Quem encara o trânsito do Distrito Federal todos os dias encontra com facilidade alguém ao celular enquanto dirige ou atravessa a faixa de pedestres. Em duas horas de observação, o Correio flagrou diversos condutores ao telefone enquanto faziam manobras, atravessavam cruzamentos e passavam em semáforos. Teve ainda quem aliava a direção com o envio de mensagens via SMS ou o acesso à internet. Tais atitudes podem resultar em consequências trágicas. Pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot) em julho de 2011 aponta que o hábito aumenta em 84% o risco de acidentes no tráfego.
Entre os 1.020 entrevistados para o estudo Distrações e riscos no trânsito, 48% relataram ter passado por situação de risco ao volante, causado por algum tipo de distração. Falar ao celular no viva-voz (30%), olhar para outros acidentes (37%) , fumar (55%) e falar ao telefone com uma das mãos (84%) apareceram como as principais situações de perigo vividas por condutores e pedestres de São Paulo e do Rio de Janeiro.
O trabalho foi encomendado a partir da preocupação dos médicos que atuam em hospitais de emergência. Os especialistas perceberam a quantidade cada vez maior de atendimentos ligados ao trânsito. Segundo o levantamento, a maior parte dos acidentes é causada pela desatenção. ;Aumentou o número de carros nas ruas, mas os leitos hospitalares e os médicos de urgência, não. Fica difícil participar desse sistema;, reclama o ortopedista Marcos Musafir, ex-presidente da Sbot.
As desculpas para aliar a direção e o celular são inúmeras. Muitos alegam que só têm tempo de usar o telefone para resolver problemas ao entrar no carro. O principal argumento é a vida corrida e os congestionamentos. O comportamento se reflete nas estatísticas. Somente nos primeiros seis meses do ano, os brasilienses somaram 24 mil multas por falar ao celular ao volante, segundo o Departamento de Trânsito (Detran). Isso significa, em média, o registro de 133 infrações por dia ou cinco a cada hora. Proporcionalmente, os carros em circulação no DF têm mais do que o dobro de multas dos veículos do estado do Rio de Janeiro. (veja quadro).
O representante comercial Robson Moreira, 27 anos, reforça as estatísticas do DF. Ele paga cerca de R$ 500 por mês com infrações das mais diversas. Flagrado pela reportagem ao celular enquanto fazia uma curva no Setor Comercial Sul, por volta das 16h, ele alegou que só se distrai com uma conversa ao telefone quem não sabe dirigir. ;Tenho carteira de habilitação há nove anos, nunca bati o carro. Preciso atender o telefone. Se não fizer isso, perco clientes. Geralmente, uso o fone de ouvido, mas hoje (ontem) não deu;, afirma.
Desatenção
O chefe de fiscalização do Detran, Marcelo Madeira, discorda das afirmações do representante comercial. Alegou que o uso do celular tira a atenção do motorista, que, envolvido em outro assunto, deixa o trânsito em segundo plano. ;O problema não está no uso das mãos, mas na desatenção que um diálogo via celular causa. Quando estamos com uma pessoa presente no carro, por exemplo, ela funciona como um copiloto. E, se o motorista fica desatento, ela chama a atenção. Com o telefone, a pessoa fica presa à conversa;, explicou.
Madeira ressalta que o uso de fones de ouvido ou do viva-voz também oferece risco. A única brecha da fiscalização se dá em relação ao bluetooth do GPS ou do aparelho de som, pois o celular fica conectado aos equipamentos. De acordo com o chefe de fiscalização do Detran, a solução para inibir a prática seria transformar a infração, hoje média, em grave. ;Dirigir falando ao celular atrapalha a concentração do motorista tanto quanto dirigir embriagado. As pessoas precisam se conscientizar disso, nem que seja pelo bolso.;
Hábito brasileiro
Rio de Janeiro
Frota: 5,3 milhões
Número de multas*: 46.913
(média de 260 por dia)
Distrito Federal
Frota: 1,3 milhão
Número de multas: 24.051
(média de 133 por dia)
Pernambuco
Frota: 2 milhões
Número de multas: 15.420
(média de 85 por dia)
Rio Grande do Sul
Frota: 4,8 milhões
Número de multas: 5.233
(média de 29 por dia)
O que diz a lei
O artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe os motoristas de usar ao volante telefone celular e fone de ouvido conectado a aparelhagem sonora. A infração prevê multa de R$ 85,13, além de quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).