Cidades

Prática de esculpir alimentos recupera o prestígio e ganha espaço no Brasil

postado em 15/10/2011 18:59

São tão vastas as possibilidades de criação no campo da arte que basta unir algum tipo de material e uma proposta cheia de significados para que se possa inventar uma obra. Seja de metal, de tinta ou até de madeira, qualquer estrutura pode ser transformada em uma proposta artística. Por exemplo, já existem verdadeiros especialistas que expressam sua sensibilidade artística fazendo uso de frutas, verduras e legumes, entre outras superfícies. Um deles esculpe em frutas e verduras temas como o fundo do mar e a fauna brasileira. Com a mesma matéria-prima, outra artista cria animais de estimação para divulgar a importância da nutrição. Já outro escultor de alimentos usa manteiga para modelar carros, famílias e celebridades, que são reproduzidos em tamanho real. Os resultados desses trabalhos são impressionantes, dignos de galerias de arte.
Embora essa ideia de esculpir em alimentos tenha o perfil dos tempos globalizados, foi lá atrás, ainda no século 17 que ela passou a fazer parte de banquetes gastronômicos. O cozinheiro francês François Vatel (1631 - 1671), a quem creditam a invenção do creme de chantilly, já lançava mão dessa forma de arte em seus gloriosos banquetes para o rei Luís XIV em que criava flores e bichos de açúcar, além dos exemplares modelados em frutas. No Brasil, houve um tempo em que para surpreender os comensais os anfitriões enfeitavam suas mesas com esses recurso estético, mas com o tempo esse hábito foi deixado de lado.

O militar aposentado Roberto Santos trabalha com esculturas em vegetais há mais de 20 anos e garante que só não dá para modelar as hortaliças, de resto tudo pode tomar alguma forma. Ele explica que para realizar o trabalho é necessário que a verdura ou a fruta tenha estrutura mínima, para que suporte os cortes, raspagens e furos, necessários para dar outras formas aos alimentos. ;Chuchu, tomate, cenoura, rabanete, nabo, pepino e melancia são ótimos exemplos desse tipo de estrutura;, descreve.

Mesmo que sejam feitas com produtos comestíveis, Santos salienta que as peças não são próprias para o consumo pelo tempo em que ficam expostas, sem contar que devem ser feitas com alimentos crus, pois são mais duros. ;Eles são utilizados apenas para enfeitar, para chamar a atenção para a mesa, e não para serem devorados;, destaca. Para o escultor, a mesa é uma espécie de tela que pode ser enfeitada e virar uma obra de arte. ;A apresentação do prato é o que o diferencia;, observa.

Detalhes delicados

O artista conta que a feitura de uma peça pode consumir até quatro horas de trabalho. ;O cisne leva esse tempo, pois faço os detalhes das penas e asas;, diz. Ele explica que, enquanto esculpe, é preciso borrifar água para hidratar a peça, que pode durar até três dias. ;Vai depender do tempo de recolhimento da fruta ou verdura;, ressalta. Nessas duas décadas de trabalho, Santos conta que já fez golfinhos em abóboras, flores em mamões, mas é de reproduzir o fundo do mar que ele mais gosta. ;Adoro fazer cavalo-marinho, lulas e peixes;, diz. E mesmo que uma escultura fique perfeita, o artista conta que não consegue repeti-la. ;A criatividade impede que os trabalhos fiquem iguais. E a prática faz com que, a cada exercício, se consiga chegar mais perto da perfeição.;

A nutricionista Mara Fator, de Santo André, São Paulo, faz esculturas em legumes e frutas há nove anos como uma extensão da profissão de nutricionista. Ela sempre trabalhou em restaurantes e adorava enfeitar a mesa com as peças, foi aí que descobriu o dom para a arte nos alimentos. ;Percebi que podia chamar a atenção das pessoas, principalmente das crianças, para as propriedades nutricionais do alimento de uma forma mais bonita e deu certo;, comenta.

Para dar forma aos vegetais, Mara precisa usar uma faca de legumes de lâmina bem afiada, um boleador (instrumento que permite fazer sulcos e valetas em papéis e outras estruturas) e uma faca pena (uma faca que corta em V). A nutricionista conta que faz trabalhos para casamentos, bufês, mas foi uma festa de aniversário de cachorro que a surpreendeu mais. ;Fiz bichinhos de legumes para todas as mesas;, recorda, indicando os animais com o tema predileto para as esculturas. A paixão pelo trabalho é tanta que Mara passou a dar aulas em estabelecimentos da cidade e gravou dois DVDs. Nos materiais, ela dá noções de higienização e aproveitamento dos ingredientes. ;Com as sobras dos legumes podem ser feitas sopas. Das frutas, sucos e vitaminas e com o restante não utilizável na alimentação, podemos fazer adubo orgânico;, ensina. Para ela, o importante é não desperdiçar.

Grandiosas e engraçadas

É na manteiga que o escultor americano Jim Victor expressa sua arte. Com 30 anos de experiência, o artista e também professor já modelou chocolates, vegetais e queijos, mas se especializou na gordura. O artista conta que começou a trabalhar em 1982 fazendo bustos de chocolate de Mickey Rooney e Ann Miller para o show da Broadway Sugar babies. Ele conta que no início fazia os moldes de barro para só então modelar o chocolate, mas que prefere trabalhar na manteiga. ;É um material que tem integridade. Precisamos desse tipo de estrutura para modelar a escultura;, explica.

Para Victor, a maior dificuldade desse trabalho é convencer os clientes que alguns materiais não são bons para serem esculpidos. O artista ficou conhecido nos Estados Unidos por fazer as peças em tamanho real. Um exemplo é o carro Kyle Busch;s, para a marca de chocolates M e uma família feita de manteiga. ;O meu favorito é a escultura da atriz Mrs. Wilkinson;, entrega.

Outro artista americano que surpreende com suas criações é Terry Border, de Greenwood, em Indianápolis, que utiliza, entre outros produtos, arames, ovos, pães e utensílios para criar imagens cômicas. Ele criou uma série que virou o livro Bent Object Of My Affection em que ele diz ter usado o bom humor para criar as esculturas. ;Tento me divertir durante o processo. Eu tenho um bom senso de humor. Gosto de rir, mas não consigo contar uma piada nem para salvar minha vida;, disse em entrevista à BBC. O artista japonês Osamu Watanabe é outro que utiliza açúcar de confeiteiro, frutas cristalizadas e frescas para criar sapatos, bases para mesas e esculturas, que fizeram parte de uma exposição em uma loja de departamentos em Tóquio, no ano passado.

Berço oriental

Essa arte teve sua origem em Sukhothai, na Tailândia, 1364, segundo uma das versões, quando Nang Noppharat, chefe da realeza, decorou um farol com frutas, flores, pássaros, coelhos e outros animais esculpidos em frutas e legumes e inaugurou o festival de Loy Krathong (barquinho flutuante), cuja marca principal é a tradição de desenhar barcos em folhas de lotus, troncos de bananeiras, cocos etc. É o período de festas mais importante do país, depois do ano-novo. Com o passar do tempo, a prática se transformou em verdadeiro esforço artístico para tornar os alimentos mais atraentes e fáceis de comer. Os decoradores de vegetais tailandeses utilizam facas pontudas e bem afiadas, com lâminas curvas ou lâminas duplas, entre outros instrumentos. A arte dos alimentos é muito comum também na China e no Japão.

Acesso às obras

Jim Victor: .
com/Mara Fator: .
Terry Border: .html

Osamu Watanabe:
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