postado em 22/10/2011 10:00
A construção de Brasília já havia consumido metade do tempo estabelecido para a obra, 22 dos 43 meses decorridos entre outubro de 1956 e abril de 1960. Em julho de 1958, Brasília já acolhia 35 mil habitantes, segundo informa a Revista Brasília, edição n; 18. O balanço das obras era o seguinte:
* Aeroporto, Palácio da Alvorada, Brasília Palace Hotel, Igrejinha, Ermida Dom Bosco e Rodovia Brasília-Anápolis concluídos e inaugurados.
* Eixo Monumental asfaltado.
* Avenida das Nações também asfaltada.
* Congresso Nacional em fase de feitura de fundações.
* Supremo Tribunal Federal também em fase de fundação.
* Ministérios em fase de sondagem do terreno.
* 32 superquadras em diferentes fases de construção: desde as que já estavam com o esqueleto montado às que ainda preparavam os acampamentos.
* Quase prontas as 500 unidades da Fundação da Casa Popular na W3 Sul.
* A Caixa Econômica Federal constrói, na W3 Sul, 222 casas geminadas e 40 lojas.
* Barragem do Lago Paranoá em fase inicial.
Faltava muito ; o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal, a Rodoviária, a Catedral, o Teatro Nacional, os setores Bancário, Comercial e de Diversões, as escolas classe, escolas parque, os cinemas, as entrequadras comerciais, a demarcação e o asfaltamento das vias, obras que ficaram prontas ou foram iniciadas antes de 21 de abril de 1960. (Torre de Tevê, Conjunto Nacional, Conic, Rodoferroviária, QG do Exército e muitas superquadras e entrequadras foram construídos depois da transferência da capital).
Se os problemas iniciais haviam sido vencidos ; escassez de material de construção, ausência de vias de acesso, dificuldade para contratação de mão de obra ;, um outro surgia, de modo inesperado e descomunal: a vinda de milhares de brasileiros para a nova capital em busca de emprego. A ponto de Israel Pinheiro, presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), ter mandado interceptar a entrada de novos candangos em Brasília. Em 1958, a Cidade Livre já era um caótico aglomerado urbano com 2,6 mil estabelecimentos comerciais e sete agências bancárias.
Como escreve Bahouth Júnior em Taguatinga: Pioneiros e Precursores (página 63): ;A rigor tudo começou quando o Núcleo Bandeirante já estava superpovoado, mas, ainda assim, aumentava de forma considerável o fluxo de pessoas que vinham para Brasília. De dia e de noite as invasões proliferavam, sem que fosse possível impedi-las. Chegou-se ao extremo de interceptar caminhões na estrada, obrigando-os a retornarem às cidades de origem. E foi exatamente nas proximidades desse local (no ponto em que hoje existe a ligação entre Taguatinga e o Núcleo Bandeirante) que se formou um núcleo habitacional que em poucos dias abrigava uma população de aproximadamente mil pessoas. Eram na maioria viajantes deixados à beira da estrada pelos motoristas que, impedidos de atingir Brasília, abandonavam seus passageiros entregues à própria sorte;.
Ou, na versão de Ernesto Silva, em artigo publicado no Correio Braziliense em 5 de junho de 2008: ;Naqueles tempos, milhares de migrantes, muitos com suas famílias, se dirigiam ao Planalto Central, em busca de empregos. A cada dia, novas levas desembarcavam. A construção de acampamentos de madeira não podia mais atender a demanda. Passou, então, esse povo a se alojar em torno dos acampamentos, ao longo da atual Avenida W3 e nas imediações da Cidade Bandeirante (Cidade Livre);.
A migração de nordestinos rumo ao Sudeste havia encontrado um destino alternativo, a nova capital do país, movimento que se intensificou por conta da grave seca de 1958 no Nordeste. O dia D da migração nordestina país abaixo foi o 19 de março, dia de São José. Acreditava-se fortemente à época que, se nesse dia não chovesse, era sinal de que a estiagem seria cruel. Estava dada a largada, como anunciou manchete do jornal Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo), em 20 de março: ;Perdida a esperança de ;inverno;, deverá iniciar-se agora a retirada em massa de populações nordestinas;.
Menos de três meses depois, surgia nas proximidades do Núcleo Bandeirante, à margem da BR-060, a Vila Sarah Kubitschek, assim estrategicamente denominada para tentar atenuar ;a implacável repressão a que vinham sendo submetidas as ocupações nas proximidades das obras centrais;, como escreveu Jusselma Duarte de Brito em De Plano Piloto a metrópole, tese de doutorado apresentado à Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB).
