela estiver do perfil condenável socialmente, mais distante seu agressor estará da prisão. Muitas vezes, na análise da conduta de um assassino, a mulher sofre, já no túmulo, uma nova agressão. Dessa vez, à sua história.

Por estratégia, o advogado de Rendrik, Andrew Farias, não antecipa a linha da defesa. Nesse caso, no entanto, não há dúvida quanto à autoria do crime. Resta discutir as circunstâncias. Em situações como essa, é preciso convencer o corpo de jurados de que o assassino confesso agiu sob forte emoção. A jurisprudência brasileira já não admite a tese de legítima defesa da honra, que prevaleceu no rumoroso episódio do julgamento do playboy Doca Street no fim da década de 1970 (veja Memória). Mas promotores de Justiça e advogados confirmam que a imagem e o comportamento da vítima e do réu no julgamento popular são fatores muitas vezes decisivos na hora de convencer os sete jurados.

No julgamento, Rendrik será apresentado como um homem trabalhador, cumpridor dos deveres, bom professor, respeitoso com os alunos, réu primário, pacífico, mas que teve um rompante de paixão. A vítima será julgada aos olhos dos jurados pelo relacionamento que manteve com ele. Serão expostos detalhes que só ela poderia rebater. ;Nesses casos, em geral, ocorre uma tentativa de vitimização do réu;, analisa o procurador Alexandre Vitorino, que já atuou como defensor público em tribunais do júri. ;É muito comum ocorrer a exposição das reputações em julgamentos de crimes sexuais;, aponta.

Djanira Sousa não se conforma com os ataques que a irmã, Deijacy (E), sofreu no julgamento do homem que a matou

Desvantagem
Uma mulher que traiu ostensivamente o marido, teve muitos amantes ou não cuidava dos filhos começa em desvantagem, independentemente da violência que sofreu. O Código Penal, no artigo 121, abre uma brecha que advogados tentam usar. Trata-se do homicídio privilegiado. É considerada uma causa de diminuição da pena ;se o agente comete o crime sob o domínio de forte emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima;. Nesse caso, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Basta que os jurados acreditem que o assassino agiu movido por uma paixão avassaladora, num ímpeto, como reação a uma forte ofensa do ser amado. ;É muito difícil comprovar que um crime ocorreu nessas circunstâncias, mas se os jurados se convencerem, mesmo condenado, o réu sai praticamente livre do julgamento;, explica o promotor José Pimentel Neto, que atua no Tribunal do Júri de Brasília.

Depoimento
;Senti ódio dele;

;Quando minha irmã morreu, eu estava no Pará. Vim para Brasília na mesma hora, com um par chinelos e duas trocas de roupa numa mochila. Vivi os piores momentos da minha vida no enterro dela. Mas no julgamento; no julgamento eu senti ódio. Aquele advogado falou tanta coisa; Teve uma hora que ele disse bem assim: ;O que ele (o marido) fez foi pouco. Onde já se viu, mulher casada sair sozinha e voltar para casa de madrugada!’. Que Deus me perdoe, mas senti ódio daquele homem; Fiquei pensando, como pode alguém ganhar dinheiro para fazer uma coisa dessas? Ele mentiu!”

Djanira Lima Sousa, 36 anos
Cozinheira, irmã de Deijacy, assassinada pelo marido aos 31 anos, em 2009

QUATRO PERGUNTAS PARA
Promotora Danielle Martins, coordenadora do Núcleo de Gênero Pró-Mulher, do Ministério Público do DF

Qual é o perfil do homem ue mata supostamente or amor?
Não existe um perfil de classe econômica ou social que nos permita especificar quem é alguém que em tese está apto a cometer esse tipo de crime. O que existe é um homem extremamente ciumento, que acredita que a mulher é propriedade dele. Quando ela não quer ficar ao lado dele, é desencadeada essa fúria.

O tamanho do amor mede o amanho da violência?
Não. É o tamanho da dificuldade que o homem tem em aceitar o fim do relacionamento. Eles justificam dizendo que foi um amor muito grande, um destempero, um ciúme, mas acredito que seja em virtude da dificuldade de lidar com a questão de ter sido rejeitado por uma mulher.

Muitas vezes, a vítima vai também para o banco dos réus. Como isso acontece?
O comportamento da vítima nesse tipo de crime passa a ser exaustivamente investigado, como se alguma coisa nas atitudes dela pudesse justificar o que o homem fez. É uma estratégia de defesa que infelizmente ainda funciona muito bem no nosso país, que ainda é muito machista, que culturalmente ainda admite a violência contra a mulher. Ainda é uma tese que se sustenta. Mas precisamos confiar na inteligência dos nossos jurados, na capacidade que eles têm de discernir a motivação que está por trás desse crime. Não estamos falando de uma motivação de amor, de uma motivação nobre. Estamos falando de uma motivação violenta, extremamente prepotente.

O Ministério Público ainda verifica muitos casos em que o jurado se deixa levar por tese tão Conservadora como essa?
Isso ainda acontece porque os jurados não são diferentes de quaisquer outras pessoas da nossa sociedade. Nós todos estamos imersos nesse caldo cultural que é machista e que trata a mulher como coisa. Estamos falando da coisificação da mulher, a qual permite que ela seja subjugada de todas as formas pelos homens.

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