Helena Mader
postado em 11/10/2011 06:55
O futuro da última área vazia no centro de Brasília será discutido no próximo dia 21, quando o governo fará a primeira audiência pública para debater a proposta que prevê a construção de hotéis, lojas e escritórios na Quadra 901 Norte. O projeto de lei que muda as regras para ocupação do espaço já está pronto e falta apenas a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho de Planejamento Urbano do DF (Conplan). Mas o debate promete ser acalorado, já que cresce o número de pessoas e entidades contrárias à iniciativa. O argumento dos opositores é que a iniciativa fere o tombamento da capital. Hoje, a legislação permite apenas que sejam erguidos edifícios de até três andares, destinados a empreendimentos institucionais, como igrejas e sindicatos. A ideia do governo é autorizar uma ampliação do leque de atividades permitidas na área de 85 mil metros quadrados. Além disso, o projeto de lei em análise aumenta o gabarito de nove metros para 45 metros, o que abre brecha para a construção de prédios de até 15 andares. O GDF quer vender um único terreno, sem desmembramento, e, segundo estimativas do mercado imobiliário, o preço da área pode alcançar R$ 800 milhões.
A proposta inicial da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) era autorizar edifícios de 65 metros de altura. Mas técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação propuseram gabarito de 27 metros. Diante das divergências internas, o Executivo decidiu optar por um meio-termo e fixou a altura em 45 metros. A princípio, o governo tratava o projeto como uma expansão do Setor Hoteleiro Norte. Mas o plano prevê autorização para uma lista de atividades bem mais ampla: de escritórios a áreas de lazer, além de alojamento.
O projeto de mudança nas regras de ocupação da 901 Norte é polêmico e está em análise no Iphan O órgão ainda não tem nenhuma posição oficial com relação à proposta e há grande expectativa sobre a avaliação dos técnicos do instituto. ;Nosso relatório deve ser concluído em 10 dias. Nada pode ser feito de forma precipitada porque Brasília é tombada. Vamos fazer um parecer, mas quem tomará a decisão final será o Conselho Consultivo do Iphan nacional, já que essa é uma decisão muito importante;, justifica o superintendente do instituto no DF, Alfredo Gastal. Ele vai se reunir também com a arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, para discutir o assunto. ;Temos que ser muito cautelosos porque é a qualidade de vida na cidade que está em jogo. Acho que o assunto requer um mergulho nos estudos de Lucio Costa e a Maria Elisa é a guardiã desse material;, finaliza.
A filha do idealizador do Plano Piloto já tem seu veredicto: é contra a mudança de destinação da área. Maria Elisa preside a Casa de Lucio Costa, entidade voltada à preservação da obra do pai. ;O parecer da Casa de Lucio Costa é de que projeto sugerido pela Terracap não seja aprovado, em nenhuma hipótese. Seria absurdo comprometer a preservação da identidade urbana original de Brasília apenas para satisfazer necessidade de leitos de hotel para um evento temporário, como é a Copa do Mundo;, comenta Maria Elisa, em uma carta divulgada à sociedade da capital. ;A delimitação espacial dos elementos fundamentais da concepção de Brasília, apesar dos pesares, não chegou a ser comprometida pelas intervenções havidas até hoje;, finaliza Maria Elisa Costa.
Áreas de convivência
O presidente da Terracap, Marcelo Piancastelli, diz que o principal objetivo é desenvolver a área central de Brasília. Ele nega que a proposta represente uma agressão ao tombamento. ;Esse projeto atende os anseios da população. A cidade precisa de novas áreas de convivência, como previsto na escala gregária do tombamento. A iniciativa prevê a criação de grandes espaços de convivência, com boulevards no melhor estilo europeu;, conta Piancastelli.
Ele afirma que há uma carência de empreendimentos desse porte na área central. ;Haverá hotéis, áreas comerciais e espaços de lazer, alimentação e convivência, como nas maiores cidades do mundo. Isso é comum em Londres, por exemplo. Precisamos voltar nossos olhos para outros países, ver o que está acontecendo em termos de evolução urbana e adaptar Brasília a uma nova fase;, acrescenta.
O número de especialistas e entidades contrárias à alteração das regras de ocupação é grande. O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-DF), Paulo Henrique Paranhos, organizou até um ato de protesto contra o projeto. Ele classifica a proposta como um ;equívoco; e diz que a construção fora dos parâmetros legais vigentes seria um ;crime; contra a cidade. ;Não estamos em uma briga para congelar Brasília, a cidade tem que ser livre eativa. Mas não podemos permitir uma agressão ao patrimônio que não é nosso, mas da humanidade;, explica Paulo Henrique. ;A área central merece cuidado, aquilo ali é a moldura do Eixo Monumental. Brasília não pode ser pensada apenas de acordo com os interesses da construção civil;, alerta o especialista.
Representante de Oscar Niemeyer em Brasília, o pioneiro Carlos Magalhães desaprova a mudança de gabarito da 901 Norte. ;Se isso sair do papel, o projeto do Lucio Costa vai para o brejo;, critica Magalhães. ;Quem está de acordo com essa construção está contra a cidade. Somente os interessados em negociatas podem defender esse projeto. Mas, infelizmente, sei que, apesar das vozes contrárias, o governo vai liberar essas construções de qualquer jeito;, comenta Carlos Magalhães. Para ele, é preciso manter o gabarito atual. ;O projeto do Lucio tem hierarquia nas construções, primeiro os prédios mais altos e, em seguida, os edifícios mais baixos. É preciso dizer não a essa mudança;, finaliza.
O administrador de Brasília, Messias de Souza, diz que 55% das unidades serão destinadas, obrigatoriamente, a hotéis e que os imóveis restantes poderão ser escritórios ou lojas. ;Precisamos dar um uso moderno a esta cidade, revendo as normas de ocupação do espaço urbano;, justificou Messias. Ele afirmou ainda que a área tombada não pode ser tratada como uma ;bolha; e lembrou que Brasília precisa de novos leitos de hotéis. ;A estrutura atual está absolutamente aquém da necessidade para a Copa do Mundo e para o dia a dia da cidade;, finaliza o administrador.
Tombamento
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é liderado pelo presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, e tem ainda 18 membros da sociedade civil, como representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil , do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, da Sociedade de Arqueologia Brasileira e de vários ministérios. Cabe ao órgão examinar, apreciar e decidir sobre questões relacionadas ao tombamento. Ainda não há data para a análise do projeto da 901 Norte.