Juscelino registrou os acontecimentos de maio e junho de 1958, em Por que construí Brasília: ;Foi uma situação dramática. Cerca de 5 mil flagelados, tangidos pela seca do Nordeste, chegaram a Brasília e invadiram a Cidade Livre. Concentraram-se, depois, ao longo da estrada Brasília-Anápolis, à direita de quem se dirigia para a cidade goiana. Moravam da maneira mais precária possível ; barracões de madeira velha, de lata, de folhas de zinco, de sacos de cimento. Não havia água no local e eram impressionantes a promiscuidade e a falta de higiene.;
Em suas memórias, Juscelino deixou evidências de que teve receio da reação dos flagelados da seca. ;O pouco que aqueles flagelados haviam trazido ; uns restos de farinha e uns pedaços de rapadura ; logo fora consumido. E os cinco mil homens passaram, então, a exigir comida das autoridades da Novacap de forma ameaçadora.;
Daí se explica a decisão de Juscelino, um presidente de trato fácil com a gente humilde, de evitar uma aproximação corpo a corpo. Havia sido marcado um jantar, para 28 de maio, na Cidade Livre, com a participação do presidente. Sabendo disso, os invasores planejaram uma manifestação na porta do restaurante para pedir a JK que autorizasse sua permanência na invasão. Informado do que o esperava, Juscelino desmarcou o compromisso e mandou que Ernesto Silva, diretor da Novacap, fosse enfrentar as feras.
Os números não coincidem: JK fala em 5 mil almas; Ernesto Silva, em 3 mil e Bahouth Júnior, em mil pessoas. ;A excitação era enorme;, contou Silva. ;Ambiente de expectativa e excitação. Subi em um caixote de madeira e dirigi a palavra aos manifestantes. Disse-lhe que a Novacap já providenciava a criação de uma cidade-satélite, a 25 km do Plano Piloto, e que, neste local, cada trabalhador teria seu lote e poderia adquiri-lo por preço acessível, módicas prestações.;
Uma semana depois, a 5 de junho de 1958, começava a transferência dos invasores para a primeira cidade-satélite de Brasília, Taguatinga. (A Cidade Livre ainda teria de lutar muito para conseguir se fixar como cidade. Planaltina e Brazlândia eram povoações já existentes).
Os retirantes da seca de 1958 apressaram um projeto que já estava sendo desenvolvido pela Novacap, o de criação de Taguatinga.
Passados 22 meses do início da construção, Israel Pinheiro já havia se convencido de que não havia como barrar a tempestade migratória que desabaria sobre a capital em construção.
Outros feitos
; Já foram construídos 47,5 mil metros quadrados de edificações em madeira, correspondendo a 300 unidades. São escritórios, hospital, escola, oficina, depósitos, residências, alojamentos, restaurantes, clube, olaria, serraria, carpintarias etc.
; Já estão em funcionamento três escolas primárias e duas secundárias. Nas primárias, uma é mantida pela Novacap e duas por particulares. São 805 crianças nas escolas primárias e, nos ginásios, 198 alunos.
; A cooperativa agropecuária de Goiás inaugurou um matadouro com área construída de 1,8 mil metros quadrados, com 12 seções industriais e com capacidade de abate de 250 bovinos e 150 suínos. A salsicharia tem capacidade para produtir 1,5 mil quilos de embutidos e duas toneladas de sabão, bem como várias toneladas de adubo para agricultura. O matadouro abate 45 reses e 20 suínos por dia.
; Inaugurada a usina hidrelétrica piloto de Saia Velha, com duas turbinas. A primeira, de 250 hp, e o gerador, de 200 hp, entraram imediatamente em ação para abastecimento dos escritórios, oficinais, serrarias, olaria e residências da Novacap, e do aeroporto. A linha de transmissão tem extensão de 22 km.
; Já operam em Brasília seis companhias de aviação: Vasp, Lóide Aéreo, Cruzeiro do Sul, Real-Aerovias, Paraense e Sadia, as duas últimas em consórcio com a Cruzeiro do Sul.
; A Vasp tem dois voos diários para BH;São Paulo e BH-Rio e vice-versa. As demais companhias mantêm linhas diretas, diárias ou alternadas para Manaus e Belém, e para Salvador, Belo Horizonte, Rio e São Paulo, com escalas em cidades do interior da Bahia, Minas, Goiás e São Paulo.
; Os institutos de previdência estão construindo 109 blocos de seis andares cada um, somando 4.560 apartamentos.
; Estão em funcionamento 12 olarias, seis pedreiras e várias serrarias.
LEITURAS
; As cidades-satélites de Brasília, Adirson Vasconcelos, Edição do Autor, 1988
; De Plano Piloto a metrópole, a mancha urbana de Brasília, Jusselma Duarte de Brito, 2010, série Brasília Histórica 50 anos, Editora UnB/Sinduscon
; Diário de Brasília, 1956-1957, Serviço de Documentação da Presidência da República
; Folha da Manhã, edições de março de 1958
; O capital da esperança, Gustavo Lins Ribeiro, 2010, série Brasília Histórica 50 anos, Editora UnB
; Por que construí Brasília, Juscelino Kubitschek, Coleção Brasília, 500 anos, Senado Federal
; Revista Brasília, números 18 e 19, de junho e julho de 1958, Novacap
LEIA NA EDIÇÃO DE 5 DE novembro DE 2011 ; Para construir Brasília foi necessário erguer imenso patrimônio em madeira. Veja o que foi construído e o que resistiu a 51 anos de abandono.
ERRAMOS
Ao contrário do que foi publicado na série Como nasce uma cidade, edição de 8 de outubro passado, são 11 e não 16 os primeiros ministérios a serem construídos com esquadrias metálicas importadas dos Estados Unidos.