Cidades

Quase metade dos moradores de rua está longe de casa há mais de 3 anos

Roberta Machado
postado em 20/10/2011 07:40
Conforme se aproximam as festas de fim de ano, o brasiliense vê se multiplicarem as moradias precárias montadas à beira de ruas e nas áreas verdes da cidade, que abrigam dezenas de famílias. Para especialistas, a presença dessas pessoas representa apenas parte de um problema mais complexo. Um levantamento feito pelo Censo da População em Situação de Rua do Distrito Federal, ação do projeto Renovando a Cidadania, da Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP/DF), aponta que 45,3% dos moradores de rua estão nessa situação há mais de três anos e que 77% não têm casa para retornar. A solução, segundo assistentes sociais e sociólogos, envolve o apoio da população e uma rápida ação integrada por parte do governo.

Os responsáveis pela pesquisa, feita em parceria com o programa Providência de Elevação da Renda Familiar, destacam que descobriram, nas conversas com os moradores de rua, um triste cenário. Segundo dados do censo, além dos 16% de moradores de rua do DF que moram em abrigos improvisados, 10,7% deles pernoitam em pontos comerciais, 10% se instalam em viadutos ou marquises e 26,2% dependem de albergues. ;Temos uma quantidade muito grande de moradores de rua que vive escondida justamente porque saber que não é bem-vinda. Mas não podemos exterminar essa população de vítimas sociais. Condenar pessoas que já são sacrificadas é uma brutalidade absurda;, critica Camila Potyara, socióloga que participou do estudo.

A solução, segundo a pesquisadora, começa com a superação do preconceito que liga os moradores de rua apenas à mendicância e à violência. ;É preciso parar de olhar para eles como se fossem bandidos e criminosos.; Camila revela que apenas 10,6% dessa população vive de esmolas, enquanto 21,3% são flanelinhas, 19,3% trabalham com reciclagem e 12,3% trabalham informalmente com construção civil. O censo também apontou que o índice de pessoas sem residência que sofreram algum tipo de violência é alto: 59,6%. Entre os participantes do levantamento, 33,2% já praticaram algum ato violento.

Quem representa a população de rua acredita que a sociedade e o governo têm condições de ajudar na recuperação dessas pessoas, mas que as alternativas atualmente oferecidas são ineficazes para eliminar o problema. ;A lei está pronta. No entanto, as políticas são violadas. Quem mora na rua está sofrendo uma grande higienização. Eles são enviados para o albergue, que, além de ser provisório, é um local de violência;, denuncia Antônia Abreu, coordenadora do Movimento Nacional da População de Rua do DF.

O Governo do Distrito Federal anunciou que pretende criar, nos próximos meses, políticas públicas para atender essas pessoas, estratégia que contará com a participação de diversas secretarias. Para a doutora em política social e professora da Universidade de Brasília (UnB) Maria Lucia Lopes, a iniciativa precisa ser articulada nacionalmente. ;Tem que haver uma combinação para que seja uma política sustentável, não adianta colocar num abrigo. Muitas vezes, eles são discriminados, não conseguem atendimento em hospitais ou matricular os filhos nas escolas;, pontua.

Depoimento
;Moro na rua e ninguém chega para te dar um prato de comida. Ninguém chega para te ajudar em nada, em nada. A única coisa que eles fazem é maltratar porque você é uma pessoa de rua, aí eles querem te jogar fora. Eu perdi um filho, mataram ele com um tiro na cabeça, recentemente. E alguém me ajudou em alguma coisa? Ninguém me ajudou com nada. É muito sofrimento. Nós mulheres, tem horas que chegam homens querendo praticar sexo com a gente (...) Tem hora que o homem chega assim e me estupra, entendeu? É horrível. Desculpa a minha reação, é porque é triste a minha vida. Não é legal e eu não falo só por mim, mas qualquer mulher que vive na rua é horrível...eu tô falando por várias outras que tem aí.;

Dona Laurinha, moradora de rua. Declarações colhidas pelo Projeto Renovando a Cidadania, da Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP/DF), em parceria com o Programa de Elevação de Renda Familiar

Memória
Higienização social
Em junho deste ano, o Conselho Comunitário de Segurança do Sudoeste (CCSS) lançou uma campanha contra a esmola no bairro nobre de Brasília. O objetivo da iniciativa é reduzir o número de pedintes e frear o aumento da criminalidade e do tráfico de drogas na região. Lojas que apoiam a medida passaram a exibir cartazes orientando a clientela a não dar dinheiro aos sem-teto que circulam pela área. Com a recusa, os moradores do Sudoeste esperam afastar os mendigos e flanelinhas que dependem do dinheiro doado nas áreas comerciais e residenciais do Sudoeste.

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