Sem autorização para funcionar, esses comerciantes têm dificuldades para conseguir crédito bancário e ampliar o negócio, por exemplo. Além disso, enfrentam o risco constante da chegada das equipes de fiscalização, que podem multar ou até mesmo interditar o empreendimento. ;O último alvará que recebemos foi cancelado dois meses depois. Tivemos que pagar caro por um laudo de engenharia para conseguir o documento, mas logo depois perdemos e hoje estamos desamparados;, conta Sérgio Carlos. ;Pagamos muito imposto, esse problema já deveria ter sido resolvido.;
O problema que afeta o lojista do Paranoá se arrasta há vários governos. Por conta das características urbanísticas do Distrito Federal, existem milhares de empresários instalados em áreas não previstas para o comércio. Há também lojas em terrenos classificados como residenciais ou funcionando em zonas rurais. Além disso, as irregularidades fundiárias agravam ainda mais o problema. Condomínios irregulares e cidades que nunca foram registradas em cartório, como Paranoá e São Sebastião, não têm escrituras. O documento é indispensável à conclusão do processo formal de licenciamento de um negócio.
Dono de uma loja de colchões no Paranoá, o empresário Francisco Barbosa dos Anjos diz que convive com o medo por conta da falta de alvará de funcionamento. ;Ninguém da administração faz nada, nem os fiscais conseguem explicar direito o que temos que fazer para regularizar a situação. Só queremos ter tranquilidade para trabalhar;, comenta.
Nos últimos anos, pelo menos quatro leis foram editadas para resolver o impasse. O objetivo era autorizar o funcionamento de lojas cujos proprietários não tinham a documentação completa para conseguir um alvará. Mas o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) contra todos os dispositivos. E a controvérsia ainda parece longe do fim.
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A primeira legislação foi a Lei Distrital n; 1.171, de 1996. Ela criou o alvará precário, que poderia ser concedido temporariamente aos comerciantes em desacordo com a lei. A ideia era que o documento valesse até a correção dos problemas, mas esse alvará era renovado sucessivamente sem que jamais o comerciante regularizasse a situação para conseguir o documento definitivo. O MPDFT questionou a lei, que em 2007 foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
No ano seguinte, o GDF aprovou a Lei Distrital n; 4.201/2008, que estabeleceu a possibilidade de concessão de alvarás de transição. Na prática, o instrumento era o mesmo, só que com outro nome. Mais uma vez, os promotores de Justiça recorreram ao Conselho Especial do TJDFT, e a legislação foi considerada inconstitucional em 2009. Pouco depois, mais uma tentativa de resolver a pendência: o governo sancionou a Lei Distrital n; 4.457/2009, que criou a licença de funcionamento. O texto era praticamente o mesmo, mas a artimanha não funcionou. No ano passado, os artigos que autorizavam a concessão de alvará a comerciantes que não atendiam os requisitos foram considerados ilegais.
Inconstitucional
Em 2011, o governador Agnelo Queiroz sancionou a Lei Distrital n; 4.611/2011, que cria facilidades para micro e pequenas empresas ; elas correspondem a cerca de 95% do total de negócios instalados no Distrito Federal. Pela legislação, os comerciantes que trabalham em locais sem escritura podem receber o alvará de funcionamento provisório. O documento não tem prazo de validade, ou seja, o empresário poderia ficar na ilegalidade sem ser incomodado, por quanto tempo desejasse. A lei entra em vigência no próximo dia 10, mas também é alvo de Adin do MPDFT, protocolada na Justiça no último dia 12.
Na ação, o promotor de Controle de Constitucionalidade, Antônio Suxberger, critica a insistência do governo em criar leis para autorizar o funcionamento de comércio em situação irregular. ;É evidente o caráter impertinente e temerário da expedição de novas leis com o claro propósito de revalidar conteúdo já afastado reiteradas vezes pelo Judiciário, fato que configura desrespeito às decisões proferidas;, diz a Adin.
Ele critica ainda um trecho da lei sancionada por Agnelo que dispensa a obrigação de vistoria prévia para a abertura de empresas e determina que o próprio empresário deverá fixar o tempo necessário para corrigir eventuais irregularidades. ;A esdrúxula proposição submete o poder de polícia do Estado a verdadeiro ato negocial. Esse artigo constitui verdadeiro incentivo à permanência das irregularidades existentes;, critica o promotor responsável pela ação.
O que diz a lei
* Exceto nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado alto, os órgãos do DF emitirão alvará de funcionamento provisório, que permitirá o início de operação do estabelecimento imediatamente após o ato de registro.
* Poderá ser concedido alvará de funcionamento provisório para as entidades instaladas em áreas desprovidas de regulação fundiária legal ou com regulamentação precária.
* É permitida a instalação de empresas na residência do microempreendedor individual ou do titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte, na hipótese em que a atividade não gere grande circulação de pessoas.
* Para funcionar em área residencial, a empresa deverá obter a concordância dos vizinhos.
* O alvará de funcionamento provisório será imediatamente cassado quando no estabelecimento for exercida atividade diversa daquela autorizada ou quando o funcionamento causar danos, prejuízos, incômodos ou colocar em risco a vizinhança.
* O documento também poderá ser suspenso se for verificada irregularidade não passível de regularização.