Cidades

Mais de 30 famílias vivem do aluguel de baias do antigo Jockey Clube

postado em 06/11/2011 07:30

Vizinhas às empresas com escritório no Jockey vivem 36 famílias que se formaram em torno de ex-funcionários do antigo clube. Moradoras de pequenas casas conjugadas e construídas ao longo de quatro décadas, essas pessoas mantêm a função de origem. Apesar de o clube com tradição em corrida de animais ter deixado de funcionar, os moradores da Vila do Jockey, como o lugar é conhecido, ganham a vida cuidando de cavalos. Há quase 300 baias para alugar, das quais praticamente todas estão ocupadas, na sua maioria com animais das raças Mangalarga (próprio para a montaria) e Quarto de Milha (comuns nos campeonatos de salto).

Os tratadores cobram pelo mês de cuidados R$ 150 de seus clientes. São empresários, pequenos chacareiros e até funcionários públicos que cultivam o hobby pela montaria, mas não têm fazenda onde possam deixar seus animais. O valor pelo serviço é bem mais barato que no mercado. Na Granja do Torto, por exemplo, manter um cavalo pode custar entre R$ 700 e R$ 1 mil por mês.

Responsável por cuidar de 38 cavalos, Luiz Fernando Almeida mora há 19 anos no Jockey Club. Casado e pai de três filhos, ele confirma que atende todo tipo de gente, dos empresários ricos a pessoas do interior que vieram para a cidade e mantêm o cavalo para não perder as origens. Entre os animais tratados por Luiz, alguns estão anunciados em jornal por até R$ 15 mil.

Tratadores cobram R$ 150 pelo aluguel de baias, bem menos que o preço de mercado, que chega a R$ 1 mil

Um dos clientes de Luiz é um policial militar. Maciel tem um cavalo mangalarga estimado em R$ 7 mil. ;Não sei se teria condições de manter o animal se fosse em outro lugar. É tudo muito caro;, diz ele, que não quis revelar sua patente. Um dos motivos que reduz substancialmente o preço de uma baia alugada no Jockey é o fato de que lá os cuidadores não pagam água nem luz. A fatura é por conta da Terracap.

;Antigamente, a gente pagava, mas agora não paga mais nada não. Daí a gente acaba podendo fazer um preço mais baixo, porque não precisa repassar esse custo para o cliente;, admite Luiz, consciente de que mais cedo ou mais tarde terá de deixar o conforto da casa construída sob o solo em disputa pelo governo. ;Eles vão ter que arrumar um canto para a gente ficar. Aqui todo mundo trabalha duro;, diz ele.

"Daqui não saio se a Justiça não me obrigar"

A disputa pela área do Jockey começou em 1995, quando a administração do clube decidiu arrendar parte da área para construtoras privadas. Mergulhados em dívidas, os gestores dividiram 1 milhão de metros quadrados em oito frações, que seriam alugadas. O primeiro contrato, referente a uma área de 200 mil metros quadrados, foi assinado com a então construtora Saenco, do empresário Luiz Estevão. Um termo de promessa de arrendamento foi firmado com a empresa Principal, que era ligada ao grupo Paulo Octávio. Os dois empresários planejavam criar um parque aquático no local.

Ao notar a especulação imobiliária, a Terracap entrou na Justiça para tentar reverter o termo de doação do terreno. Em 2002, ganhou uma decisão favorável. Mas o caso não teve desfecho até hoje, pois há uma liminar autorizando que sócios do antigo clube permaneçam no local até uma decisão definitiva. E é exatamente isso que vai ocorrer se depender da vontade de Fernando Mattos, o veterinário que ocupa, arrenda e administra uma parte do terreno do Jockey.

O ex-sócio disse ao Correio que não vai sair do lugar enquanto não houver uma decisão na Justiça nesse sentido. Segundo Mattos, dos 210 hectares do Jockey, a disputa da qual é parte no Judiciário se restringe a uma área de 38 hectares, que seria o miolo do terreno, onde estão instaladas pelo menos três empresas. ;Sou sócio do clube, não um invasor e não quero ser tratado como tal. Qualquer um faria o que estou fazendo, que é brigar na Justiça por um direito meu. Apresentei notas de mais de R$ 800 mil provando as benfeitorias que fiz no lugar e quero ser indenizado por isso;, cobra Fernando Mattos. O diretor técnico da Terracap, Luís Antônio Reis, sustenta que, independentemente da liminar, Mattos não poderia manter os aluguéis na área em litígio. ;Isso é ilegal;, afirma.

[SAIBAMAIS]O veterinário admite que entre as cláusulas para a administração do terreno doado pelo GDF estava uma que impedia o arrendamento da área. Mas ele afirma que a exploração do terreno foi feita anteriormente à sua gestão, por grandes empreiteiras. ;O arrendamento começou com as construtoras do Luiz Estevão e do Paulo Octávio;, diz ele. Apesar de administrar o aluguel de empresas atualmente instaladas no terreno do Jockey, ele não reconhece que lucra com o negócio. ;Quem disse que dá lucro? Alguém apresentou contrato de aluguel? Essa é uma questão pessoal. Não vou ceder à pressão do governo ou de empreiteiros que querem tomar esse terreno na marra. Daqui não saio se a Justiça não me obrigar;, avisa.

Para saber mais
Bairro para 130 mil pessoas

O terreno onde um dia funcionou o Jockey Club de Brasília tem espaço suficiente para abrigar um bairro com pelo menos 240 prédios, onde viveriam perto de 130 mil pessoas. Embora localizado na área central de Brasília, o espaço está ocioso porque é alvo de litígio na Justiça há mais de 10 anos. Na expectativa de um desfecho para a briga ainda neste atual governo, a Terracap pediu à Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano que fizesse o estudo técnico para apontar a natureza da terra às margens da EPTG.

A análise oficial definiu que aquela área é de natureza urbana, onde poderão ser construídos prédios de três a seis pavimentos, além de equipamentos públicos como escolas, postos de saúde e até hospital. Ou seja, onde hoje é uma terra de ninguém, explorada por meia dúzia de empresários que conseguiram se instalar no terreno, deve surgir um novo bairro residencial. O diretor técnico da Terracap, Luís Antônio Reis, avalia que, devido à localização da área, o empreendimento será voltado para a classe média e as benfeitorias previstas atenderão não somente os moradores do lugar, mas também Vicente Pires.

A ideia de erguer um conjunto habitacional no terreno do Jockey já foi aventada no passado, quando a área voltou para a propriedade da Terracap, em 2002. Mas o projeto nunca saiu do papel porque, para construir no lugar, é preciso que a questão da posse esteja apaziguada na Justiça. A ideia inicial era lançar o bairro do Jockey como meio de contornar o esgotamento de Águas Claras.

Quase uma década depois, no entanto, cerca de 150 pessoas moram provisoriamente na terra reclamada pelo governo. E de lá só pretendem sair quando tiveram para onde ir. ;Tem gente aqui que se casou, teve filhos e netos nesse lugar. Não é justo agora o governo vir e tirar todo mundo sem resolver a nossa situação. A gente sabe que não vai poder ficar, mas o GDF terá de arrumar uma outra área, uma chácara para a gente continuar a fazer o nosso trabalho;, diz o tratador de cavalos Luiz Fernando.

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