Cidades

Flagrante de trabalho infantil é registrado na porta de cemitério

postado em 03/11/2011 07:42

Do lado de fora do Cemitério São Francisco de Assis, em Taguatinga, a impressão despertada em quem passava por ali no Dia de Finados era a de estar no centro de uma feira livre. De sandálias a R$ 4 a pilhas de carnes em chapas a céu aberto, era possível comprar vários tipos de produto. Entre os itens, havia os específicos da data, mas não só adultos trabalhavam. Vendendo velas, flores, arranjos e água, pelo menos 20 crianças gritavam os preços das mercadorias e abordavam as pessoas para conquistar clientes. Durante o dia todo, de acordo com a Polícia Militar, passaram por ali cerca de 150 mil pessoas.

Uma das meninas flagradas na entrada do cemitério vendendo vasinhos de flores informou, sem hesitar: ;Estou trabalhando para minha chefe;. A garota, que tem 12 anos, explicou ainda que trabalha para a mesma pessoa comercializando lingeries durante a semana. Para o serviço prestado no feriado, ela deve receber R$ 30. A menina disse que estuda. Ontem, estava por conta de vender os vasinhos que ela mesma montou. ;Cheguei cedo aqui, antes das 7h. A gente fica até umas 18h, ou até mais.; Ela fez amizade com outra criança no local e as duas passaram a andar juntas. A colega, de 11 anos, informou que trabalhava para ajudar a tia. Outros meninos, de 14 anos, vendiam dim-dim para o tio. ;Meu tio está sentado para lá, enquanto estamos aqui. Mas é bom que a gente ganha um pouco (de dinheiro) também;, afirmou um deles.

Em uma das barracas autorizadas pela administração regional, uma mulher de 42 anos estava acompanhada por três crianças e outros dois adultos. Ela contou que estava no local desde as 5h40 e previa conseguir, no fim do dia, pelo menos R$ 1,5 mil. Ao ser questionada se as crianças estavam trabalhando, ela negou. ;São meus sobrinhos. Tudo maior de idade, só estão me ajudando. A mais nova tem 16 anos. Não parece, mas tem. Os outros têm 18 e 22.; As crianças, no entanto, informaram minutos depois que têm 9, 11 e 12 anos.

Segurança
A Polícia Militar estava presente no local e contava com um efetivo de 103 homens. O comandante da operação, tenente Luiz Fonseca, explicou que a equipe foi dividida entre as paradas de ônibus, que ficaram lotadas o dia todo, os estacionamentos, a área interna do cemitério e as regiões adjacentes, como Setor de Oficinas e M Norte. Em relação ao trabalho infantil, o tenente disse não ter flagrado nenhum caso. ;Fui até a uma senhora. Ela me informou que as crianças não estavam trabalhando, mas que eram filhos e sobrinhos. As crianças confirmaram. Então, nós orientamos quanto aos problemas que elas poderiam ter em colocar crianças daquela idade para trabalhar e eles recolheram as coisas e foram embora;, narrou o policial.

Dentro do cemitério, o movimento foi grande. Muitas pessoas transitando, conversando, algumas com dificuldade de encontrar os túmulos dos parentes e amigos. Outros estavam de passagem, em peregrinação pelos cemitérios do Distrito Federal. O autônomo Rômulo de Alcântara, 44 anos, conta que é tradição da família. ;Se formos em todos os parentes, a gente não dá conta. Mas é legal visitar as pessoas que foram importantes em vida e tiveram um passado de coisas boas.;

Gama
O comércio no cemitério do Gama foi menos intenso. Com os acessos controlados, os ambulantes ficaram distantes do local. Os poucos comerciantes vendiam somente os itens relacionados à data. Com mais tranquilidade, o cemitério da cidade estava silencioso, sem deixar de estar movimentado. As nuvens pesadas ameaçavam, mas a chuva esperada não veio.

