Jornal Correio Braziliense

Cidades

Mais de 30 famílias vivem do aluguel de baias do antigo Jockey Clube


Vizinhas às empresas com escritório no Jockey vivem 36 famílias que se formaram em torno de ex-funcionários do antigo clube. Moradoras de pequenas casas conjugadas e construídas ao longo de quatro décadas, essas pessoas mantêm a função de origem. Apesar de o clube com tradição em corrida de animais ter deixado de funcionar, os moradores da Vila do Jockey, como o lugar é conhecido, ganham a vida cuidando de cavalos. Há quase 300 baias para alugar, das quais praticamente todas estão ocupadas, na sua maioria com animais das raças Mangalarga (próprio para a montaria) e Quarto de Milha (comuns nos campeonatos de salto).

Os tratadores cobram pelo mês de cuidados R$ 150 de seus clientes. São empresários, pequenos chacareiros e até funcionários públicos que cultivam o hobby pela montaria, mas não têm fazenda onde possam deixar seus animais. O valor pelo serviço é bem mais barato que no mercado. Na Granja do Torto, por exemplo, manter um cavalo pode custar entre R$ 700 e R$ 1 mil por mês.

Responsável por cuidar de 38 cavalos, Luiz Fernando Almeida mora há 19 anos no Jockey Club. Casado e pai de três filhos, ele confirma que atende todo tipo de gente, dos empresários ricos a pessoas do interior que vieram para a cidade e mantêm o cavalo para não perder as origens. Entre os animais tratados por Luiz, alguns estão anunciados em jornal por até R$ 15 mil.



Um dos clientes de Luiz é um policial militar. Maciel tem um cavalo mangalarga estimado em R$ 7 mil. ;Não sei se teria condições de manter o animal se fosse em outro lugar. É tudo muito caro;, diz ele, que não quis revelar sua patente. Um dos motivos que reduz substancialmente o preço de uma baia alugada no Jockey é o fato de que lá os cuidadores não pagam água nem luz. A fatura é por conta da Terracap.

;Antigamente, a gente pagava, mas agora não paga mais nada não. Daí a gente acaba podendo fazer um preço mais baixo, porque não precisa repassar esse custo para o cliente;, admite Luiz, consciente de que mais cedo ou mais tarde terá de deixar o conforto da casa construída sob o solo em disputa pelo governo. ;Eles vão ter que arrumar um canto para a gente ficar. Aqui todo mundo trabalha duro;, diz ele.

"Daqui não saio se a Justiça não me obrigar"

A disputa pela área do Jockey começou em 1995, quando a administração do clube decidiu arrendar parte da área para construtoras privadas. Mergulhados em dívidas, os gestores dividiram 1 milhão de metros quadrados em oito frações, que seriam alugadas. O primeiro contrato, referente a uma área de 200 mil metros quadrados, foi assinado com a então construtora Saenco, do empresário Luiz Estevão. Um termo de promessa de arrendamento foi firmado com a empresa Principal, que era ligada ao grupo Paulo Octávio. Os dois empresários planejavam criar um parque aquático no local.

Ao notar a especulação imobiliária, a Terracap entrou na Justiça para tentar reverter o termo de doação do terreno. Em 2002, ganhou uma decisão favorável. Mas o caso não teve desfecho até hoje, pois há uma liminar autorizando que sócios do antigo clube permaneçam no local até uma decisão definitiva. E é exatamente isso que vai ocorrer se depender da vontade de Fernando Mattos, o veterinário que ocupa, arrenda e administra uma parte do terreno do Jockey.

O ex-sócio disse ao Correio que não vai sair do lugar enquanto não houver uma decisão na Justiça nesse sentido. Segundo Mattos, dos 210 hectares do Jockey, a disputa da qual é parte no Judiciário se restringe a uma área de 38 hectares, que seria o miolo do terreno, onde estão instaladas pelo menos três empresas. ;Sou sócio do clube, não um invasor e não quero ser tratado como tal. Qualquer um faria o que estou fazendo, que é brigar na Justiça por um direito meu. Apresentei notas de mais de R$ 800 mil provando as benfeitorias que fiz no lugar e quero ser indenizado por isso;, cobra Fernando Mattos. O diretor técnico da Terracap, Luís Antônio Reis, sustenta que, independentemente da liminar, Mattos não poderia manter os aluguéis na área em litígio. ;Isso é ilegal;, afirma.

[SAIBAMAIS]O veterinário admite que entre as cláusulas para a administração do terreno doado pelo GDF estava uma que impedia o arrendamento da área. Mas ele afirma que a exploração do terreno foi feita anteriormente à sua gestão, por grandes empreiteiras. ;O arrendamento começou com as construtoras do Luiz Estevão e do Paulo Octávio;, diz ele. Apesar de administrar o aluguel de empresas atualmente instaladas no terreno do Jockey, ele não reconhece que lucra com o negócio. ;Quem disse que dá lucro? Alguém apresentou contrato de aluguel? Essa é uma questão pessoal. Não vou ceder à pressão do governo ou de empreiteiros que querem tomar esse terreno na marra. Daqui não saio se a Justiça não me obrigar;, avisa.

Para saber mais
Bairro para 130 mil pessoas

O terreno onde um dia funcionou o Jockey Club de Brasília tem espaço suficiente para abrigar um bairro com pelo menos 240 prédios, onde viveriam perto de 130 mil pessoas. Embora localizado na área central de Brasília, o espaço está ocioso porque é alvo de litígio na Justiça há mais de 10 anos. Na expectativa de um desfecho para a briga ainda neste atual governo, a Terracap pediu à Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano que fizesse o estudo técnico para apontar a natureza da terra às margens da EPTG.

A análise oficial definiu que aquela área é de natureza urbana, onde poderão ser construídos prédios de três a seis pavimentos, além de equipamentos públicos como escolas, postos de saúde e até hospital. Ou seja, onde hoje é uma terra de ninguém, explorada por meia dúzia de empresários que conseguiram se instalar no terreno, deve surgir um novo bairro residencial. O diretor técnico da Terracap, Luís Antônio Reis, avalia que, devido à localização da área, o empreendimento será voltado para a classe média e as benfeitorias previstas atenderão não somente os moradores do lugar, mas também Vicente Pires.

A ideia de erguer um conjunto habitacional no terreno do Jockey já foi aventada no passado, quando a área voltou para a propriedade da Terracap, em 2002. Mas o projeto nunca saiu do papel porque, para construir no lugar, é preciso que a questão da posse esteja apaziguada na Justiça. A ideia inicial era lançar o bairro do Jockey como meio de contornar o esgotamento de Águas Claras.

Quase uma década depois, no entanto, cerca de 150 pessoas moram provisoriamente na terra reclamada pelo governo. E de lá só pretendem sair quando tiveram para onde ir. ;Tem gente aqui que se casou, teve filhos e netos nesse lugar. Não é justo agora o governo vir e tirar todo mundo sem resolver a nossa situação. A gente sabe que não vai poder ficar, mas o GDF terá de arrumar uma outra área, uma chácara para a gente continuar a fazer o nosso trabalho;, diz o tratador de cavalos Luiz Fernando.