Flávia Maia
postado em 17/10/2011 06:18
As recentes fugas de unidades prisionais nos municípios goianos do Entorno comprovam a fragilidade do sistema carcerário de Goiás. Os presídios são verdadeiros barris de pólvora. Somente este ano, as populações de Santo Antônio do Descoberto, Alexânia e Cristalina assistiram da porta de casa a tiroteiros, fugas e perseguições. Isso porque as cadeias públicas localizam-se no centro das cidades, em áreas residenciais, exatamente o contrário do que recomenda o Ministério da Justiça. E essa realidade não está reduzida a esses três municípios. Ela atinge a maioria dos 19 que compõem a região que circunda o DF. A taxa de homicídios na região é de 39 para cada 100 mil habitantes, quase quatro vezes maior do que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera normal ; 10 por 100 mil pessoas.A proximidade das cadeias com casas, comércios e serviços públicos contribui para a possibilidade de mais inocentes se tornarem vítimas da violência. Em Planaltina de Goiás, por exemplo, a situação chega ao extremo. A cadeia pública divide o muro com uma escola e uma creche. Em Cristalina, as casas estão na mesma quadra do presídio e os moradores convivem com o terror de terem suas residências invadidas por detentos fugitivos. Os problemas vão além da localização. Das 16 unidades, 13 estão superlotadas e, mesmo assim, continuam recebendo novos criminosos. De junho a outubro, o deficit aumentou 40%: de 544 presos excedentes, agora o saldo negativo chega a quase mil vagas ; 1956 presos para 1044 lugares.
Além disso, conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça divulgado em setembro, as cadeias do Entorno estão insalubres. Não contam com serviço médico, não oferecem cursos de capacitação para os detentos e misturam na mesma cela presos provisórios e condenados. A quantidade de funcionários é insuficiente para atender a demanda. De acordo com o Gabinete de Gestão de Segurança Pública do Entorno do DF, para normalizar o serviço carcerário é necessário contratar pelo menos 700 agentes prisionais. Hoje, existem 210 servidores no quadro.
A soma de localização inadequada com superlotação e más condições na infraestrutura stransforma o Entorno em uma das regiões mais perigosas do país. Nem a presença da Força Nacional, atuando há seis meses, diminui os altíssimos índices de violência. Diante dessa situação de calamidade, o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) afirma que 6 mil mandados de prisão não foram cumpridos e 10 mil inquéritos estão parados. ;Depois não entendem os altos índices de criminalidade no DF e no Entorno. Tem muito criminoso solto;, analisa a promotora Patrícia Teixeira Guimarães Gimenes, coordenadora do Projeto do Entorno no MPGO.
Como quase 500 mil pessoas transitam diariamente do Entorno para o Distrito Federal, o caos no sistema penitenciário do estado vizinho ultrapassa as fronteiras e atinge a capital do país, refletindo no aumento das taxas de criminalidade em Goiás e no DF. No intuito de ajudar a resolver os problemas, existe uma proposta do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) de destinar progressivamente um percentual do Fundo Constitucional do Distrito Federal para investimentos nos municípios da região do Entorno. A princípio, esse percentual seria de 1% ao ano, destinado a saúde, segurança e educação, privilegiando as cidades com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Depois de 10 anos, a porcentagem poderia chegar a 5%.
Montante variável
A Constituição de 1988 estabelece como competência da União ;organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do DF, bem como prestar assistência financeira para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;. Por isso, a Lei n; 10.633 destina um valor para cada área, sugerido pelo governo local. O montante repassado pela União é variável e depende diretamente do crescimento econômico do país. Em 2012, o DF deve ter R$ 10 bilhões disponíveis para investimentos em segurança, saúde e educação.
Entre presos e alunos, um muro
A maioria das prisões públicas de Goiás surgiu sem planejamento. Muitas eram delegacias que viraram unidades prisionais. Foram feitas adaptações e improvisos para receber cada vez mais detentos. A Cadeia Pública de Planaltina, por exemplo, era uma antiga delegacia construída na década de 1950. De lá para cá, nunca foi feita nenhuma grande obra de reestruturação. Em 2000, foi construída uma ala. Hoje, tem capacidade para 60 presos no regime fechado e 40 no semiaberto, porém, só na reclusão, estão mais de 140 homens. ;Há presídios em Goiás piores, porém, os presos que estão aqui são diferentes. Mais de 10% cumprem pena porque cometeram crimes graves, com 30 anos de reclusão;, ressalta Reinaldo Rocha Brito, diretor da Cadeia Pública de Planaltina.
Para piorar, duas escolas foram construídas após o presídio e ambas dividem muro com a cadeia. ;As cidades foram crescendo perto dos presídios. Na época em que eles foram construídos, eram afastados. Podemos construir instituições prisionais mais longe, mas as cidades vão chegar até elas;, constata Edílson Brito, presidente da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (AGSEP).
Enquanto não existe projeto para a construção de um presídio em Planaltina, a comerciante Hildene Alves dos Santos, 43 anos, escuta de seu comércio os presos gritando: ;Vamos demolir, vamos demolir;. E ela ainda precisa fingir que não vê as fugas. ;Eles me falam ;a senhora não viu nada;, eu concordo com a cabeça e eles vão. Nunca chamo a polícia porque tenho medo de retaliação;, conta.
Compromisso
Depois de várias ações judiciais sem resposta contra o estado de Goiás, o MPGO elaborou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para melhorar as condições das penitenciárias goianas. O acordo foi assinado em 8 de setembro. Entre os compromissos firmados, está a aquisição de armas, a contratação de servidores e a construção de três unidades prisionais, sendo uma em Águas Lindas, uma no Novo Gama e outra em Formosa, com capacidade total para 900 presos. ;Temos vários processos abertos contra o estado de Goiás em relação às prisões, mas todos estão travados na Justiça. Por isso, partimos para o TAC;, explicou a promotora Patrícia Teixeira Guimarães Gimenes, coordenadora do Projeto do Entorno no MPGO.
O termo tem 24 cláusulas com prazos apertados (veja Quadro). A construção dos três presídios, por exemplo, tem 12 meses para ser concluída, a contar do término do processo de licitação. ;Em relação aos itens de armamento e pessoal, nós temos como cumprir o que diz o TAC, mas os prazos para as obras estão curtos. Vamos pedir a mudança dessas datas;, informou Edílson Brito, presidente da AGSEP. Caso o estado de Goiás não cumpra o termo, a multa diária é de R$ 5 mil.
Ainda não há verba para a construção das penitenciárias. Na última terça-feira, representantes do governo de Goiás estiveram no Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e apresentaram os projetos. Se aprovado o convênio, a União entrará com R$ 40 milhões e Goiás, com R$ 10 milhões.