Adriana Bernardes
postado em 20/10/2011 07:36
Na contramão dos anseios da sociedade, o Poder Judiciário tem entendido que motoristas alcoolizados que matam no trânsito devem responder por homicídio culposo (sem intenção de matar) e julgado pelas varas criminais comuns. O Correio levantou, aleatoriamente, 11 casos de condutores envolvidos em acidentes fatais no DF ; todos eles estavam alcoolizados. Desses, apenas dois foram levados a júri popular até o momento e condenados por homicídio com dolo eventual ; quando a pessoa assume o risco ao adotar determinado comportamento (veja quadro ao lado).Alguns dos acusados foram indiciados por homicídio culposo. Outros, por homicídio doloso, mas, nem mesmo nesses casos, existe qualquer garantia de que o indiciamento será acatado pelo juiz, uma vez que ele pode desclassificar o crime. É o caso do professor David Silva da Rocha. Em 19 de dezembro de 2008, David Rocha, então com 46 anos, atropelou e matou Giovanna Vitória de Assis Mota, 5, e a babá dela, Francilda da Paz. Mesmo com o teste do bafômetro positivo, ele conseguiu a desclassificação do crime. Quando isso aconteceu, a revolta dos familiares da garota foi tanta que eles pararam de ir às audiências e acompanham o processo somente pela internet. ;Era muito estresse, muita tristeza e raiva ao mesmo tempo;, relata a contadora Fernanda Butitiere, mãe da menina. David da Rocha foi condenado por homicídio culposo, na segunda-feira última.
Exceção
Entre os motoristas levados o júri popular está o caminhoneiro Márcio Carlos Batista Fontenelle. Ele está preso desde o dia do acidente, em 28 de junho de 2008, uma semana após a lei seca entrar em vigor. O caminhão que ele dirigia bateu em um carro de passeio matando na hora Ana Paula Soares, 22, Lucas Levi Gomes da Silva, 4, e Luiz Henrique Soares de Souza, 2. Submetido ao teste de bafômetro, o resultado deu positivo: 1,24 miligrama de álcool por litro de ar expelido no pulmão, teor ligeiramente maior que o resultado do construtor José de Araújo Arruda, que se envolveu em um acidente com duas mortes após dirigir embriagado. Enquanto o caminhoneiro está na cadeia, cumprindo pena de 22 anos de prisão, José de Araújo conquistou na Justiça a desclassificação do crime.
Decisões diferentes para casos aparentemente iguais têm causado revolta entre os parentes de vítimas. Quem executa as leis ; advogados, delegados, promotores e juízes ; argumenta que a falha está na legislação. No Congresso Nacional, há mais de uma centena de projetos para mudar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O problema é que alguns deles estão repletos de equívocos, segundo especialistas. A presidente do Movimento Bruna pela Vida, Clarice Gulyas, acredita que o movimento iniciado pelo engenheiro paulista Rafael Baltresca pode mudar a realidade atual. Ele lançou um site com abaixo-assinado, para mudar o Código de Trânsito e punir motoristas alcoolizados que matam no trânsito. ;Assinei, divulguei no site Bruna Pela Vida, no Twitter e no Facebook. Vamos apoiar e incentivar outras pessoas a assinar;, afirma.
A situação de cada um
; José de Araújo Arruda (crime desclassificado ; aguardando julgamento)
Em 4 de abril de 2009, ele bateu de frente com um ônibus na W3 Sul. No acidente, morreram o pai e o irmão da namorada de Araújo, que estava alcoolizado. A Justiça desclassificou a denúncia de homicídio doloso e mandou o Detran suspender o direito de ele dirigir. O motorista recorreu.
; Márcio Carlos Batista Fontenele (mantida a denúncia ; réu condenado)
É um dos raríssimos casos em que o motorista alcoolizado envolvido em um acidente fatal foi condenado pelo Tribunal do Júri. Fontenele está preso desde o dia em que bateu com o caminhão em um carro de passeio matando três pessoas. O acidente foi em 28 de junho de 2008, na DF-190.