A aposentada Maria Zoraide de Aguias, 68 anos, sentou-se e refletiu com as filhas perto do túmulo do marido, Manuel Messias. Ele morreu em 2006 aos 68 anos, depois de passar 44 casado com Maria Zoraide. ;Dia de Finados é dia de acender uma vela. Mas eu não venho só nessa data. Vez ou outra eu apareço para cuidar da grama, ver se está tudo certo. Ele era um marido ótimo, merece o carinho;, explicou.

Mesmo com outros familiares com a mesma tradição, o auxiliar administrativo Bruno Chaves, 25 anos, preferiu ir até o túmulo da avó, Ana Gomes, sozinho. ;Eu sento aqui, converso com ela, rezo e aproveito para refletir sobre a vida, porque isso aqui é aprendizado também;, afirmou. Ele gosta de pensar sobre os ensinamentos da avó, que ;viveu os 90 anos dela muito bem;.

Eu fui...

Devoção a Ana Lídia

A aposentada Elza Gomes da Silva, 65 anos, mantém um ritual há 38, quando a menina Ana Lídia Braga foi assassinada, aos 7 anos, em 1973. O corpo da garotinha está enterrado no cemitério da Asa Sul. O túmulo dela é um dos mais visitados na unidade. No Dia de Finados, a moradora da Guariroba faz preces para a criança. Flores, velas e brinquedos também são deixados por Elza. Como muitas pessoas, a aposentada acredita que os pedidos feitos a Ana Lídia sempre são atendidos. ;Tenho muita devoção por ela. Quando oro, peço pela crianças e tenho certeza que a Ana Lídia as protege. Ela é um anjo para mim;, declarou. Movidas pela fé, as pessoas não deixaram de homenagear, ontem, a menina. Muitos fizeram uma corrente de oração e se emocionaram.


JK homenageado

Curiosos aproveitaram para conhecer os sepulcros de pessoas conhecidas, que estão enterradas no cemitério da Asa Sul. Entre os locais mais visitados está o recanto dos pioneiros, onde descansa JK. Desde a morte da filha, em 1987, o militar Maurílio Lima Dias (D), 61 anos, não deixa de passar, no Dia de Finados, no espaço onde foram sepultados o fundador de Brasília, a esposa dele e uma das filhas, Márcia Kubitschek. ;Mesmo depois de tanto tempo, os jazigos deles ainda estão bem cuidados. Toda vez que venho aqui, sempre faço orações para ele.; Maurílio estava acompanhado do cunhado, Francisco Antônio de Araújo Filho, 50 anos, e da mulher, a servidora pública Helena Maria de Araújo Dias, 51.


Flores e incenso


Maria Amélia Cardoso, 50 anos, doméstica, visita o túmulo da filha no cemitério de Taguatinga há oito anos. Em 13 de setembro de 2003, Roberta Cardoso, 21, estava em um ônibus que caiu em uma ribanceira da BR-070, em Águas Lindas de Goiás. Na época, 14 pessoas morreram. ;Minha filha era muito carinhosa, meu braço direito em casa. Venho até aqui no aniversário dela, dia de morte, sempre.; Em todas as vezes que frequenta o lugar, Maria Amélia leva flores. No Dia de Finados, também espalha incensos. ;Ela amava incensos;, lembra. Ontem, a mãe levou a filha mais nova, Bruna, 13 anos. Maria Amélia ganhou uma neta há um mês. ;Acho que a Roberta voltou. A bebê é a cara dela.;


Estudante lembrada

As cunhadas Olga Maria Borges Bernardes (E), 66 anos, e Luísa Maria Bernardes Junqueira, 65, passaram parte da quarta-feira no cemitério da Asa Sul. É lá que o marido de Olga e irmão de Luísa está sepultado. João Eustáquio morreu em 2003, em decorrência de um câncer no esôfago. Depois de homenageá-lo, as duas saíram à procura do túmulo da estudante Maria Cláudia de Siqueira Del;Isola, assassinada aos 19 anos, em dezembro de 2004, por dois funcionários da casa onde ela morava com os pais. ;Maria Cláudia se santificou. Morreu jovem e de uma forma tão trágica. Eu peço que ela descanse em paz e que perdoe os assassinos. E também oro por todos os jovens;, afirmou Olga.

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