; David Silva da Rocha (crime desclassificado ; réu condenado)
Em 19 de dezembro de 2008, ele atropelou e matou Giovanna Vitória de Assis Mota, 5 anos, em Planaltina. Conseguiu desclassificar o crime para homicídio e lesão corporal culposos no trânsito. Foi condenado a cinco anos, 10 meses e seis dias de detenção. Também teve o direito de dirigir suspenso.
; Ítalo Pinheiro de Almeida (crime desclassificado ; aguarda julgamento)
Denunciado por homicídio doloso porque, segundo a polícia e o Ministério Público, ele estava alcoolizado quando atropelou e matou Yasmim Alice Martins de Jesus, 5 anos, na porta da casa dela, em Taguatinga, em 23 de maio de 2009. O processo tramita na Segunda Vara Criminal de Taguatinga.
; Gustavo Henrique Bittencourt Silva (indiciado por homicídio culposo ; aguarda julgamento)
Em dois anos e 10 meses, foi flagrado ao volante sob o efeito de álcool pelo menos cinco vezes. Ele atropelou e matou o motorista da Câmara dos Deputados Marcos André Torres, 37 anos, em 11 de agosto deste ano. O caso tramita na Vara de Delitos de Trânsito de Brasília.
; Jonair da Silva e Lima (denunciado por homicídio doloso)
Em 4 de setembro de 2010, o Uno conduzido por Jonair atropelou duas pessoas e bateu em outro veículo. Três pessoas morreram. Ele estava alcoolizado e foi preso. Em 20 de setembro, ganhou a liberdade provisória. A data de instrução do processo está marcada para o próximo dia 10.
; Igor Rezende Borges (denunciado por homicídio e lesão corporal dolosos ; aguarda julgamento)
Em 27 de abril de 2008, ele invadiu a pista contrária e bateu de frente em um Vectra, na DF-001. Cinco pessoas morreram e duas ficaram feridas. Segundo o MP, o jovem estava alcoolizado. O Judiciário decidiu que ele deveria ser levado a júri popular. A defesa recorreu e, em novembro de 2008, conseguiu derrubar duas qualificadoras. O caso aguarda decisão do STJ.
; José Lopes Filho (denunciado por homicídio doloso ; réu condenado)
Acusado de atropelar e matar um aposentado, de 70 anos, em 6 de agosto de 2008, em Planaltina. Fugiu sem prestar socorro e foi preso. Na delegacia, foi constatado que ele estava alcoolizado. Condenado em 5 de agosto deste ano a 10 anos de reclusão e ao pagamento de indenização no valor de R$ 30 mil. Ele também está proibido de obter permissão ou habilitação para dirigir.
; Bruno Morais Dantas (indiciado por homicídio e pelo crime de dirigir alcoolizado)
Acusado de atropelar e matar o estudante Pedro Gonçalves da Costa, 16 anos, em 7 de junho de 2009, na 512 Sul. O teste do bafômetro acusou que Bruno estava com 0,53 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Em 27 de julho deste ano, a Justiça decidiu que o caso será levado ao Tribunal do Júri. A defesa recorreu. Em 4 de novembro, a 2; Turma Criminal negou o recurso.
; Wanderson Nunes Silva (indiciado por homicídio culposo e por dirigir alcoolizado)
Elias Rodrigues da Silva Neto, 28 anos, estava de bicicleta quando foi atropelado por Wanderson, em Ceilândia Sul, em 7 de junho de 2010. O teste do bafômetro feito no condutor acusou 0,39 miligrama de álcool por litro de ar. Wanderson responde por homicídio culposo. O processo está em fase de instrução.
; Allan Frederico da Silva Chamorro (indiciado por homicídio culposo)
De acordo com testemunhas, em 14 de outubro de 2010, Allan saía de uma festa em um pub, na 403 Sul, e Bruna de Oliveira Carneiro, 20 anos, avisou que não o deixaria ir sozinho para casa, na Asa Norte, em função de seu estado alcoólico. Perto da 601 Norte, o veículo dirigido por Allan capotou, bateu em uma árvore e Bruna foi jogada para fora do veículo. O processo tramita na Vara de Delitos de Trânsito.